Inclusão seletiva?
Muitas vezes parece que os aspectos de acessibilidade ganham destaque quando somente interferem no nosso dia a dia. Este é um dos retratos da falta da inclusão, sendo que, segundo o IBGE, (2021), no Brasil há 17,2 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, e apesar desse montante, até hoje os requisitos de acessibilidade não são condicionantes obrigatórios para aprovações de projeto em prefeituras e no corpo de bombeiros, nem mesmo para a renovação de projetos para edifícios e calçadas de imóveis antigos.
Recentemente, depois de eu me acidentar, quebrar o pé e machucar alguns tendões, o uso das muletas se tornou obrigatório para a minha recuperação. Vocês não fazem ideia do quanto é difícil andar por uma calçada com pedra portuguesa, com pavimento intertravado ou em rampas com grandes inclinações, além de não haver na maioria dos locais uma vaga para estacionamento facilitado, guias rebaixadas e sinalização apropriada para conseguir acesso mais fácil ou seguro (que é o mínimo que esperamos). Diante disso, os dias se tornaram pesarosos e sair para vias públicas virou quase um desafio, uma maratona de força nos braços e à espera de alguém perceber a sua prioridade e dar o direito a quem é o direito.
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Ademais, negligências como essas também são observadas nos espaços privados e nas diversas etapas da construção civil. Por exemplo, quando nós da Alon Engenharia escrevemos laudos apontando vícios de construção ou falhas de manutenção, o quesito de acessibilidade sempre é uma pauta de irregularidade. Para se ter uma ideia, dos 200 laudos emitidos no ano de 2022, ou seja, 200 prédios diferentes, 100% deles não atendem ou atendem parcialmente os aspectos obrigatórios dessa norma. Como agravante, quando somos contratadas para fazer as análises de atendimento às normas de prédios novos e discuti-las em reunião, cerca de 67% das vezes, a fala unânime das construtoras era: “mas no prédio tem alguém deficiente?”
Ou seja, o pensamento comum é de que se não há ninguém que ATUALMENTE precisa desses recursos, qual o motivo financeiro de serem implementados? A resposta é óbvia, não é? Apesar de alguns profissionais não saberem por falta de conhecimento ou de fato, interesse, há no Brasil uma norma técnica da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a NBR 9050 que estabelece como obrigatória a implantação integral dos requisitos e parâmetros de acessibilidade apresentados no documento. Dessa forma, não é porque as prefeituras falham em não incluir o quesito como obrigatório que o erro pode ser aproveitado como desculpa para não fazê-lo, não é mesmo?
Por outro lado, atualmente, sobretudo nas redes sociais, estão em voga as discussões sobre a inclusão de todos, porém, esquecemos ou fingimos não ver que no dia a dia há mais de 17 milhões de pessoas ainda continuam sem voz, sem olhos, sem acesso, sem dignidade e sem um direito que é constitucional. Perdoem o tom da crítica, apesar de necessária, mas chega a ser preocupante/vergonhoso ver as pessoas brigando diariamente pela alteração do vocabulário de tratamento, enquanto milhões de brasileiros (segundo o IBGE) não são assistidos pelo mais básico dos direitos nem pelo poder público e nem pelo privado. Nesse sentido, acredito que a verdadeira inclusão deveria abranger e ser posta em prática em todas as instâncias e necessidades da população, não somente no discurso ou para objetivos vangloriosos. A inclusão não deveria ser seletiva.
Sendo assim, como engenheira, espero que o poder público dê ênfase e aplique medidas corretivas e punitivas para quem deixa de construir, reformar ou atualizar o projeto de uma edificação sem antes atender a integralidade de uma norma técnica que visa o direito básico de todos, o direito de ir e vir, o direito à segurança, à saúde e ao uso do patrimônio público. E que nosso olhar esteja atento ao próximo enquanto indivíduo e profissional, sem ter de precisar passar por experiências que comprometam a saúde para, enfim, refletir sobre acessibilidade e inclusão. Pense nisso.
Téc. em Edificações - Semae
1 aInfelizmente, em muitos casos, o interesse particular se sobrepõe ao interesse coletivo, se tornando uma disputa desigual, por assim dizer.
Perícias e Avaliações de Imóveis
1 aO problema que os entes públicos estão mais ocupados com o que dá ibope: discussão sobre gênero neutro! Enquanto isso, se faz vista grossa para o que realmente é necessário! Lamentável! Brasil sendo Brasil e sempre andando para trás...