A importância de não arregar nos momentos difíceis

Quando um adolescente relativamente precoce, e bastante inconformado, pergunta por que precisa aprender química orgânica, o que você responde pra ele?

Detalhe: você sabe que ele nunca vai usar isso na idade adulta porque ele já te dá sinais do que quer fazer quando crescer.

Daí você poderia dizer: “porque aprender química orgânica vai te ajudar a entrar na faculdade”, mas a chance de ele te devolver outra pergunta do tipo "e a faculdade que eu já sei que vou fazer lá tá ligando seu eu sei química orgânica ou não?" é enorme. E quando ele entrar na faculdade, talvez você possa dizer: “porque aprender química orgânica vai te ampliar o repertório pra você conseguir um bom emprego”, mas lembra que o bichinho é precoce e inconformado e com certeza vai te perguntar por que um potencial contratante se importaria com o desempenho dele em química orgânica se o trabalho que ele escolheu pra vida dele não inclui nenhum conhecimento de química, muito menos orgânica.

Eu era esse pentelho aí. Meu game era ir bem na escola, mas sem me estressar demais com as matérias que não tinham a ver com o que eu sonhava pra mim. Nunca entendi o sentido de realmente aprender profundamente aquelas aulas difíceis de física vetorial, logaritmo, química, que eu nunca usaria no mundo real, daí me limitava a fazer o mínimo pra passar de ano e ficar impune no "tribunal da nota" lá de casa.

Mas recentemente, depois de véio mesmo, eu percebi que tem sim um bom motivo para estudar química orgânica: eu poderia provar pra mim mesmo que eu seria capaz de abrir a minha mente pra fazer coisas difíceis.

E a capacidade de fazer coisas difíceis é talvez a habilidade mais útil que uma pessoa pode desenvolver, e a prova de que ela é alguém capaz de seguir nessa linha é um dos bens mais úteis pra se ter no currículo da vida - muito além de colegial, faculdade e emprego, vida mesmo, no sentido mais amplo da palavra.

Nossa autoimagem é muito afetada pelas evidências históricas das nossas habilidades.

Quanto mais coisas difíceis a gente se esforçar para fazer, mais competente a gente vai se enxergar. Quando a gente - finalmente, depois de muito ralo - consegue correr uma maratona sem falecer ao final, ou levantar o dobro do peso do corpo no supino reto sem a ajuda de ninguém, ficar preso no trânsito de São Paulo vira uma irritaçãozinha leve e totalmente suportável. Se a gente ralar pra se destacar em química orgânica ou econometria, a integração em qualquer emprego novo vira melzinho na chupeta.

Mas se a gente passar a vida evitando as coisas difíceis, qualquer problema ligeiramente mais desafiador vai parecer uma barreira gigantescamente intransponível.

Vamos nos tornar aquela pessoa que corre pra chorar no TikTok, e vamos começar a achar que somos incapazes de aprender novas habilidades, de assumir novas carreiras e de escapar de situações ruins.

A prova de que você pode fazer coisas difíceis é um dos presentes mais poderosos que você pode dar a si mesmo.

Eu tenho uma filha adulta já, mas lembro que desde pequinininha eu decidi que não ia mentir pra ela sobre como a vida seria de verdade. Eu nunca disse pra ela que estudar química orgânica era algo superimportante, porque a verdade é que não seria a não ser que ela quisesse seguir carreira no campo da química. Mas tenho que admitir que recomendar que ela aprendesse bem química orgânica - e o resto das paradas mais complicadas - foi uma ótima maneira de fortalecer na cabeça dela a ideia de que ela era capaz sim de fazer coisas difíceis, e isso foi crucial pro desenvolvimento dela.

Pensa comigo, se você vê que sua filha não manda tão bem em química orgânica, mas em compensação ela tá aprendendo programação e criando aplicativos no tempo livre, ou ganhando campeonatos de natação, ou escrevendo um livro (sim meus amigos, a guria escreveu um livro), então é lógico que ela tava fazendo coisas difíceis, e algumas delas provavelmente até mais difíceis do que tirar 10 em química orgânica.

Por isso que eu fico meio bolado com aqueles comentários do tipo "“aluno nota 5 contrata aluno nota 10 e depois vira funcionário dele”, já ouviu essa? A gente pode até dizer que a maioria dos alunos nota 5 não tá fazendo coisas difíceis nem na escola e nem na vida, é verdade, tem muitos que estão só brincando, daí esses eu até concordo que vão acabar trabalhando pro aluno nota 10.

Mas tem uns nota 5 por aí que estão tirando 5 porque já são obcecados por outros projetos. Projetos difíceis. E essa obsessão em fazer coisas difíceis permite que eles ultrapassem as ovelinhas nota 10 com o tempo, sério, eu já vi isso acontecer um zilhão de vezes nesses meus 30 anos de mercado.

Pra encerrar, quero te deixar uma sugestão aqui: se você não acha que pode fazer coisas difíceis, dá um jeito agora mesmo de provar pra você que você tá redondamente enganado.

Sei lá, cria um hábito novo, desenvolve uma habilidade hard de negócios, cria alguma coisa, enfim, faz o que for preciso pra transformar sua mente diante dos desafios, saindo do famigerado “isso parece difícil”, pra o muito melhor “deixa eu descobrir até onde consigo chegar”.

Cê vai ver como o rolê da vida fica muito mais divertido. Sério, escuta o tio.

Rodrigo Giaffredo

#LinkedInTopVoice. Fundador da Super-Humanos Consultoria, autor dos livros "Cultura Ágil em Empresas Tradicionais" e "Reflexões Ácidas, um livro de autoajuda meio indigesto". Expert em business agility, lean enterprise, e desenvolvimento da alta liderança de empresas tradicionais de grande porte para a Era Digital.

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