Inovar para universalizar
A universalização dos serviços de saneamento passa pela quebra de paradigma.
*Éverson Gardel de Melo
A universalização dos serviços de saneamento é um desafio que a sociedade brasileira enfrenta para que o Brasil de fato ingresse no rol de países que se desenvolvem economicamente, sem esquecer as questões ambientais e sociais. Digo sociedade brasileira pois é imprescindível que ocorra a participação não somente do estado, mas de todos os entes que a compõe. Neste cenário, a inovação surge como componente estratégico para o alcance da cobertura no abastecimento de água e esgoto tratado com o custo e a celeridade que necessitamos.
A universalização passa por projetos que possam ser exequíveis, isto é, precisa que as cidades possam ter condições de executar estes projetos tanto do ponto de vista operacional como também financeiro. Não basta ter projeto, tem que ter bons projetos. Na esteira desta discussão, encontramos uma série de impeditivos a exequibilidade, uma delas, talvez a principal dificuldade, é o alto custo de implantação. Este alto valor reside na forma como a maioria destes projetos são concebidos onde a repetição de formas construtivas que funcionaram muito bem no seu tempo, são reproduzidas nos novos projetos quase como se fosse um dogma indissolúvel e imutável. Este método precisa ser revisto para que a inovação possa entrar pela porta da frente do saneamento. A porta da frente é considerar a inovação como principal requisito para projetos de saneamento. Inovar não pode ser um projeto experimental que confere muito mais mídia que resultados práticos ao que tange a prestação de serviços de água e esgotos, precisa sim ser tratado como alternativa de assertividade.
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Neste sentido é preciso olhar para os principais problemas ligados à operação destes sistemas e inserir a inovação já na concepção destes projetos. Um bom exemplo disso, é a questão dos transientes hidráulicos em redes de abastecimento de água tratada que ocorre na grande maioria das vezes no início e na interrupção do abastecimento, mais precisamente segundos após estas ações acontecerem. Podemos utilizar a solução “indissolúvel e imutável” de válvulas de controle convencionais sem nenhum componente que varie a velocidade de abertura e fechamento destes, a causa principal da presença de transientes hidráulicos em tubulações de saneamento que provoca o rompimento destas tubulações. Contudo, existem no mercado, alternativas de válvulas de controle inteligentes que mantém a velocidade do fluxo no interior das tubulações de forma adequada reduzindo de forma significativa o número de interrupções no abastecimento geradas por variações súbitas de pressão na rede de distribuição. Por falar em pressão nas redes de abastecimento, podemos, através de sistemas de controle, entregar pressão de abastecimento otimizada, isto é, fornecer somente o necessário ao abastecimento sem oferecer riscos de ruptura por sob pressão e sem provocar desabastecimento por sub pressão. Melhor ainda, pode-se utilizar este excedente para gerar energia se o componente que controla pressão for turbinas ou turbogeradores. Estas alternativas inovadoras já estão disponíveis no mercado do saneamento. Da mesma forma os sistemas de esgotamento sanitário tem em seus diversos formatos alternativas que trazem a inovação como principal componente. Novos materiais que resistem à corrosão inerentes às estações de tratamento de esgotos (ETE), ETEs que operam com utilização de menor espaço possível, bombeamentos que possuem maior tempo entre falhas que os modelos convencionais entre outras inovações. Não podemos esquecer também tudo que vem sendo desenvolvido na área de inteligência artificial na detecção de vazamentos e otimização de sistemas.
Todas essas alternativas podem em um primeiro momento soar como iniciativas que demandam aporte de recursos financeiros maiores que sistemas convencionais, mas na verdade os custos se reduzem porque atacam a raiz do problema, a evidência de que as alternativas usuais não atendem as necessidades de universalização. Apenas para ilustrar, caro mesmo, é ser ineficiente, é perder, é captar, extrair recursos naturais e desperdiçá-los em vazamentos. É coletar esgoto e não ter a capacidade de transporte e tratamento adequado.
Acredito que este assunto renda muito mais do que foi dito aqui devido a sua extensão e complexidade. Porém, o ponto central é a mudança cultural, de paradigma, do indissolúvel e imutável para a inovação e a assertividade dos projetos de saneamento. Essa mudança precisa permear as discussões que o estado e a sociedade devem realizar para universalizar o acesso a água e tratamento de esgotos buscando um país verdadeiramente desenvolvido sob os aspectos social, ambiental e econômico.
*Éverson Gardel de Melo é engenheiro mecânico e mestre em engenharia civil.
Consultor | Palestrante | Empresário | Uso Racional da Água | Saneamento
8 mSeja pela relevância do conteúdo, seja pela experiência e qualificação profissional do articulista, a matéria em tela nos remete a uma reflexão no momento. No centro de sua argumentação o eng. Gardel coloca a inovação como componente estratégico na busca de resultados para as melhorias do saneamento básico que a sociedade brasileira tanto espera. De fato, inovações tecnológicas têm surgido nos últimos anos e, quando aplicadas ,preferencialmente já na concepção dos projetos, seriam ferramentas de grande valia para procedimentos operacionais tanto na distribuição de água como na coleta e tratamento de esgotos. No entanto, se os avanços tecnológicos nos trazem esperanças para que paradigmas sejam quebrados, no campo da gestão administrativa a inovação que sugere a transformação dos serviços de saneamento básico em atividades econômicas lucrativas nos remete à reflexões preocupantes. Assim, entendo que a prestação de um serviço publico essencial jamais vai ser compatível com o resultado econômico e o lucro. Salvo grande equívoco, a sociedade brasileira vai pagar duas contas pesadas; a universalização e os lucros dos investidores que vislumbraram o saneamento básico como uma forma segura de ganhar dinheiro.