A importância de fazer coisas difíceis
As olimpíadas despertam em mim um profundo sentimento de empatia.
O que leva alguém a se dedicar tanto a um esporte, a ponto de abdicar de tantas outras coisas por vários anos de suas vidas? O que se passa na cabeça de um atleta olímpico ao conquistar uma medalha? Horas de treinos todos os dias, lesões e inseguranças, obstáculos econômicos e sociais. Para nós, que estamos acompanhando o ápice da glória ou o vale do fracasso, é impossível compreender a real dimensão do que aquela experiência representa para cada atleta; mas ser indiferente, isso também não dá.
Os depoimentos dos atletas após ganharem ou perderem uma competição me emocionam mais do que os próprios jogos. Cada medalha conta uma história, cada vitória e derrota representam a superação e o legado de alguém que dedica a sua vida ao esporte.
As frustrações de uma derrota são tão impactantes quanto as alegrias da vitória. Guilherme da Costa chorou pelo quinto lugar nos 400 metros livres da natação, embora tenha feito o melhor tempo de sua vida. O repórter tenta consolá-lo, mas só ele sabe o que aquele resultado significa. Aos olhares alheios e daqueles que não viveram o que ele viveu, ser o quinto melhor do mundo é uma grande vitória; para Guilherme, é uma sensação que não quer sentir nunca mais.
Esse exemplo me faz refletir o quanto devemos ser livres para reagir de forma genuína e pessoal a um resultado que não atenda as nossas expectativas. Hugo Calderano levou o Brasil a uma semifinal de tênis de mesa pela primeira vez na história, mas tal como Guilherme, não ficou satisfeito com a derrota. Estabelecer expectativas é um processo incontrolável; se frustrar por não as atingir também é. Para alguém que chegou a uma olimpíada, nenhuma expectativa é alta demais.
Mayra Aguiar, um dos maiores nomes da história do judô brasileiro, chora e pede um abraço após a sua eliminação. Foi a forma que encontrou de aliviar a pressão que, às vezes, é pesada demais. Disputar os jogos olímpicos é uma conquista e um fardo. Mas como lembra em seguida, seu próprio esporte ensina a cair e a levantar.
Outra judoca brasileira conta uma história diferente. A emoção é de alegria pelo ouro. "É pela vó! É pela vó!", diz Beatriz Souza para sua mãe. Repito, cada medalha conta uma história. Cada atleta atribui a ela um significado exclusivo. Não nos alegramos com Beatriz, isso é impossível; nós nos alegramos por Beatriz. E ganhamos uma heroína.
E por falar em heroínas, temos Rebeca, a maior medalhista olímpica brasileira. Rebeca é tão surpreendente que fez Simone Biles precisar subir o seu próprio nível. Alguns dizem que Rebeca é a maior ginasta humana, já que Biles é de outro planeta. Eu discordo. Dizer isso é desmerecer Biles. Até porque, pela sua história, vemos que ela vive todas as dores de ser humana.
A ginástica é uma boa área para introduzir o conceito de legado. Rebeca é Rebeca, a maior de todas, mas também é um pouco Jade, Daiane e Daniele; e até Biles, por que não? Se cheguei até aqui foi porque me apoiei no ombro de gigantes, disse Isaac Newton e incorporou Rebeca. Ninguém faz nada realmente grande sozinho.
Outra alegria que vivemos foi a prata de Caio Bonfim. Caio, a prova foi difícil? Pensamos que sim, pois não deve ser fácil caminhar 20 km mais rápido do que somos capazes de correr. Entretanto, para ele, não estava na prova a verdadeira dificuldade, mas desde o dia em que marchou pela primeira vez. A partir daí, quatro olimpíadas. De 39º em 2012, terminando carregado em uma cadeira de rodas, para segundo lugar em 2024. De novo, cada medalha conta uma história. Eis mais um herói brasileiro, real e inspirador.
Todos os atletas olímpicos chegaram aonde chegaram após se submeterem a realizar algo extremamente difícil e grandioso. Mais difícil ainda para aqueles que partiram de condições pouco favoráveis; infelizmente, a maioria. Mas uma coisa é comum a todos eles, medalhistas ou não: ninguém se arrepende do que fez, da dedicação e do sacrifício. Os medalhistas anunciam que tudo valeu a pena, não importa quão difícil foi; os não medalhistas acreditam fortemente que sua vez ainda há de chegar.
Você não se arrepende de ter feito algo difícil.
Jamais. Você pode pensar em desistir quantas vezes for, você pode se questionar a todo momento porque decidiu se submeter a tamanho desafio, você pode dizer para si que tudo isso não é necessário. Não importa. Após conquistar, não se arrependerá do que fez. Talvez você se arrependa por não fazer antes, ou de ter feito de forma diferente, mas não de fazer. Você se agradecerá todos os dias por ter seguido em frente.
Mas por que fazer coisas difíceis vale tanto a pena assim?
Talvez você tenha sido daquelas crianças que questionaram porque precisavam aprender química orgânica ou a aplicar a fórmula de Bháskara na escola. Se você não foi, pode ser que seu filho ou sua filha sejam. Se eles lhe questionarem isso, o que você responderia?
"Porque você precisa saber isso para entrar na faculdade", é uma possível resposta, prática e objetiva, mas muito pouco convencedora. A maioria dos estudantes adota essa resposta e ela pouco ajuda a melhorar o desempenho nessas disciplinas.
"Porque pode ser que você precise saber", é outra possível resposta, mas ainda menos convencedora. "Pode ser" é muito vago, não da para viver apenas com "pode ser". E grandes são as chances da criança descobrir que você está a enrolando com essa resposta.
"Porque você não pode arregar para uma matéria só porque ela é difícil". Essa provavelmente seria a resposta que eu daria para meu filho ou minha filha, caso me fizesse essa pergunta.
A importância de fazer coisas difíceis não está na recompensa. Pode ser algo que você ame, como um esporte, ou nem goste tanto assim, como aprender matemática; a importância está no que a conquista representa.
Não há benefício extraordinário em fazer coisas difíceis. Seja fundar uma empresa do zero ou herdá-la de família, a recompensa é, objetivamente, a mesma.
Mas há uma intangível realização interior e uma transformação da sua própria identidade:
Fazer coisas difíceis é, sobretudo, uma atitude. É sobre como você enxerga o mundo e a si mesmo. Construir essa atitude é fundamental para qualquer pessoa que queira atingir seu pleno potencial. Cada nova conquista determina a sua autoconfiança e constrói o legado da sua própria identidade. Elas moldam suas crenças e como você reage ao que acontece com você.
Se você consegue aprender matemática e química orgânica, assumir um novo projeto ou uma nova área da empresa que você não tem conhecimento não será motivo de desespero; se você é capaz de dominar um esporte, enfrentar uma doença ou qualquer obstáculo pessoal se torna mais suportável; se você é capaz de criar um filho ou uma filha, será capaz de liderar com mais autoridade.
Por outro lado, se você sempre evitou os desafios da vida e desistiu ao menor sinal de dificuldade, qualquer imprevisto se torna motivo de irritação. Você se desespera quando as coisas acontecem diferentemente do que gostaria. Se torna emocionalmente incapaz de agir sob pressão. Espera que as outras pessoas lhe deem o conhecimento e as ferramentas necessárias para fazer o seu trabalho. Coloca os seus problemas acima dos problemas dos outros e se vitimiza por tudo. Espera receber aplausos por fazer o mínimo. Se permite ser diminuído pela opinião dos outros. Reclama da vida que possui e das oportunidades que recebe.
Mais do que a recompensa, o verdadeiro valor de fazer algo difícil está em provar para si mesmo que você é capaz de fazer coisas difíceis, e que nada nem ninguém pode determinar o que você é capaz de conquistar, exceto você mesmo.
No início deste ano, Willis Gibson, com apenas 13 anos, se tornou a primeira pessoa a zerar o jogo Tetris.
Talvez pelo nome você não reconheça, mas com certeza você já viu esse jogo:
Nesse jogo, peças de diferentes formas geométricas e tamanhos caem uma a uma de forma contínua. O objetivo do jogador é girar e mover essas peças para encaixá-las de maneira a formar linhas horizontais completas, que são então eliminadas, evitando que as peças se empilhem até o topo da tela. À medida que o jogador avança nos níveis, a velocidade de queda das peças aumenta e a sua pontuação aumenta. Quando não há mais espaço para acomodar novas peças, o jogo é encerrado.
Por muito tempo, Tetris foi considerado um jogo infinito. Isto é, enquanto o jogador conseguir evitar que as peças toquem o topo da tela, os níveis continuariam subindo. Contudo, a partir do nível 29, as peças desciam tão rapidamente que era considerado impossível que um humano conseguisse ultrapassá-lo.
Não só os jogadores desenvolveram novas técnicas para continuar subindo os níveis, como uma inteligência artificial criada para jogar o jogo descobriu que, devido a um bug na programação do jogo, ele não era infinito como se pensava. Caso o jogador atingisse uma combinação específica, o jogo travava, o que foi considerado como o seu fim. Iniciou-se então o desafio de que um humano fosse capaz de atingir tal feito.
Mais de 30 anos após o lançamento do jogo, Willis conseguiu chegar a tela de congelamento no nível 157. O vídeo do feito pode ser visto no canal do YouTube do próprio Gibson.
Embora tenha feito algo realmente difícil e grandioso, uma jornalista e apresentadora britânica decidiu fazer piada sobre a conquista. Após anunciar o feito, ela disse: "... como mãe, eu sairia da tela, iria para fora e pegaria um ar fresco. Terminar Tetris não é um objetivo de vida."
A jornalista demonstrou ignorância sobre dois assuntos: videogames e conquistas pessoais. Vou me restringir neste texto ao segundo.
Em primeiro lugar, quem determina nossos objetivos de vida somos nós mesmos, do contrário somos destinados a uma vida infeliz.
Segundo, o apoio e reconhecimento de quem está próximo a nós é o que realmente importa. Já que a jornalista mencionou o fato de ser mãe, dou a palavra para a própria mãe do garoto: "Ele faz outras coisas além de jogar Tetris, então realmente não foi tão difícil dizer OK. Foi mais difícil encontrar uma antiga TV de tubo de raios catódicos do que dizer: 'Sim, podemos fazer isso por um tempo'."
E terceiro, que é a mensagem principal deste artigo, o que mais importa é o significado e o legado da conquista, não a recompensa. Com apenas 13 anos, Willis descobriu o que é fazer o que o restante do mundo tentou e não conseguiu. O valor disso é inestimável. Possivelmente, ao se deparar com qualquer desafio aparemente impossível no futuro, ele lembrará desse dia. E como ele deve ter tomado conhecimento dessa jornalista, aprendeu cedo que não importa o tamanho da sua conquista, é impossível evitar as críticas daqueles que não são capazes de fazer o que você faz.
“A prova de que você pode fazer coisas difíceis é um dos presentes mais poderosos que você pode dar a si mesmo.” — Angela Duckworth.
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Espero te ver aqui mais vezes e até a próxima!
Historiador | Pedagogo | Professor de História | Designer Instrucional com atuação em Educação Tecnológica e Midiática | Autor e Revisor de Material Didático
5 mIsso sem contar o quanto a sociedade só valoriza aquilo que ela enxerga utilidade óbvia e instantânea. Quando veem alguém fazendo algo que eles não fariam a primeira pergunta é logo um "Pra que isso?". As vezes a gente faz coisas pra testar, pra ver no que vai dar e isso também é espirito científico. A numeração binária moderna começou a ser estudada no século XVI mas só por volta de 400 anos depois é que foram achar utilidade.