Impossibilidade Escolar: conceito e o caso de Cabo Delgado
A impossibilidade escolar é a impossibilidade física de frequentar o sistema de ensino. Ocorre quando não estão reunidas as condições necessárias ao funcionamento escolar, devido à proibição ao seu acesso, à dificuldade de deslocação ou destruição das suas infra-estruturas. Verifica-se em situações de coação e coerção, conflitos armados, clima de insegurança interna, catástrofes naturais e fraca acessibilidade. A impossibilidade escolar pode vir a converter-se em abandono escolar.
Desde 2010, o grupo responsável pelos ataques em Mocímboa da Praia defendia uma propaganda radical, vocalizando o seu desagrado e proibindo, em alguns casos, a frequência no ensino público, sendo para eles a escola islâmica a única reconhecida.
As hostilidades começam a cinco de outubro de 2017 e desde esse dia, assistimos à destruição de infra-estruturas e ao abandono das comunidades. Fogem porque não querem morrer e fogem porque o que tinham deixaram de ter. Apesar dos instrumentos jurídicos, os conflitos contemporâneos têm sido caracterizados pela destruição de vidas e das vidas de civis, que usam os espaços por eles habitados como os ‘campos de batalha’ de antigamente. Os hospitais, clínicas de saúde, postos administrativos, casas, machambas, redes de abastecimento e escolas, foram destruídos neste conflito.
Durante uma conferência online, em Janeiro de 2021, o diretor regional para a África Austral do Alto Comissariado das Nações Unidas, Valentim Tapsoba, confirma que “as casas foram saqueadas e queimadas e as suas fontes de sustento destruídas. (…) com muitos pais a não conseguirem mandar os seus filhos para a escola ou alimentá-los, nem oferecer um teto.” E grupos vulneráveis, como as crianças, ficam expostas a níveis de “violência incompreensíveis, perdem as suas famílias, a segurança e a sua oportunidade de ir à escola.”
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No fim de setembro de 2021, o Ministério da Educação de Moçambique, confirmou a destruição de trezentas e vinte e oito escolas primárias e de oito escolas secundárias, contabilizados apenas na província de Cabo Delgado. Relativamente, à província do Niassa, e contabilizando apenas os dados dos últimos meses de 2021, oitocentos e cinquenta e dois alunos viram-se obrigados a fugir após os ataques que destruíram sete escolas e um bloco administrativo.
A todos os sobreviventes deste conflito é necessário e urgente repor uma noção de normalidade, uma ideia de que a vida pode e vai seguir o seu curso, que a interrupção imposta contra a sua vontade não mais irá condicionar as suas vidas. De acordo com o governador de Cabo Delgado, Valige Tauabo, as forças moçambicanas estão a trabalhar para o restabelecimento dos serviços básicos contribuindo para esta noção de normalidade.
A reposição dos serviços básicos, nas suas comunidades ou nos campos de deslocados, como o acesso à educação, é o pouco que se faz muito daquilo que lhes resta, a esperança que o dia de amanhã pode ser melhor que o anterior.
“Hoje, sabemos que ‘segurança’ significa muito mais do que a ausência de conflito”, disse o antigo secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan. Segurança para o acesso à saúde e à educação. Segurança na certeza do respeito pelos princípios democráticos, direitos humanos e desenvolvimento humano e ambiental. Segurança na garantia da dignidade e sobrevivência. A noção de segurança expande-se a si própria e ganha novos objetivos. Do território para o ser humano. “Estes pilares do que agora compreendemos ser o conceito focado nas pessoas de ‘segurança humana’ estão interligados e reforçam-se mutuamente”, conclui Kofi Annan. Ou como explica o Tenente-Coronel Ricardo Dias da Costa, “não há paz sem desenvolvimento nem respeito pelos direitos humanos. Não há desenvolvimento, nem respeito pelos direitos humanos, se não existirem condições para que haja um ambiente de paz.”
Cabo Delgado e os seus habitantes precisam de paz.