A Infância e a Mãe
Era década de 1970. Eu tinha uns 12 anos de idade. Estudava lá no Glória, o Colégio Marista no Cambuci. O dia das Mães se aproximava. Eu ia a pé subindo a Lins de Vasconcelos até a Rua Colônia da Glória, onde morava, voltando do Colégio.
Sim naquela época, crianças andavam sozinhas por quilômetros na ida e vinda das escolas, com grande segurança. Camiseta branca, shorts azul anil. Aquela lycra incomodava e coçava as coxas. Eu era atópico e nem sabia. Várias lojas, um pouco de dinheiro juntado o ano todo para o presente. O que daria para comprar com aqueles cruzeiros? Tinha que ser algo que lhe fizesse feliz. Ela merecia. Dona de casa, mas sempre se desdobrava para ser a Mãe que eu precisava. Ela já tinha mais de 53 anos, mas brincava comigo como criança. Eu era o seu filho temporão, eu havia nascido e ela tinha 41 anos na época. O último a deixar o ninho da família. Os outros dois, 21 anos mais velho que eu já tinha casado e o outro fazia Faculdade de Medicina em tempo integral. Anos difíceis, ditadura, mas um pai de família de classe média média, sem casa própria pode pagar 3 Faculdades de Medicina particulares para seus filhos. Algo impossível hoje.
Entro em várias lojas, tudo caro para aqueles cruzeiros, poucos e amassados no bolso.
Quando chego próximo, onde é hoje a pastelaria famosa Yokoyama, onde ela gostava de me levar, para comer o pastel com queijo fresco e não mussarela, como a maioria das pastelarias usava, eis que vejo uma lojinha de porta estreita.
Entro e são bijouterias. Penso, ah ela gosta de se arrumar. Será que tem algo que eu possa comprar? Olho uma pulseira de metal com cor de bronze queimado, composta por várias partes que simulavam conchas. Achei bonita.
-Moça, quanto custa? Veio a resposta. Era um terço a mais do que eu tinha. Fiquei desolado.
-Menino, você está sozinho? Sim moça, respondo, estou voltando do Colégio.
Contei minha história e meu desejo de dar um presente de dia das Mães, subindo toda avenida Lins de Vasconcelos, sem nada encontrar que o meu dinheiro pudesse pagar.
-Você está com sede? -Quer um copo de água? - Sim, se a senhora puder me dar eu agradeço.
Depois da água, não sei que sentimento tomou conta daquela mulher, uma senhora de uns 40 e poucos anos.
De repente ela pergunta, quanto você pode pagar? Eu respondo, ela olha com os olhos pensativos e em outra direção. Ela vai para dentro da loja. Se passam uns 10 minutos. Fico apreensivo.
Eu não sabia se esperava ou ia embora frustrado para casa. Minha mãe devia estar preocupada pois já passava um bom tempo que eu já deveria te chegado em casa. Não existia ainda telefone celular e eu não tinha ficha para o Orelhão da Telesp. Coisa do século passado, que a maioria dos adolescentes de hoje nunca viu, em especial uma ficha de telefone.
Aquela senhora volta em minha direção e fala:
-Olha, fiz essa pacote de presente. Leva esse cartão e escreve o quanto você gosta dela. Me dê o dinheiro que você tem, e em outra ocasião, você compra outro presente aqui de novo.
Fiquei muito feliz ! Quase abraçei ela.
Muito obrigado moça! Ela vai ficar feliz, pois é muito bonito.
Ela disse: vai sim, mas mais ainda, porque você é o filho dela.
Hoje é Dia das Mães. A minha se foi há 3 anos praticamente. Viveu seus 92 anos com felicidades e tristezas, mas foi uma vida plena de emoções. Conquistas, derrotas, quase setenta e cinco anos de casamento. Ela tinha apenas o curso primário, aprendeu a costurar em uma escola na adolescência no centro de São Paulo. Trabalhou ainda adolescente em uma fábrica na Rua Piratininga no Brás. Em um pique-nique da empresa em Santos conheceu meu pai. Casaram em meio a II Grande Guerra Mundial. Seus pais Italianos nos deixaram o sangue e a alma daquele país.
Escrevi este texto, pois está na nuvem da internet. Quem sabe nessa núvem, lá no céu ele chegue até você. É só para te dizer Feliz Dia das Mães, minha querida! Te amo ainda mais que aquele garoto, ingênuo na vida, aos 12 anos. Hoje meu presente é uma oração e essa lembrança de um dos bons momentos que tivemos juntos. Sei que te marcou aquele presente, pois o cartão, do tipo desses brancos pequenos de floricultura e a pulseira, vi que você guardou até o fim da vida. Que Deus e o Papai estejam juntos com você. Te amo Mãe! Eterna Margarida. Este texto também é uma singela homenagem as outras tantas mães que muito mais jovens partiram deste mundo em meio a trágica Pandemia que vivemos neste ano de 2020. Que Nossa Senhora e Jesus confortem seus corações e lhes ilumine neste dia e nos próximos que virão.
PNEUMOLOGISTA e CIRURGIÃO TORÁCICO EM POUSO ALEGRE e FACULDADE DE MEDICINA DO ABC
4 aLinda homenagem Paulo e com certeza ela continua com muito orgulho do seu bambino!