Inclusão digital: polêmicas contemporâneas
No livro Redes ou Paredes: a escola em tempos de dispersão, a autora argentina Paula Sibilia (2012) apresenta, no capítulo de título O colégio como tecnologia de época, um questionamento sobre uma possível crise vivenciada pela escola atualmente. Pensando que a crítica foi feita há apenas 9 anos, é possível, mesmo com os rápidos avanços tecnológicos que vivenciamos na sociedade, levá-la em consideração ainda hoje.
Partindo dos questionamentos levantados, a autora aponta relatos sobre como a aparelhagem escolar vem se tornando defasada e ultrapassada com relação ao desenvolvimento das subjetividades das crianças de hoje e afirma que tanto os componentes escolares como o modo de funcionamento da escola não entram em sintonia com o perfil do aluno do século XXI.
A partir daí, a autora traz um relato sobre a evolução dos meios de comunicação e informação como principal característica para o choque cultural vivenciado entre a escola e o aluno na contemporaneidade, levando em conta que o uso de tecnologias voltadas para a comunicação e informação ditam o modo de ser desses alunos.
Ao longo do capítulo, autora trata a escola nos moldes de hoje como uma instituição moderna que atendia necessidades específicas de uma determinada época que logicamente não se adequam mais às necessidades da sociedade atual. Ela leva em conta aspectos como o confinamento, a partir das ideias de Focault, e a disciplina, baseada nos conceitos de Kant, para traçar o perfil da escola moderna e desajustada que ainda se apresenta até então, contrapondo-se ao perfil da instituição que deveria atender às reais necessidades do alunato de hoje.
Trazendo a discussão para 2021, vemos escolas que foram obrigadas a se equipar do ponto de vista de tecnologias digitais, a fim de que não tivessem suas atividades suspensas ou mesmo encerradas por conta do fechamento provocado pela pandemia de Cobid-19. Na rede pública estadual de educação na Bahia, por exemplo, o ano letivo de 2020 não aconteceu. Na rede privada, muitas escolas encerraram suas atividades por não conseguirem se adequar ao novo cenário. Entretanto, mesmo considerando que todas as escolas tenham hoje os aparatos tecnológicos necessários para aproximar professores e alunos de uma práxis mais alinhada com os avanços tecnológicos, é possível pensar numa inclusão digital equânime?
Segundo dados publicados pela UNESCO, publicada em 2020, no Brasil, 81,9% dos alunos da Educação Básica deixaram de frequentar as instituições de ensino. São cerca de 39 milhões de pessoas. Nesse cenários, duas questões ecoam a respeito da inclusão digital no Brasil: como a desigualdade social, que se expande ao acesso à internet e mesmo a dispositivos móveis capazes de permitir um acesso a aulas remotas com o mínimo de qualdiade, afeta o desenvolvimento da educação no Brasil? Num momento em que o país corre sério risco, segundo dados do Programa Mundial de alimentos (WFP), de ter 9,5% de sua população em situação de subalimentação, levando o país de volta ao mapa da fome, é possível pensar em inclusão digital?
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De acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil, realizada em 2019, o país tinha 4,8 milhões de crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos vivendo em domicílios sem acesso à internet, o que representa 18% dessa população. Observando o mapa da imagem acima, elaborado pela pesquisa, é possível refletir acerca de alguns pontos importantes quando o assunto é inclusão digital. As regiõs Norte e Nordeste têm o mesmo percentual de crianças e adolescentes que possuem acesso à internet de alguma forma. Analisando esses números, ainda que pensemos nesse percentual, é possível garantir uma conectividade de qualidade que permita dizer que há inclusão digital? Que tipos de dispositivos são utilizados pelos alunos, por quanto tempo, em momentos síncronos ou assíncronos? De que tecnologias a educação pública dispõe e quanto essas tecnologias custam ao cofres públicos? Estas são questões relevantes para levarmos em consideração ao analisar a situação da inclusão digital no Brasil, sobretudo no campo da educação.
Ampliando essa discussão, há que se considerar as frágeis políticas públicas brasileiras no que diz respeito ao incentivo à pesquisa no campo da produção de conhecimento envolvendo tecnologias e educação. Segundo Bonilla (2014), é preciso fortalecer redes de apoio que desenvolvam práticas pautadas nos princípios dos softwares livres, como produção colaborativa e inteligência coletiva, entre outros, capazes de conduzir a educação pública para o nível de independência tecnológica que ajudará a solucionar os problemas que acabam encarecendo o acesso dos mais necessitados a tecnologias que já são muito caras no Brasil, o que se soma a outras questões de ordem social que dificultam a democratização da inclusão digital.
Para além, como bem disseram os professores Bonilla e Oliveira (2011, p. 23), o termo inclusão, ou mesmo exclusão, digital é insuficiente para explicitar o que acesso ou não acesso aos potenciais trazidos pelas TIDCs podem provocar no desenvolvimento social dos sujeitos. Para se falar em inclusão digital, na falta de um termo mais apropridado, é preciso pensar na dignidade da pessoa humana, no acesso pleno ao direito de comunicação a partir das tecnologias digitais, mas que perpassam pela superação da pobreza e das desigualdades sociais.