A Impermanência e a Sucessão Familiar

A Impermanência e a Sucessão Familiar

No Budismo a impermanência é um dos conceitos importantes para entender que tudo é transitório, inconstante e tende a finitude, portanto a morte.

Esta morte podemos traduzir para um fim de vida, um fim de relacionamento, um fim de conexão, um fim de compreensão, um fim de aceitação, um fim de sucesso e no conceito mais amplo, o fim de um status quo.

Entender que esta finitude convive com nosso cotidiano pessoal, empresarial, familiar e social é fundamental para valorizarmos a jornada da vida, e compreendermos que se quisermos que ela se perpetue para além de nós, o que podemos construir é:

  • o legado de bons exemplos,
  • o legado de reinvenção constante,
  • o legado de ensinamentos e reflexões,
  • o legado de impacto positivo e
  • o legado de conversas profundas e educativas.

Assimilar que todos temos fim, pode ser um processo dolorido que exigirá de nós a aceitação de que o mundo muda conosco e "sem nosco", que novas oportunidades e formas de fazer algo antigo surge todos os dias, e que precisamos nos preparar para contribuir durante um período de nossa vida útil com a empresa, familia, sociedade e amigos, gerando valor financeiro, valor de marca e valor intelectual, mas principalmente, preparando as próximas gerações para continuarem a nossa empresa, a nossa familia e a nossa sociedade.

Pensamos pouco a respeito do futuro, avaliando nossas ações, falas e comportamentos, e como estes reverberam na construção deste futuro. Não é a toa que ao pensarmos longevidade de empresas familiares brasileiras, temos vários estudos como o da PWC de 2016 que relata a vida média de empresas brasileiras em torno de 25 anos, um jovem ainda se pensarmos em morte, não é?

E no mesmo estudo há uma referência de que em cada 100 empresas familiares, apenas 12 chegam à terceira geração e apenas 3 à quarta geração. Portanto numa breve correlação de cada 100 famílias 12 tem netos e 03 tem bisnetos. Não é a toa que a nossa pirâmide etária já se inverteu, não é?

Quanto será que a não reflexão sobre a morte impacta a aceleração de quebra ou encerramento de empresas familiares a partir do momento que a sucessão familiar precisa ocorrer? Quanto deixamos de fazer, falar, educar, ensinar, avaliar durante a nossa jornada útil de vida que nos leva a uma quantidade significativa de mortes?

Quantas vezes já ouvi da 2a geração as frases:

  • "Eu não escolhi estar aqui, mesmo trabalhando desde X anos"
  • "Meu pai decidiu que eu precisava tomar conta das coisas da familia, mas este não era o meu sonho"
  • "Eu preciso tolerar os meus tios, porque agora estou a frente da empresa e pensamos completamente diferente"
  • "Esta responsabilidade eu não pedi"
  • "Eu penso completamente diferente dos meus irmãos e não conseguimos nos entender, estamos nos endividando pela fragmentação da empresa"
  • "Eu não quero saber da empresa, quero minha parte em dinheiro"

Será que este tipo de modelo mental que não foi trabalhado desde a infância, construindo os valores da familia, as motivações de estar a frente de um negócio de familia, os benefícios de ser uma familia que consegue lidar com as dificuldades e encontrar soluções adultas e profissionais em conjunto, não está construindo a morte durante a vida, para um negócio que pode ser longevo e próspero?

Quantas são as oportunidades que uma familia tem de se fortalecer como familia, como negócio, como agente de transformação de uma sociedade quando trabalha junta, enfrenta os desafios junta, amadurece junta e se resolve junta? Será que isto não é construir vida de verdade? Vida familiar e vida empresarial?

Atualmente falamos tanto de superficialidade nas discussões, tanto de decisões pouco fundamentadas, tanto dos desafios das mudanças de comportamento, tanto do imediatismo das avaliações, mas será que tudo isto não tem uma variável importante desconsiderada que é o convívio familiar como motor agregador e educador?

Entender os valores de familia, ter as conversas duras e respeitosas em familia, resgatar ritos e convívios familiares, buscar soluções conjuntas para o bem da familia, enxergar a resolução de desentendimentos familiares dentro de casa, não é o que uma familia quer, para se perpetuar no tempo e criar um ambiente seguro, amoroso, respeitoso, profissional e saudável?

Então porque não fomentar um ambiente que traga clareza, parcimônia e sabedoria para transformar comportamentos e desenvolver o caminho para formação de indivíduos, familiares e negócios mais robustos e prósperos?

Usar a experiência e visão diversa da familia em prol da empresa, do desenvolvimento de um mercado, de um negócio, de uma cadeia produtiva ou de um conglomerado pode afetar positivamente várias outras famílias ao gerar emprego e renda, ao gerar oportunidade de treinamento e aprendizado, ao gerar saúde e educação.

Vale a pena pensar longevidade e prosperidade no âmbito do individuo e no âmbito da familia como processos que devem ser construídos desde o nascimento de cada pessoa, mas se o processo não aconteceu da forma ótima, faça-o da forma boa, revisitando seus comportamentos e resgatando os princípios e valores que ajudaram a construir articulações, falas e negociações familiares para criar pessoas que impactem positivamente a sociedade e construam negócios potentes e responsáveis.

Pense a morte como o começo de uma vida saudável e próspera, e avalie cada ação individual como indicador de construção ou destruição para negócios, conexões, relacionamentos e articulações. Possivelmente, repensando nossas ações com estas premissas teremos estudos futuros de um maior número de empresas longevas e prósperas através das gerações. Faça a sua parte.

Marco Marchi

Auditor na Confiance Auditores

2 m

Excelentes reflexões!

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