A Identidade na Direção Cinematográfica: reflexões a partir do primeiro dia da Oficina "Direção Cinematográfica"​, com Abdução Filmes.
Imagem do filme "A retirada para um coração bruto" (2018), de Marco Antônio Pereira, Abdução Filmes.

A Identidade na Direção Cinematográfica: reflexões a partir do primeiro dia da Oficina "Direção Cinematográfica", com Abdução Filmes.

Hoje, na manhã do feriado de 7 de Setembro, lá estava eu animadíssima para a Oficina de Direção Cinematográfica, ministrada por 3 diretores - Marco Antônio Pereira, Marcelo Lin e Rodrigo R. Meireles - da Abdução Filmes (MG), oferecida na programação do Festival de Cinema Curta Caicó.

Quem conduziu o primeiro dia da oficina foi Marco Antônio Pereira, diretor do filme premiado "A retirada para um coração bruto" (2018), que é um curta sensacional! E um tópico que se destacou foi a questão da IDENTIDADE de quem faz a direção de cinema.

Decidi compartilhar aqui alguns pontos de questionamento que considero potentes num viés de debate. Mas, antes, uma pergunta válida:

O que um diretor(a) de cinema faz? 

Durante a oficina, conversamos sobre isso e algumas respostas surgiram: Diretor é o grande maestro. Quem tem a capacidade de pegar o texto (roteiro) e transformar numa linguagem estética (cinema). O MODO como você conta "vale mais" do que o QUÊ você conta.

Existem vários tipos de diretores, é claro. Alguns veem seu ofício como algo mais técnico do que artístico. Mas é importante que ele coloque a "mão na massa" em todos os setores, no sentido de dialogar com e entender o que as outras funções demandam. A maior escola do diretor é na produção - dele e dos outros. Ele está num lugar de consciência, mesmo que mergulhe no caos.

Para Marcos e alguns colegas, eles buscam o sentimento de sair do cinema "com o filme". Do tipo que deixa questionamentos certos, que pode lhe fazer pensar por dias e dias ao invés de trazer apenas uma resposta. Marcelo Lin acrescentou que são os questionamentos que fazem o mundo rodar. E muitos de nós concordamos que o diretor bom é aquele que faz as perguntas e provocações certas também para a equipe. 

E, então, chegamos no ponto que tomou maior discussão na oficina e que, para Marcos, são elementos importantes que um diretor ou diretora de cinema deve ter: IDENTIDADE e BOM SENSO - nessa ordem. 

Mas o que é ter Identidade enquanto Diretor(a) de Cinema?

É ter uma estética marcante como a de Tim Burton? É ter um apelo comercial no roteiro como em filmes de Nolan? É ter uma assinatura visual como a cheia de sangue e inspirada em quadrinhos de Tarantino? É ter algum elemento visual que faça o expectador imediatamente reconhecer o seu filme? É ter o elemento dos famosos plot twists sinistros no fim dos filmes? 

É e não é. Bom, não necessariamente. 

Para discutir identidade, teríamos de fazer vários estudos sobre o conceito por trás da palavra, mas aqui o lance é mais informal, então vamos pensar na Identidade como o ato de saber quem eu sou e o que eu NÃO sou. Identidade também tem a ver com o propósito do que nós fazemos, portanto, sendo bem sincera, é uma prática enorme de autorreflexão e filosofia, então não tem como exigir que você saiba responder isso agora - eu mesma não sei totalmente. Mas o exercício de se questionar sobre isso em momentos de iniciar a produção de um filme é muito válido! 

Enquanto diretora de documentários recém chegada na área, eu sempre soube que, por mais que eu saiba o que eu quero para o filme, tenho de estar aberta, pois trabalho com um roteiro aberto - um roteiro que conta com uma realidade específica que é efêmera e pode sofrer uma reviravolta que coloque todo o roteiro em um rumo totalmente diferente. Sendo assim, eu sei o que quero, mas posso muito bem não saber de repente - e tudo bem! Mas sabendo o que eu NÃO quero, já me orienta para outras opções que facilitem meu novo processo. Sabendo esse fragmento da minha identidade de diretora me coloca num caminho que se relaciona com o que eu queria seguir antes. 

Então, podemos dizer que pensar a Identidade é um ponto de partida, já que ela está muito ligada com o seu objetivo no Cinema. Além disso, a Identidade também está no processo de direção, não só no resultado final - filme. 

Mas então a Identidade do Diretor é para quem: para ele mesmo ou para o expectador? 

Eu não sei, mas eu, Camila, diria que é para o filme. 

(Vale ressaltar que eu ACABEI de sair da oficina, portanto minha mente está fervilhando e eu posso muito bem mudar de opinião amanhã, pois terei mais dois dias de oficinas!!

Vamos voltar ao ponto. O ponto de partida - A identidade. (olha ela fazendo graça).

Talvez, para melhorar o entendimento, seja bom eu usar o que eu poderia chamar de minha Identidade atual, minha "pegada" enquanto diretora, meu objetivo ao pensar o filme: protagonismo feminino. Bom, o termo por si só é abrangente, mas meu recorte é mais pontual: protagonismo feminino na cidade de Natal, RN. Tendo isso em mente, consigo achar meu ponto de partida: se eu penso no protagonismo feminino, penso em personagens com histórias marcantes, potentes e importantes de serem ouvidas. Produzi dois curtas para meu projeto de documentário "Pequena flor de ameixa", ambos documentários sobre mulheres que lutam Kung Fu em Natal. Mas não produzi só eles, produzi outros dois curtas fora do projeto, a partir de o que Carlos Segundo (2019) - diretor do curta "Sideral" (2021) - chamou de "filme de oportunidade", que consistem em filmes que está acontecendo, faz o cineasta se sentir provocado no exato momento. De fato, "Dia dos avós" e "Gostoso" simplesmente aconteceram pois lá estava eu: uma mulher com uma câmera na mão. 

Então, se eu fiz esses dois curtas, minha pegada não é protagonismo feminino?

É sim, eu digo que é. Mas talvez não seja só isso, entende? Estou no início da minha carreira de cineasta, estou começando a entender o que eu quero e o que eu NÃO quero. 

Mas e a Identidade? 

Rodrigo R. Meireles, o outro diretor que ministra a oficina, comentou um ponto que eu concordo muito: "é errando que se encontra o estilo". Antes de definir a identidade, deve-se experimentar, fazer, errar, analisar. 

E uma forma boa de começar a se provocar quanto a própria identidade de direção é seguir uma dica de questionamento que Marco Antonio deu a partir de uma frase potente de Robert Bresson:

Faça visível o que sem você jamais seria visto.

Se você tem algo perto de você que vale a pena ser contado, filmado, escutado, registrado num filme, já é algo que pode ser parte da sua identidade, pois seu olhar que guia o COMO você fará esse filme acontecer será o diferencial. 

Enquanto mulher, cineasta, diretora e roteirista, me guia uma frase que dialoga com uma parte da identidade que procuro em meus filmes - a do protagonismo feminino -, dita pela escritora Ursula LeGuin:

Nós somos vulcões. ... Quando nós, mulheres, oferecemos nossas experiências como nossas verdades, como verdades humanas, todos os mapas mudam. Surgem novas montanhas.

Posso ainda não saber minha identidade de diretora, mas tenho um objetivo, um propósito: quero mudar mapas, fazer novas montanhas. 


Lucas Chamorro de Freitas

#videomaker | #filmmaker | #editorvídeo

2 a

muito boa a sua reflexão, eu estava um pouco perdido nos meus próprios pensamentos e você me norteou de alguma forma, obrigado!

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