Importância da cautela ao comprar ações no IPO
Investidores devem adotar uma abordagem cautelosa ao adquirir ações durante um IPO (Initial Public Offering). Empresas que ingressam no mercado de capitais frequentemente disponibilizam informações mais limitadas devido a um histórico operacional reduzido, o que eleva o nível de risco para os investidores. Além disso, o preço das ações no IPO costuma ser determinado com base em múltiplos de EBITDA, em vez do método de fluxo de caixa descontado (DFC).
Embora essa abordagem de precificação seja simples e amplamente utilizada, ela apresenta limitações significativas. Esse modelo não incorpora expectativas futuras, ignora a necessidade de investimentos adicionais, o potencial de geração de caixa e os riscos específicos associados à empresa, tornando a avaliação menos precisa e abrangente.
É importante destacar que, no processo de fechamento de capital de uma empresa, o modelo de avaliação mais comumente utilizado é o fluxo de caixa descontado.
A seguir, apresentamos as principais diferenças entre os critérios de precificação aplicados em IPOs e no fechamento de capital:
1. Precificação nos IPOs: Múltiplos de EBITDA
Nos IPOs, a precificação com base em múltiplos de EBITDA é comum devido a fatores como:
Facilidade e Comparabilidade: Múltiplos de EBITDA são fáceis de calcular e comparar com empresas similares do mesmo setor. Isso facilita a comunicação do valor da empresa aos investidores durante o processo de marketing do IPO.
Foco no Mercado e no Interesse do Investidor: O objetivo do IPO é atrair investidores para comprar as ações. A precificação por múltiplos reflete a "temperatura do mercado" e está diretamente relacionada aos preços de empresas similares já negociadas na Bolsa, permitindo alinhar as expectativas de preço ao apetite dos investidores.
Falta de Histórico Sólido: Empresas em IPO geralmente têm histórico financeiro mais curto ou menos estável, dificultando a elaboração de projeções confiáveis para o modelo de DCF. Assim, os múltiplos se tornam uma alternativa mais prática, mesmo que menos robusta.
Cenário Favorável de Mercado: IPOs geralmente acontecem em momentos de euforia no mercado, quando os múltiplos estão elevados. Os vendedores aproveitam esses períodos para maximizar o valor percebido da empresa.
2. Precificação no Fechamento de Capital: Fluxo de Caixa Descontado (DCF)
No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) exige que, em operações de fechamento de capital, seja apresentado um laudo de avaliação independente para proteger os direitos dos acionistas minoritários. Esse laudo deve seguir critérios rigorosos, e o modelo de fluxo de caixa descontado (DCF) é frequentemente utilizado devido à sua robustez e capacidade de capturar o valor intrínseco da empresa.
Por que o laudo de avaliação é exigido?
Proteção dos Minoritários: O fechamento de capital exige que o controlador ou ofertante compre as ações dos acionistas minoritários pelo chamado "preço justo", garantindo que esses acionistas não sejam prejudicados na transação.
Imparcialidade: O laudo deve ser elaborado por uma instituição ou consultoria independente, para evitar conflitos de interesse e garantir que os valores reflitam a realidade econômica da empresa.
Transparência: A CVM busca assegurar que o processo seja transparente e que os critérios utilizados no cálculo do preço justo sejam claros e bem fundamentados.
Por que o modelo de fluxo de caixa descontado é usado?
O modelo de fluxo de caixa descontado é amplamente aceito nesse contexto porque se baseia no cálculo do valor presente dos fluxos de caixa futuros da empresa, descontados por uma taxa que reflete os riscos associados ao negócio. Isso oferece uma visão abrangente do potencial de geração de valor da empresa.
Recomendados pelo LinkedIn
Além disso, o DCF permite ajustar premissas, como crescimento, margem de lucro e custo de capital, para refletir diferentes cenários econômicos e operacionais.
Assim, a CVM considera o DCF como uma metodologia que atende aos critérios de rigor e confiabilidade necessários para determinar o "preço justo".
Outras Metodologias
Embora o DCF seja a abordagem mais comum, outras metodologias, como múltiplos de mercado e avaliação patrimonial, podem ser utilizadas como complementares. No entanto, o DCF geralmente é o foco principal porque captura melhor o valor futuro esperado da empresa.
Legislação e Normas
A exigência de laudo de avaliação está prevista na Instrução CVM nº 361/2002, que regula ofertas públicas de aquisição de ações (OPA), incluindo aquelas realizadas para fechamento de capital. O objetivo é garantir que o processo seja conduzido de forma justa e que os minoritários tenham condições de tomar decisões bem informadas.
Levantamento com 90 empresas de 2015 a 2024 (45 cias que fizeram o IPO e as outras 45 empresas, já listadas em Bolsa)
Em um levantamento realizado com 45 empresas que abriram capital no Brasil entre 2015 e 2021, apenas 27% apresentaram retorno positivo desde o IPO até o final de 2024. Mesmo entre as empresas que apresentaram retorno positivo, a maioria teve um desempenho inferior ao do Ibovespa no período.
Das 73% que tiveram desempenho negativo, cerca de 60% (aproximadamente 20 empresas) eram lucrativas, indicando que muitas podem ter sido precificadas de forma exagerada em períodos de euforia no mercado.
No mesmo intervalo de 2015 a 2024, analisei 45 empresas já listadas na Bolsa que geraram lucro líquido nos últimos 12 meses (encerrados em setembro de 2024). Esse grupo incluiu empresas de diversos setores, com perfis de risco operacional variados, desde as mais estáveis até as mais cíclicas. Os resultados foram significativamente melhores: mais de 90% das empresas apresentaram retorno médio positivo. Dentre elas, mais de 70% obtiveram um retorno médio superior a 10% ao ano, e 38% superaram um retorno médio acima de 20% ao ano, com destaque para WEG, Petrobrás, Raia Drogasil, Marcopolo, Sabesp, Suzano, Direcional, Sanepar, Ferbasa, Equatorial, SLC Agrícola, Vale, FRAS-LE, JBS, Marfrig, SBPar, Copasa, dentre outras).
Conclusão
Os IPOs podem apresentar boas oportunidades, mas os investidores precisam estar muito atentos e buscar o máximo de informações disponíveis antes de decidir participar. Isso porque a estratégia dos IPOs geralmente é atrair investidores aproveitando o momento favorável do mercado, com precificação baseada em múltiplos que refletem o "preço de mercado", muitas vezes priorizando esse aspecto em detrimento do "valor intrínseco" da empresa. Caso o investidor não tenha informações suficientes ou não se sinta seguro, é mais prudente optar por empresas já listadas na Bolsa. Nessas empresas, é mais fácil analisar os principais pilares da análise fundamentalista, como rentabilidade, risco operacional, alavancagem financeira e múltiplos de mercado, além da comparação do preço da ação com o seu preço justo para confirmar sua atratividade.
Luiz Guilherme Aboim Costa
Professor convidado do Coppead/UFRJ, FGV e Faculdade HUB
Sócio fundador do site ConfianceTec
Sócio fundador da Escola de Finanças Aboim