IED EM MOÇAMBIQUE: POTENCIAL ELDORADO OU CAMPO MINADO?
"If opportunity doesn't knock, build a door" Milton Berle
Este artigo foi publicado originalmente na edição de Dezembro da Revista Economia & Mercado Moçambique
Investimento Estrangeiro Direto (IED) como fonte de desenvolvimento não é algo novo, o Império Romano (27 AC – 476 DC) quando realizou a construção de uma extensa rede de estradas conectando Roma aos rincões do impérios como Lugduno (atual Lyon, França) ou Palmira (atual Síria) pode ser considerado que realizava uma espécie de IED. Não importa se o objetivo era facilitar o fluxo de materiais com a movimentação do exército e de produtos para o comércio, o fluxo financeiro dos impostos de volta a Roma ou fluxo de informação para tomada de decisão; o fato que este IED fez com que todos os cidadãos soubessem que “todos os caminhos levam à Roma”. Até os bárbaros sabiam ...
O termo IED se consolidou no anos 60 depois da 2ª Guerra Mundial quando organizações como Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) incluíram em suas análises econômicas e relatórios a diferenciação entre esse tipo de investimento de outras formas de fluxo financeiro internacional, como empréstimos ou investimentos em portfólio, ao acompanhar a entrada de capital estrangeiro que envolvesse controle e administração de empresas em outro país. Estudos recentes da UNCTAD1 e dados estatísticos da Comissão Europeia (Eurostat)2 apontam que o prazo esperado de retorno do IED varia de 5-10 anos para setores industriais enquanto setores mais arriscados e voláteis como startups e tecnologia as expectativas são mais breves, de 3-5 anos. Os romanos não possuíam refinamento financeiro para calcular a Taxa Interna de Retorno (TIR), mas intuitivamente entendiam a importância de colocar as bases para o desenvolvimento de uma região.
IED NA AFRICA, ÁFRICA AUSTRAL & MOÇAMBIQUE
O IED Global destinado à África reportados nos últimos 50 anos na base do Banco Mundial3 são na média apenas 2,8% do total que circulou pelo globo – variando entre ‘fartura’ (5,1% em 2021) e ‘miséria’ (0,8% em 2000). Indiferentemente do ano analisado, o IED destinado a região é apenas uma gota d´água que não teve um impacto para germinar resultados significativos no estágio de desenvolvimento econômico, social e tecnológico da região há 50 anos.
De acordo com o World Investment Report 2024 da UNCTAD4, entre as nações Africanas com maior atração de IED em 2023 apenas 3 países estão na África Austral. Destaque para África do Sul (#1 USD 80Bi) e Moçambique (#3 USD 32Bi) que acumulam as maiores atrações em moeda corrente no período e a Namíbia (#10 USD 6Bi), caçula do grupo, que entrou graças aos USD 2,3 Bi (38%) de IED no país realizados apenas no ano de 2023.
Se os fluxos IED na região são limitados, então como direcionar para que as gotas que irrigam os países da região consigam germinar impactos socioeconômicos significativos? Daron Acemoglu e James A. Robinson autores do livro ‘Por que as Nações Fracassam’ (2022) deixam algumas pistas nos capítulos (3) Estado Inclusivo, (4) Estado Extrativo e a (6) Armadilha da Pobreza.
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Analisando o perfil do IED dos últimos 10 anos da África do Sul, Moçambique e Namíbia5, se observa que os países têm em comum a atração de capital em setores como energia (gás), mineração e agricultura, portanto uma releitura do Estado Extrativo mencionados por Acemoglu e Robinson. O IED, como todo investimento, analisa aspectos como risco-retorno frente ao prazo e, apesar dos países terem realizado mudanças nas suas legislações6 para atrair este tipo de capital, as nações permanecem na Armadilha da Pobreza perpetuada de Acemoglu e Robinson pois suas instituições (Governos) não conseguem direcionar o capital para o crescimento econômico pela inovação – resultando na sociedade estagnada revelada pelos autores. Aqui justiça seja feita para a África do Sul7 que atraiu investimentos para projetos de infraestrutura – inclusive em 2021 o IED sul-africano teve destino para novas infraestruturas de dados abrindo seu portfólio para incluir tecnologia além da tradicional mineração.
O Estado Extrativo é amplamente conhecido pela expressão “país de dono” comum em análise políticas e econômicas para América Latina e África onde o poder e os recursos são concentrados nas mãos de uma restrita elite que perpetua a situação pelo controle da riquezas disponíveis ou através da corrupção, perpetuação da pobreza e continua desigualdade social que previnem o progresso.
A ausência de um Estado Inclusivo de Acemoglu e Robinson pode ser pista e solução. Se por um lado a falta de instituições políticas e econômicas sólidas para moldar as economias da África Austral são pista; por outro a solução é pavimentar o sucesso rumo a um Estado Inclusivo ao construir instituições com Governança Corporativa robusta.
O leitor certamente conhece pessoas que são românticas que acreditam que o Estado Inclusivo de Acemoglu e Robinson pode surgir automaticamente, basta promover a participação de todos os cidadãos na vida econômica e política com campanhas publicitárias de mobilização, o fortalecimento da proteção dos direitos de propriedade com legislações mais modernas e um sistema judiciário mais transparente, promover a igualdade de oportunidades e incentivar a inovação ao criar um ambiente onde indivíduos e empresas possam prosperar. Por favor, avise ao iludido que os exemplos históricos rumo a um Estado Inclusivo é uma coletânea de movimentos sangrentos ou conturbados como a Revolução Francesa (1789-1799), Guerra Civil Americana (1861-1865), Revolução Industrial/Conflitos Trabalhistas UK (século XIX), Unificação Italiana (Risorgimento)/Guerras de Independência (1848-1870), Revolução Meiji Japão (1868-1912) e a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Se o leitor se questiona, o Estado Inclusivo é somente através de conflitos violentos? Não necessariamente, a Revolução Gloriosa (1688), a colonização-formação da Austrália (1850) e a Queda do Muro de Berlim (1989) demonstram que é possível uma transição suave quando o Zeitgeist da sociedade se apresenta.
Moçambique precisa lembrar diariamente que alcançar o Estado Inclusivo ao adotar o IED como meio requer vigilância pois estes recursos são bastantes sensíveis em aspectos como Infraestrutura Deficiente, Falta de Mão de Obra Qualificada, Condições de Mercado Restritivas, Corrupção, Governança e Instabilidade Política & Conflitos Internos. E avançar neste campo, as notícias não são encorajadoras.
O Índice Global de Competitividade (2020) do Fórum Econômico Mundial ao avaliar a prontidão para a transformação dos países não lista Moçambique8 e no 2023 Infrastructure Index ranking9, Moçambique figura no final da lista refletindo os desafios contínuos de sua Infraestrutura Deficiente em Transporte, Energia e Comunicações. A Falta de Mão de Obra Qualificada10 está relatada no International Trade Administration e, também, em recente reportagem da Africa Press. As Condições de Mercado Restritivas11 impostas pelo Banco de Moçambique (BdM) para remessa de valores ao exterior desestimulam a entrada de IED sem que se dedique tempo e recursos para assegurar acordos com o Governo que garantam em contratos sua fluidez de retorno – recentemente em junho/2024 o BdM realizou avanços, porém nada que mude o atual patamar de IED no país. Em Corrupção, Moçambique ocupa no momento a posição 145 entre 180 países no Índice de Percepção da Corrupção (CPI em inglês), com uma pontuação de 25/100 segundo o relatório da Transparência Internacional de 202312. A maturidade de Governança13 de um país envolve uma análise multifatorial como Índice de Percepção da Corrupção (CPI), Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que Moçambique reporta 0,456 em 2020, a Qualidade das Instituições como a Liberdade de Imprensa14 (Nota: 52,42) onde o país figura como 105 de 180 países, o Desempenho Econômico-Crescimento do PIB (+5% 2023) e a Análise Comparativa com Países Similares. Por fim, quando se analisa a Instabilidade Política & Conflitos Internos15 as recentes notícias das manifestações ao resultado das eleições em Moçambique em Outubro/2024 ou o Aviso de Viagem para Moçambique do Departamento de Estado dos EUA que classifica o país como "Nível 2: Exercite Cuidado” com notas especiais para a província de Cabo Delgado (N4 Não Viajar) e Pemba (Capital de Cabo Delgado) com (N3 Reconsidere), são típicos exemplos que afastam o IED.
Não fique com a impressão de que há um campo minado a frente e o artigo apresenta somente más notícias. Saiba que toda transformação de sucesso rumo ao eldorado começa com um sólido diagnóstico e, para evitar a perpetuação da pobreza e continua desigualdade social que previnem o progresso desejado, é fundamental construir análises – algo que o artigo já proporcionou. Evitar de “reinventar a roda” também.
O Índice de Capacidades Institucionais (ICI®) na sua versão análise de países concebido e desenvolvido pelo THINK ACTION TANK de Gestão Pública da Fundação Dom Cabral é exemplo de caminho para ajudar governos e IED a aterrizarem ações que são capazes de promover desenvolvimento rumo a um Estado Inclusivo. Afinal, somente quem pode determinar se “todos os caminhos levam a Moçambique” como potencial eldorado ou campo minado, é o seu Zeitgeist.
CEO
3 semLuiz E. Buccos Silveira (陆毅 · 布科斯), excelente artigo e obrigado por apresentar esta revista de Moçambique não conhecia. Acredito muito na sua visão que uma transformação de sucesso, começa com um sólido diagnóstico.