Iluminação e Saúde - Novas Fronteiras
Desde a descoberta do domínio do fogo, que o Homem usa a luz para se proteger, aquecer, executar as suas tarefas visuais e comunicar.
Na área de iluminação artificial, o projeto focava-se essencialmente em cumprir normas que apontam para valores mínimos a cumprir, para proporcionar a acuidade visual necessária para desempenhar a tarefa em causa.
Até há pouco tempo a visão tinha dois fotorreceptores: Cones e Bastões.
Nos últimos 20 anos, começou a haver uma evolução para o conceito da iluminação arquitetural muito ligada ao fenómeno da perceção visual, criação de ambiências.
Neste artigo pretendo abordar os novos desenvolvimentos na área da neurociência, tecnologia LED, sistemas inteligentes de controlo da luz artificial (Smart Lighting) e a sua relação no desenvolvimento de novos conceitos de iluminação ligados ao bem-estar, mais concretamente Human Centric Lighting (HCL).
Um dos aspetos mais importantes para o nosso bem-estar é o nosso relógio biológico, mais conhecido por ritmo circadiano, ele influencia a nossa temperatura corporal, sono, vigília, e varias mudanças hormonais. (fig1)
A luz solar e outros sinais do cérebro ajudam a definir os nossos ritmos circadianos, ora estimulando a produção de cortisol ora a produção de melatonina cortisol de modo que sejam consistentes no dia a dia.
Em 1998 foi descoberto um novo pigmento, a melanopsina, localizado numa área da retina que se imaginava "cega", permitindo que os seres vivos percebam a luz sem a ver. Esse pigmento, localizado nas células ganglionares da retina, envia informações luminosas para a zona do hipotálamo conhecida como relógio biológico (núcleos supraquiasmáticos) (SCN) e, com isso, informa ao relógio interno as condições de iluminação do meio ambiente. (*)
Sabemos agora que a melanopsina controla a quantidade da hormona de sono (melatonina) no sangue.
Esta descoberta permite entender porque cegos, que são incapazes de ver a luz, conseguem ajustar as suas atividades aos ciclos de iluminação do ambiente.
Sabíamos que a luz desempenhava o papel da mão que acerta o relógio, mas não sabíamos em que botão ela atuava, agora sabemos aonde e a descoberta deste terceiro fotorreceptor, ligado a efeitos não visuais, vai-nos permitir encontrar formas (decorrem inúmeros estudos nesta área) de poder “acertar relógios desregulados” e abre uma nova fronteira no projeto de iluminação orientado para uma melhor qualidade de vida.
Para isso, temos de controlar o espectro da fonte luz, a sua intensidade, o tempo de exposição. E aqui entra a tecnologia LED que já é capaz de o fazer com sistemas inteligentes de controlo. O controlo do espectro vai permitir ainda maiores avanços na cromoterapia.
Agora, aos efeitos visuais e efeitos emocionais unem-se os efeitos não visuais, e os três juntos traduzem-se na Human Centric Lighting (HCL).
O que é Human Centric Lighting (HCL)? É exatamente o que parece - iluminação que é centrada em torno do corpo humano, uma iluminação que atende às necessidades naturais do corpo humano para uma ótima funcionalidade.
Para que o leitor tenha uma melhor perceção do alcance destes desenvolvimentos, a convergir para a HCL e do que isso pode vir a representar para a melhoria da nossa qualidade de vida, abordarei alguns pontos importantes, sendo que nestes novos desenvolvimentos pode estar a resposta para a melhoria da qualidade de vida do Homem.
A grande maioria da população passa 93% do seu tempo dentro de edifícios, automóveis ou residências, consequentemente, grande parte dela tem deficiência de vitamina D3 (vitamina do sol). Parte trabalha em turnos da noite, em que o dia é noite e vice-versa, com implicações na desregulação do ritmo circadiano. Decorrem estudos que apontam que isso terá impacto no desenvolvimento de várias patologias, nomeadamente no cancro de mama nas mulheres.
Milhões de pessoas são afetadas em todo o mundo por desordens de sono e estudos apontam para implicações no Síndrome de défice de atenção com hiperatividade (ADHD), Distúrbios de processamento sensorial (SPD), Transtorno de stress pós-traumático (PTSD), obesidade, diabetes, doenças mentais, doenças cardíacas, hipertensão, etc. que implicam custos de biliões de Euros em perda de produtividade e cuidados de saúde associados. (*)
Hoje é um dado adquirido que uma das principais causas de desordens do sono é a exposição à luz inadequada no trabalho, em casa, na escola ou em qualquer lugar necessitado de luz artificial.
Atualmente, com a evolução atrás referida, o leitor já não precisa de beber café se quiser manter-se acordado. Basta uma exposição de luz num determinado comprimento de onda para ganhar 2 horas bem desperto. (fig3)
Do mesmo modo pode vir a dispensar comprimidos para dormir. (fig4)
Agora, tudo isto vai ter implicações ao nível do projeto. Um lighting designer ou projetista de iluminação domina uma parte do projeto, tarefa visual ou até efeito emocional, mas quanto aos efeitos não visuais, terão de entrar outras disciplinas. Portanto, o projeto tende cada vez mais a ser uma atividade multidisciplinar.
Vejamos o caso de estabelecimentos hospitalares. Tudo o que anteriormente foi escrito torna-se ainda mais vital numa instalação hospitalar.
Aqui, mais do em qualquer outro lugar, vai ser preciso gerir cuidadosamente todas as variáveis especialmente as dos efeitos não visuais, pois neste local interagem clientes, pessoal médico e funcionários. Todos com necessidades diversas e distintas.
Por exemplo, no caso de doentes com transtornos mentais, sabe-se que mais de 80% de todos os medicamentos indicados para esta patologia têm a fotossensibilidade como efeito secundário. Como é que se ilumina as zonas destes doentes? Que tipo de controle de luz se instala? O conhecimento e adequação do tipo de iluminação poderá melhorar o bem estado do paciente durante o tempo do tratamento e com isso criar condições para melhorias no seu estado de saúde.
Outra questão que se levanta, é que muitos dos medicamentos têm grandes diferenças circadianas, isto é, se administrados no correto momento do ritmo circadiano do paciente podem ver o seu efeito aumentado várias vezes ou o contrário (**). Ora ao atuarmos ao nível da iluminação, cada caso é/ou pode ser diferente.
Portanto, um medicamento que é administrado para combater alguma enfermidade pode ser afetado no seu efeito se a iluminação não for ajustada, aumentando muitas vezes a toxidade do mesmo.
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Atuando no espectro, na intensidade e no timing correta e fundamentadamente, podemos reduzir tempos de internamento, reduzir custos e até baixar as doses administradas com ganhos para todos.
É ainda muito comum ver em hospitais mais antigos, a tradicional luminária fluorescente no teto ou retrofitada a LEDs em nome da poupança de energia, em enfermarias e por cima dos pacientes, iluminação essa sobre a qual os mesmos não tem nenhum controlo, nem na cor, nem na intensidade nem no timing.
Face ao exposto anteriormente, imagine um paciente deitado com a cabeceira levantada, exposto a esta iluminação, não podendo rodar para fugir à mesma, se tiver um cateter no braço não o pode levantar para bloquear a luz, com limitações em mudar de posição ou até inconsciente. Este paciente continuará exposto e possivelmente sujeito a alterações do seu ritmo circadiano ou interações indesejadas com o seu tratamento.
Com a evolução de que falamos, os hospitais ou casas de repouso poderão ter um sistema de iluminação com a possibilidade de ser comandado pelo paciente ou pelo médico, com fins paliativos ou terapêuticos.
Do mesmo modo, já estão disponíveis no mercado luminárias que alteram ao longo do dia a tonalidade de luz imitando a luz solar e contribuindo para a regulação do ritmo circadiano. (fig5)
Mas a solução não se deve esgotar nesta possibilidade, porque muitas vezes a tentativa de simular a luz natural pode não ser o mais acertado para determinado paciente. Este poderá ter excesso ou deficiência de qualquer coisa e, dependendo do caso, pode ser necessário alterar o espectro da fonte de luz que não o ciclo da luz solar. (fig6)
A idade do paciente também tem importância. Por exemplo, estudos demostram que um indivíduo com idade de 75 anos requer três vezes mais luz que um de 45 anos de idade para provocar a mesma resposta circadiana. E em comparação dos 75 anos com 35 anos, o valor é 3,9 vezes.
Por outro lado, o que pode ser favorável em termos de iluminação para um paciente pode ser o menos adequado para o pessoal médico, e vice-versa.
Acresce ainda que a tecnologia LED, com a sua facilidade de alterar o espectro, e os sistemas inteligentes associados contribuirão para ajudar o corpo médico a um melhor diagnóstico em várias áreas de intervenção. Alguns comprimentos de onda permitem uma melhor avaliação de algumas patologias, por exemplo, infeções, tons de pele, sangue, etc.
Os novos hospitais estão a introduzir bastantes evoluções a todos os níveis. Hoje não têm pacientes, mas sim clientes. Têm uma arquitetura orientada para o bem-estar de todos os que convivem naquele espaço onde a luz natural e a iluminação artificial assumem um papel fundamental e já há bons exemplos de aplicação de sistemas de iluminação, onde os conceitos anteriormente expostos já estão a ser aplicados. (fig7)
Estas evoluções levantam várias questões, abrem novas áreas de investigação e introduzirão muitas alterações ao modo como projetamos e instalamos um sistema de iluminação numa unidade hospitalar. Desde os lighting designers ao pessoal médico, todos serão chamados a sentar-se à mesa.
Finalmente é importante ter em conta, numa altura em que se aposta na poupança de energia vulgo eficiência energética nas unidades hospitalares, na maioria das vezes recorrendo ao retrofit dos atuais aparelhos de iluminação para tecnologia LED, sem sistemas inteligentes de controlo, que a quantidade de iluminação necessária para influenciar a saúde tende a ser cerca de dez vezes a necessária para a visão. (***)
Muito estudos de decorrem um pouco por todo o mundo, procuram-se novas métricas, existem certezas e também zonas nebulosas quanto ao tempo de exposição, intensidade, tonalidade, os impactos no corpo humano mas o que é certo, é que a disrupção do circulo circadiano está ligada a muitas enfermidades.
Artigo escrito por:
Alberto Van Zeller Aura Light
Referências
Lighting Research Center – Troy (USA)
Universidade Técnica de Berlin – Efeitos não visuais: Mito ou verdade? Mike Lambert – Strategies in Light 2015 (USA)
* - Doug Steel, PhD, Diretor científico da PhotoKinetics Inc
** - Hrushesky, Science 228:73 (1985)
*** - John P. Bachner, Diretor do National Lighting Bureau (USA)