Inspirações Psicanalíticas - O filme "Meu Pai"
O filme “Meu Pai” é uma pérola de 2020, cujo roteiro e direção fica a cargo do inspirado Florian Zeller, que busca abordar de forma tocante as diferenças, as ambiguidades e os contrastes humanos em suas obras.
É um drama que narra a história de um pai que tem demência, provavelmente o mal de Alzheimer; embora não haja nenhuma preocupação no filme de delinear diagnósticos, tem-se ali um retrato clínico muito fiel, mostrando a desagregação temporal dos fatos, das lembranças do sujeito e o quanto quem convive com ele sofre (filhos e outros parentes, cuidadores, profissionais de saúde).
Para mim, a frase mais tocante do filme foi proferida pelo ator inoxidável Anthony Hopkins, e na trama, o idoso Anthony: “Eu sinto que estou perdendo todas as minhas folhas”, numa linda metáfora com uma árvore no fim da vida. Eu sei que é triste, mas há beleza também na dureza de viver, e o filme é indispensável (segundo minha modesta opinião) a todos nós; não apenas a quem cuida da saúde mental, não apenas para quem tem pais envelhecendo, mas para todos, que se não morrermos antes, vamos envelhecer (com mais ou menos saúde). Ali entendemos muitos processos psíquicos particulares à dolorosa demência, como uma perda de si em vida.
Anthony faz sobreposições entre o passado e o presente, repetições; a gente vê ele lutando contra a perda de suas lembranças, de suas experiências, um luto estranho de si mesmo, da memória, da cognição, do sentido, da autonomia. É meio desesperador se colocar na condição dele.
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O mais tocante é a profunda solidão e desamparo, mesmo estando acompanhado; porque afinal, sem nossas lembranças e experiências, como se estrutura nossa constituição subjetiva? Sem a malha da consciência para fazer pontos de estofo com as formações do inconsciente que emergem, o que vamos elaborar? Ele vive desorientações espaciais, a fragmentação da experiência temporal; corta o coração todas as vezes que pergunta pelo relógio que está num lugar que não lembra, e onde, há um minuto atrás, guardou; ele busca referencias, parâmetros, mas para dar que sentido? Quando olha pela janela para gravar qual a loja fica de frente para seu apartamento, olha ao redor e se questiona: é o seu apartamento? Onde ele está mesmo?
Enfim, um filme importante para nos colocarmos em certas posições muito desconfortáveis e indigestas e pensarmos em reelaborações e saídas para, não obstante tudo isso, continuar seguindo. Afinal: “Temos que ir enquanto está sol; temos que aproveitar esta chance”.
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