Inclusão Social na Moda

Inclusão Social na Moda

O termo Inclusão Social denota a integração de indivíduos, antes excluídos por conta de alguma distinção, à sociedade. E o mais bonito é que a moda, quando alocada com responsabilidade, possibilita justamente isso: incluir.

 

Moda é uma ferramenta de comunicação — ao mesmo tempo em que vestimos, expressamos. A grosso modo, roupas parecidas detectam interesses comuns. Logo, pelo estilo de vestimentas, indivíduos são alocados em conjunto— para tanto, há negação constante de pertencimento, oriunda de outros grupos. Padrões impostos à moda são capazes de limitar a participação de pessoas em tal conglomerado — ainda que não seja algo declarado de forma verbal, é perceptível.

As atividades em design têm caráter projetual. Ou seja, há pesquisas, direcionamentos e planos de execução para que, aliado ao propósito, algo seja feito para alguém. Me deixa absorto quando um designer, e isso é recorrente, elabora qualquer artefato sem se preocupar com a diversidade. Daí, passa a suprimir indivíduos por conta de uma característica nada além de incomum; claro, há uma série de justificativas, como “isso não gera renda o suficiente” ou“demanda um projeto exclusivo”. Vários motivos, poucas tentativas. Por isso, quando uma iniciativa abraça a multiplicidade, contrariando determinismos, o simples ato de compartilhar ganha sentido pleno.

 

A mesma roupa para diferentes alturas

 

Na época da faculdade, fomos incumbidos de uma tarefa em grupo: materializar uma coleção de vestuário destinada a indivíduos com alguma deficiência no aparelho locomotor. Mais, documentar o processo de desenvolvimento através de artigo científico. Nosso trabalho, que vou sintetizar mediante um relato, obteve como título — Inclusão Social na Moda Modular: um estudo sobre o nanismo acondroplásico e a sua inserção social.

 

No Brasil, estima-se que vinte mil cidadãos portem nanismo, ou seja, têm tamanho abaixo da média populacional — um metro e quarenta e sete centímetros. A cidade de São Paulo acolhe cerca de dez porcento deles. Outro fato, Itabaianinha, município sergipano, concentra a maior parte (em trezentos, um apresenta nanismo — também porque trata-se de uma condição genética). A acondroplasia é o tipo mais comum, com atributos como:

baixa estatura [setenta a cento e quarenta centímetros], membros curtos com predomínio do segmento proximal, limitação da extensão dos cotovelos, dedos das mãos dispostos em forma de tridente, com separação entre o terceiro e o quarto dedos. (…) No tronco, as dimensões longitudinais são ‘normais’, embora em algumas ocasiões ocorra diminuição do diâmetro anteroposterior. ( Ler mais.)

Esse contexto já evidencia uma série de aspectos:

  • A comprovação de demanda (e necessidade) para se pensar, ergonomicamente, um produto (como a modelagem, em peças de vestuário) orientado a essas pessoas;
  • O número de indivíduos que, por conta de certa distinção, é posto de lado pela indústria (e, dentro do estudo, isso nos fez questionar sobre como se adequam ao sistema imperante de uma metrópole);
  • O fato de que a maioria deles busca agrupamento, direcionando a energia das relações para outros de estatura similar.

Afirmei, em outra publicação, que maneiras unilaterais de encarar o mundo geram estigmas sociais. O portal Nanismo em Foco aponta que os obstáculos diários configuram-se no ambiente (distância de objetos, como bancadas, torneiras, chaves de chuveiro, acendedores, caixas de energia, registros de água, entre outros). Análogo aos estorvos cotidianos, um escopo amplo de pré-julgamentos é alimentado e, assim, dissemina-se uma imagem caricata que compromete, em primeiro lugar, a autoestima. Acredito que a representação mais óbvia seja a espécie de freak show vinculada ao mundo dos espetáculos.

Depois de ler bastante e, ainda, pesquisar em campo, a ideia de forjar peças exclusivas ao portador de nanismo nos conduziu receio. Isso porque batia de frente com o eixo central da inclusão — ao segmentar essas roupas em categorias restritas, exaltaríamos rótulos e, de novo, esse público seria contraposto à matriz ‘normal’. Por exemplo: se a maioria das pessoas compra na Loja A, que faz tal tipo de blusa, aquela que consome na Loja B, por ela fornecer medidas especiais, pode ser tachada por uma carga atípica (por vezes, pejorativa). Tomamos a decisão de materializar para sujeitos comsem acondroplasia.

Ouvimos conselhos de gente da área — bons e ruins, como era de se esperar. Um deles tilintou na nossa cabeça como ponta de agulha: “Ah, pensem roupas que os faça parecer mais altos, alongando-os.” Enfim, há muita opinião acerca do que não nos compete e, segundo uma amiga, “é a vida que segue” — e eu vou seguir com esse texto. Mesmo assim, estampamos quase como alerta no artigo:

O objetivo não é mascarar olhares que estranham o portador de deficiência, mas mudar o foco dessas visões, convidando pessoas a contemplarem uma singularidade.

A saída, para nortear o processo criativo, foi alcunhar um termo ao conceito utilizado: Moda Modular. Nele, peças deveriam ser ajustáveis, de fácil vestir e desvestir. Eis a coleção:

O estudo da silhueta configurou o ponto de partida — traçamos modelagens básicas para pessoas de diferentes estaturas. Em seguida, pelo método comparativo e com o auxílio da Fórmula de Desvio Padrão, chegamos a um molde essencial:

A modelagem pensada em forma de arco tem o ponto mínimo da curva abaixo do pequeno quadril, permitindo com que o tamanho da cava do braço seja indiferente na peça. Ainda, duas formas de adaptação podem receber a parte complementar da peça, disposta pelo usuário de acordo com a sua altura de busto. A silhueta tipo “A” permite que a diferença no perímetro entre cintura e pequeno quadril se torne irrelevante.

Outra solução, principalmente à parte de baixo, foi implementar adaptações baseadas em encaixes de peças (chamadas módulos). O protótipo era constituído de um módulo superior e outro inferior, com a opção de se acrescentar o intermédio — módulo oculto, posto entre as duas partes existentes, com o intento de ampliar a medida no tronco. Então, com a mágica de alguns botões, múltiplas alturas puderam ser abarcadas em um só look.

Por fim, exponho a campanha singela e despretensiosa com algum resultado positivo (os integrantes são relatados na descrição do vídeo no YouTube):

 

 

[Este texto foi originalmente publicado em minha página Medium.

Caso deseje, você pode acessá-lo aqui.]

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