INTERFACES ENTRE EDUCAÇÃO SOCIOEMOCIONAL E ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo geral compreender a importância da educação socioemocional no espaço escolar e como objetivos específicos categorizar os eixos socioemocionais na Base Nacional Comum Curricular; identificar a importância do desenvolvimento socioemocional na Educação Básica; descrever alguns aspectos neuropsicológicos das emoções e discutir a relação entre essas referências para a educação básica contemporânea.
Gardner (1994) afirma que em um primeiro momento a geração de cientistas cognitivistas aceitava somente o modelo de indivíduos quantitativamente racionais e inteligentes e reitera a importância dos conceitos de inteligência e cognição serem renovados e ampliados.
Atualmente, grande parte do sistema educacional evidencia este modelo quantitativo das habilidades cognitivas relacionadas apenas ao raciocínio intelectual. Porém, nota-se que as mudanças cada vez mais rápidas na sociedade contemporânea exigem, de todos os alunos e educadores, competências para as quais não foram formados.
Em 2013 o MEC (Ministério da Educação) encomendou à UNESCO um estudo sobre a importância da inserção das competências socioemocionais no currículo da educação básica no Brasil. Este estudo foi apresentado em 2014 ao Conselho Nacional de Educação – MEC, com a intenção de contribuir para a elaboração de políticas públicas voltadas ao resgaste e desenvolvimento das habilidades socioemocionais.
Calcado no pressuposto de que o aprender envolve não só os aspectos cognitivos, mas também os emocionais e os sociais, este estudo foca a compreensão das inter-relações entre o desenvolvimento das habilidades socioemocionais e o processo de ensino e de aprendizagem. Compreender como tais habilidades podem contribuir com a melhoria do desempenho escolar e vida futura dos estudantes permite construir caminhos que promovam o desenvolvimento, aprimoramento e consolidação de uma educação de qualidade. (ABED, 2014: p. 7)
Formulada para diminuir as desigualdades no ensino, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)[1] é um documento que visa definir e apontar um conjunto de habilidades e de conhecimentos essenciais que todo aluno, esteja ele em qualquer cidade do Brasil, deve desenvolver ao final de cada ano e de cada etapa da escolarização. A BNCC objetiva assegurar os direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos e integra a Educação Básica em âmbito municipal, estadual e federal.
A BNCC assegura o desenvolvimento de competências globais de forma substancial, considerando a complexidade e não a linearidade desse desenvolvimento, concatenando a mobilização de conhecimentos (conceituais e procedimentais) e habilidades cognitivas e socioemocionais a fim de contribuir com as demandas necessárias para o desenvolvimento do indivíduo.
Alguns paradoxos que revelam o adoecimento da nossa sociedade justificam a necessidade da construção de relações sociais saudáveis. Dessa forma, pode-se observar que o desenvolvimento das habilidades socioemocionais proposto pela BNCC visa a capacidade de cada um lidar com as suas próprias emoções, desenvolver autoconhecimento, se relacionar com o outro, de ser capaz de colaborar, mediar conflitos e solucionar problemas através de quatro pilares essenciais: competências cognitivas, sociais, emocionais e éticas.
[1] Aprovada pelo Conselho Nacional de Educação e homologada pelo MEC em 2017.
1 COMPETÊNCIAS SOCIOEMOCIONAIS
O estudo do desenvolvimento e da aprendizagem humana se baseia em concepções que se nutrem de teorias elaboradas em diferentes campos do conhecimento. A Psicologia, a Filosofia, a Pedagogia, a Sociologia e a Antropologia se unem para produzir conhecimentos que subsidiam a fundamentação de práticas do ensino.
Segundo Cury (2010) as competências socioemocionais são manifestadas pelos indivíduos em níveis diversos e envolvem a capacidade de criar, articular e colocar em prática habilidades interpessoais e intrapessoais, ou seja, se referem a forma como pensamos, sentimos e nos comportamos para atingir nossos objetivos, tomar decisões e enfrentar novas situações e/ou de adversidades. O autor também aborda o gerenciamento das emoções, considerando que é uma prática que pode ser exercitada e é efetiva na melhora da qualidade das relações sociais e nos processos de aprendizagem.
Ainda nesta premissa, Santos e Primi (2014) elaboraram um relatório para o Instituto Ayrton Senna fazendo referência a algumas pesquisas conduzidas por economistas, psicólogos e educadores que respaldam o impacto positivo e a relevância do desenvolvimento socioemocional para o aprendizado escolar. Para melhor compreender como se configuram as habilidades socioemocionais, consideradas pelos autores como “Habilidades não cognitivas para o século XXI”, vale ampliar o escopo destas considerações:
Preparar as crianças e jovens para os desafios do século 21 supõe criar condições para o desenvolvimento de todas as competências necessárias para o sucesso acadêmico, profissional e pessoal em um mundo cada vez mais exigente. Entre essas competências, estão aquelas já reconhecidas e mensuradas pelos sistemas educativos, como as relacionadas ao letramento e ao numeramento, mas também estão fatores que não são adequadamente capturados por testes de desempenho e que, em geral, não fazem parte do currículo intencional das escolas, mas que são igualmente importantes para o desenvolvimento pleno do ser humano e para o progresso social e econômico das nações. (SANTOS E PRIMI, 2014, p. 11)
Os autores acima citados afirmam que as competências socioemocionais têm impacto significativo na prática escolar, ou seja, facilitam a aprendizagem do conteúdo de habilidades cognitivas e se estendem para a vida futura fora da escola.
A partir do exposto, há um estudo relevante sobre a importância destas abordagens: o estudo Longitudinal do programa Perry Preschool Project, iniciado na cidade de Ypsilanti, Michigan (EUA) em 1962. O programa consistia em: oferecer educação infantil de qualidade para crianças que tinham um risco de atraso em seu desenvolvimento além de QI abaixo de 85 aos três anos de idade; ter ascendência afro-americana e estarem inseridas em famílias com baixa renda. O programa previa estimular o desenvolvimento e aprendizagem com foco na interação dos indivíduos com seus objetos de estudo, estímulo na capacitação de resolução de problemas, desenvolvimento de potencialidades e habilidades socioemocionais.
O ganhador do prêmio Nobel de Economia James Heckman se debruça sobre estes dados e realiza um estudo que demonstra que crianças que trabalharam as habilidades socioemocionais na escola quando adultas tem 35% menos chances de serem presas, 44% mais chances de concluírem o Ensino Médio, 40% mais chances de obterem melhores salários na vida adulta. Além disso, sugere que estas habilidades não são inatas, e por isso podem ser desenvolvidas na escola.
No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular direciona os currículos fazendo referência a três grandes pilares das competências socioemocionais: emocionais, sociais e éticos, orientando a aplicação das competências socioemocionais na educação básica. Estas competências aparecem de forma concisa nos parâmetros da BNCC, e não há especificações sobre como podem e devem ser desenvolvidas na escola. Também não há uma definição clara e objetiva de tais aspectos, mas o documento articula, através das descrições, o conceito de educação integral.
Em tais condições, a presente pesquisa se realiza em um cenário no qual novos estudos e definições estão sendo abordadas por diferentes autores. A discussão destas novas propostas esbarra na especificidade de teorias para se alcançar definições das competências socioemocionais. Ainda que não sejam idênticas, as discussões apresentam convergências.
1.2 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS E AS EMOÇÕES
A Neurociência é uma área nova e vem se desenvolvendo de forma efetiva no estudo do cérebro humano e de seu funcionamento, apresentando diferentes abordagens. Esta multidisciplinaridade permite oferecer mudanças no sistema educacional com muitas contribuições que visam inovar através da intensificação de estudos científicos. A Neuropsicologia é uma das áreas da Neurociência e busca elucidar as relações complexas entre o cérebro e o comportamento humano, ou seja, a forma como o cérebro físico suscita pensamentos na mente incorpórea. De acordo com o Conselho Federal de Psicologia, na Resolução 002/2004 (que institui a Neuropsicologia como especialidade):
[...] Atua no diagnóstico, no acompanhamento, no tratamento e na pesquisa da cognição, das emoções, da personalidade e do comportamento sob o enfoque da relação entre estes aspectos e o funcionamento cerebral. Utiliza-se para isso de conhecimentos teóricos angariados pelas neurociências e pela prática clínica, com metodologia estabelecida experimental ou clinicamente [...]. (Furtado, Odair, 2004, p. 1-2).
Corroborando com a resolução, Ferreira (2014) afirma que a Neuropsicologia se fundamenta no fato de que o Sistema nervoso central (SNC) permite a interação do indivíduo com o meio, tendo um potencial de adaptação referente à forma de receber, interpretar e armazenar diferentes estímulos.
De acordo com Gallahue e Ozmun (2003, apud COQUEREL, 2013, p. 61) o processo do desenvolvimento humano em diferentes áreas e aspectos só ocorrem através dos processos de aprendizagem ocorridos durante a vida e de alterações comportamentais. Considerando que o processamento de estímulos externos acontece com respostas afetivas imediatas e com nuances variadas, os autores acima citados reafirmam que isto ocorre porque o cérebro utiliza-se de sua capacidade cognitiva juntamente com funções como a memória e a atenção. Logo, o comportamento vindouro assegura reações diferentes para indivíduos distintos.
A interrelação entre aprendizagem e desenvolvimento denomina a caracterização tão peculiar de cada indivíduo se emocionar, pensar, sentir e agir. Ferreira (2014) considera que as emoções podem induzir os indivíduos a determinados pensamentos e ações ajudando na memória, já que é mais fácil para ele se recordar de algo que implicou em uma emoção forte e deteve a sua atenção. Logo, pode-se ressaltar a total relação entre as emoções, comportamento e aprendizagem do indivíduo.
Ferreira (2014) também descreve a importância do humor como influência para estas reações. Se o indivíduo se encontra bem-humorado, pode tomar decisões mais oportunas baseadas na criatividade resultante de maiores níveis de dopamina[1]. Apesar de acreditar que as emoções nos capacitam para uma rápida resposta às decisões, a autora esclarece que muitas vezes não é possível fazer uma associação entre a cognição e a emoção, pois a congruência de um conflito é vencida pela intensidade da emoção.
Os estudos da Neurociência asseguram que as emoções são adaptativas, ou seja, a princípio elas servem de respostas vertiginosas para a sobrevivência. Pode-se considerar então, que os indivíduos são guiados por experiências negativas e positivas motivados pelas emoções que “fornecem informações sobre a importância de um estímulo para objetivos pessoais e preparam as pessoas para ações que ajudam na obtenção desses objetivos”. (GAZZANIGA e HEATHERTON, 2005, p. 315 apud FERREIRA, 2014, p. 158).
Os aspectos neuropsicológicos conceituam o papel adaptativo e os aspectos sociais das emoções, bem como a importância em correlacionar a forma como os alunos vivenciam essas emoções no contexto escolar. Através da Neuropsicologia pode-se fundamentar a relação entre emoções, sentimentos e comportamentos para compreender a educação básica de forma integral, efetivando, inclusive, um melhor desempenho cognitivo.
[1] A dopamina é um neurotransmissor e está envolvido nos processos de controle motor, cognição, compensação, prazer, humor, etc.
1.3 EMOÇÕES EM AÇÃO: O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NO ESPAÇO ESCOLAR
Considerando que o indivíduo se desenvolve através dos âmbitos biológico, psicológico e social, as relações entre reconhecer suas próprias emoções e a de outros indivíduos podem gerar uma dinâmica importante no desenvolvimento de crianças e adolescentes no espaço escolar.
Os indivíduos vivenciam emoções provocadas por inúmeras situações dentro e fora da sala de aula (com ele mesmo, com seus colegas, professores ou com familiares). Isso não definirá se o indivíduo tem ou não problemas de aprendizagem, mas pode interferir de forma positiva ou negativa neste processo.
Conforme Goleman (1973) as emoções não podem ser tratadas como algo que surge esporadicamente em situações determinadas. Esses estados emocionais podem aflorar a todo tempo no desenvolvimento humano, deliberando demandas específicas. As experiências afetivas que são geradas através da troca de sentimentos e emoções devem ser vistas também como uma forma de saber, pois a ciência não é o único caminho processual em busca do conhecimento.
As emoções podem gerar alguns sentimentos como vergonha, tristeza, medo, reclusão, inveja etc. Se há qualquer tipo de destruição de laços afetivos e emocionais também pode haver uma grande possibilidade de perder a vontade e o estímulo por diferentes tarefas; entre elas as atividades escolares. A situação dos pais e suas atitudes em relação à educação dos filhos podem gerar alunos sem concentração e com dificuldades na aprendizagem de conteúdos.
Neste contexto, Camargo (2004) afirma que a partir do ano 1970 houve uma mudança de paradigma e as pesquisas indicaram que há diferenças que devem ser consideradas entre os indivíduos, pois eles não são somente máquinas racionais e lógicas e essas diferenças interferem na maneira como os indivíduos vão agir diante de certos problemas. A cognição depende do contexto cultural em que a criança está inserida, de sua percepção diante do mundo, memória para com aquilo que absorve, capacidade de abstração, generalização e resolução de problemas que se observam em sua vida prática. Não se pode medir um nível porque a cognição não é uma capacidade imutável do ser, mas um encadeamento de inúmeros recursos experienciais.
Diante dos aspectos sociais da emoção que englobam a atividade e motivação para a aprendizagem, Camargo (2004) ressalta:
Ao realizar o resgate do papel da emoção ao longo do processo de desenvolvimento da criança, visualiza-se claramente alguns pontos o papel da emoção como primeira forma de comunicação; a emoção, como função fundamental nas interações sociais; a emoção ao longo da história do desenvolvimento da pessoa e a emoção na relação com a linguagem. (Camargo, 2004, p. 107).
Segundo Andrade (2004) os alunos com dificuldades de aprendizagem podem ter um grande bloqueio na linguagem. É importante ressaltar que linguagem não se refere somente à expressão de suas emoções e ideias, mas funções como percepção da realidade, planejamento etc. O estado emocional desses alunos pode interferir na forma como ele estrutura a fala interna, cumprindo a regulação no processo cognitivo. Isso causa um nervosismo que prejudica ainda mais estes processos e sua capacidade de aprender, possibilitando a fuga da realidade no momento da realização de uma atividade, buscando os devaneios.
Estudos sobre o funcionamento da cognição demonstram a importância da autorregulação para o êxito da aprendizagem: a capacidade do aluno em planejar, controlar e avaliar o processo, para detectar erros e modificar a situação, assim como a de generalizar ou transferir uma aprendizagem para novas situações. O aluno é capaz de ter consciência do funcionamento de seu processo cognitivo e compreender quais as estratégias que devem ser colocadas em prática nas atividades escolares. (ANDRADE, 2004, p. 132).
O componente subjetivo e a intensidade das emoções indicam que a reação de cada indivíduo varia diante de um mesmo estímulo, assim como podem ou não motivar um objetivo. Neste sentido, pode-se considerar que há um papel significativo das trocas interpessoais no contexto do desenvolvimento infantil, partindo da necessidade das ações afetivas e esclarecimento de aspectos importantes do psiquismo do indivíduo.
Respeitando o aspecto representativo da cultura, Camargo (2004) enfatiza que, a partir das primeiras experiências do recém-nascido, o indivíduo vai vivenciando experiências sociais que geram expectativas, esperanças, receios e conflitos. Ao longo de sua vida, algumas emoções se transformam, pois relacionam-se com outras funções psíquicas como a linguagem, memória, percepção e atenção.
Ainda segundo Camargo (2004), a escola tradicional prioriza acentuadamente os aspectos cognitivos e formais, deixando de ser um espaço facilitador para a criatividade e dimensões expressivas importantes para o desenvolvimento do ser. A integridade e totalidade do aluno também são constituídas das manifestações emocionais e a trama de emoções subjacentes ao cotidiano escolar são diretamente relacionadas com o sucesso da aprendizagem. O olhar sobre esta narrativa permite reafirmar uma compreensão complexa que estabelece relações com outras funções psíquicas e destaca a perspectiva do ser humano simbólico, que não separa a emoção das significações e sentidos.
O desenvolvimento de habilidades socioemocionais na escola pode ocorrer através de recursos pedagógicos baseados em atividades reflexivas semanais. Para subsidiar, o professor aplicador de tais técnicas deverá encorajar o aluno a autoconhecer-se, requisito fundamental para expandir a forma de promover o diálogo interpessoal e intrapessoal. Abed (2016) afirma que, de acordo com as teorias interacionistas, é através das interações sociais que o ser humano está em constante construção, desconstrução e reconstrução.
A escola pode oferecer um campo importante para estas interações já que a todo momento professor, alunos e colegas interagem, promovendo transformação de perspectivas, saberes, além de saúde física e mental. A partir da proposta da BNCC para o desenvolvimento das habilidades socioemocionais, surgem muitas dúvidas relativas à forma de abordagens, técnicas, instrumentos, competências, desafios, etc. Desta forma, para que as escolas brasileiras possam cumprir esta resolução, foram criados vários programas de educação socioemocional privados como: Escola da Inteligência, Mind Lab do Brasil, Programa LIV, Programa Semente, Programa Compasso Socioemocional, O líder em mim, PESP (Programa de educação socioemocional positiva), Projeto Crescemos, OPEE, Pleno, etc. Em São Paulo, no âmbito público, há o “Projeto de vida” na esfera estadual e no domínio municipal as competências socioemocionais estão sendo abordadas dentro do currículo de conteúdos formais. Em todos os projetos citados há a formação do professor através de treinamentos específicos.
Estes projetos estruturam uma concepção teórica que colaboram com a formação do professor que aplicará este programa e com o material disponibilizado para os alunos realizarem suas atividades reflexivas. Estes materiais possibilitarão que professores e alunos sejam agentes transformadores e possam colocar em prática este novo modelo aqui apresentado.
Apesar de diferentes, os programas seguem as premissas dos eixos da BNCC citados e aplicam textos, histórias, reflexões verbais e escritas, debates, atividades em família, etc. Estas ferramentas possibilitam para o aluno entrar em contato com alguns de seus conflitos internos, emoções e sentimentos que até então não conhecia ou não sabia nomear. Além disso, estes programas também oportunizam conhecimentos sobre memórias, pensamentos automáticos, mudança de crenças, capacidade de gerenciamento de emoções, liderança e orientação profissional.
A maioria das competências socioemocionais são moldáveis durante a infância e adolescência. Esta premissa cria oportunidades para que professores, legisladores e famílias proporcionem uma abrangência nas possibilidades de aprendizagem a cada ambiente que circunda estas crianças e adolescentes. Todos os esforços fazem-se necessários para fomentar a importância em tratar da esfera socioemocional com desvelo e cuidado, considerando que as emoções produzem grande interferência na motivação, atenção e no processo de aprendizagem em um sentido geral.
2 DISCUSSÃO
Crianças e adolescentes que desenvolvem um conjunto harmônico de competências cognitivas e socioemocionais geram possibilidades preditivas de se mostrarem capazes de influenciar várias dimensões de sua vida futura. As competências socioemocionais impulsionam o próprio desenvolvimento, também o desenvolvimento das competências cognitivas.
Com base em evidências neurocientíficas, há relações significativas entre o ambiente, as emoções e o aumento das sinapses cerebrais que possibilitarão o aprendizado. Segundo Salla (2012) é essencial o diálogo entre Neurociência, Psicologia e Pedagogia. Ela ainda expõe cinco conclusões neurocientíficas ligadas à aprendizagem: Emoção – Interfere totalmente na retenção da informação; Motivação – Aspecto essencial para o aprendizado; Atenção – Fundamental para a percepção dos conteúdos; Plasticidade cerebral – A interferência do ambiente no sistema nervoso causando mudanças anatômicas e funcionais no cérebro; Memória – Ativação de circuitos neurais resultantes da frequente associação de novos dados com aqueles previamente adquiridos.
Ainda nesta perspectiva, Cury (2010) afirma que as competências socioemocionais instigam habilidades capazes de contribuir para o desenvolvimento de alunos mais autônomos e utilizam-se de seu funcionamento cognitivo para gerenciar suas emoções, pensamentos e sentimentos. Desta forma, há a potencialização do indivíduo para desenvolver a capacidade em lidar com as suas próprias emoções, desenvolver o autoconhecimento, estimular as relações saudáveis, colaboração, o pensamento crítico, resolução de problemas, maior tolerância à frustrações e autonomia em um contexto em que os jovens reproduzem informações que surgem de maneira cada vez mais dinâmica.
O dinamismo do mundo contemporâneo exige também exige um maior dinamismo das Instituições de ensino. Há muito tempo a maioria delas estão preparadas para tutorar conteúdos formais que resguardam o conhecimento. Se o conceito é desenvolver seres pensantes, críticos e com autonomia da construção de um mundo melhor não basta só considerar os alunos uma máquina, já que isso não impele que as crianças e jovens estarão preparados para o mundo contemporâneo e vida futura.
A estrutura educacional tradicional foi criada no final do século XIX. A grande questão é compreender que lidamos com uma estrutura que, por vezes, não responde mais aos desafios atuais, além de professores formados no século XX e alunos do século XXI. Pode-se ressaltar que, no processo de escolarização, o currículo pode aspirar uma educação cada vez mais globalizadora, refletindo um projeto que abranja dimensões pessoais, sociais e culturais. Se o consenso não é fácil, são necessários os debates e as problematizações para renovar o âmbito curricular.
Santos e Primi (2014) afirmam que, em teoria, a escola compreende a multidimensão do desenvolvimento escolar e os domínios das competências de natureza afetiva e comportamental. Cabe um maior envolvimento dos pais e professores, além de um esforço maior na efetividade destas intervenções, aplicando sua real importância. Os autores ainda ressaltam a relevância das investigações na relação entre características socioemocionais e as variáveis relacionadas a um aprendizado eficaz.
Considerar a importância da renovação das propostas curriculares, segundo Arendt (2001) é auxiliar na transformação do mundo e isso só é possível se as crianças e adolescentes vivenciarem uma educação democrática e compatível com asserções contemporâneas:
A educação é assim o ponto em que se decide se se ama suficientemente o mundo para assumir responsabilidade por ele e, mais ainda, para salvar da ruína que seria inevitável sem a renovação, sem a chegada dos novos e dos jovens. A educação é também o lugar em que se decide se se amam suficientemente as nossas crianças, para não expulsar do nosso mundo, deixando-as entregues a si próprias, para não lhes retirar a possibilidade de realizar qualquer coisa de novo, qualquer coisa que não tínhamos previsto, para, ao invés, antecipadamente preparar para a tarefa de renovação de um mundo comum. (ARENDT, 2001, p. 14)
Ao analisar o direcionamento das competências socioemocionais nas políticas curriculares do Brasil, são apresentadas algumas soluções para o desencaixe gradual de um ensino centralizador e tradicional que se referem à conformidade do sujeito com as expectativas sociais atuais. Nesta conjuntura, os aspectos emocionais obtêm uma propensão maior de receber um valor neste importante processo de mudanças.
Conforme explicitado, as evidências científicas sugerem a relevância das competências socioemocionais como proposta da iniciativa global de educação para o século XXI. O desenvolvimento destes atributos contribui tanto quanto às competências cognitivas na determinação do sucesso pessoal e social do indivíduo, ressaltando o êxito escolar referindo-se a um melhor aprendizado, menores probabilidades de abandono escolar; e no âmbito profissional indivíduos com uma melhor adaptação organizacional, melhores salários e menor período de desemprego. Em um sentido geral, a autoconsciência e o gerenciamento de suas emoções podem o levar à responsabilidade, disciplina e perseverança, conceitos que respondem aos desafios do nosso tempo.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ponto de partida deste percurso foi a revisão da literatura existente, a análise de alguns programas de educação socioemocional já implantados no Brasil e o estudo das bases teóricas da Neurociência que fazem correlações das emoções com a aprendizagem escolar.
As referências teóricas estudadas são unânimes em dizer sobre as dificuldades nas relações entre professores, alunos e famílias, considerando as diferentes gerações e a velocidade das mudanças. É comum observarmos a ausência de controle sobre os campos emocionais. Isso pode ocorrer porque a maioria das habilidades socioemocionais não são desenvolvidas ou estimuladas de forma efetiva ao longo da vida do indivíduo, em especial no espaço escolar, local onde passam a maior parte do seu dia; no espaço doméstico não há tempo e/ou interesse para tal abordagem. As emoções podem aparecer, muitas vezes, em um contexto de desordem e desajustes.
Na contemporaneidade uma boa formação cognitiva não é mais suficiente para garantir um emprego e principalmente obter a tão desejada satisfação profissional. Os desafios tecnológicos, econômicos e sociais pedem mais flexibilização do indivíduo para atender inúmeras demandas. Todas as crianças nascem com um grande potencial para desenvolver capacidades e o fato de expandir esse potencial ou não depende dos contextos de aprendizagem a que estão expostas.
O entrave encontrado no percurso desta pesquisa foi a ausência de pesquisas a respeito dos mecanismos pelos quais essas competências podem ser desenvolvidas e estudos longitudinais que investigam a relação entre características socioemocionais e variáveis relacionadas ao aprendizado e à melhora na qualidade da saúde mental dos alunos.
Pela observação dos aspectos analisados, cabe ressaltar a notoriedade do avanço de estudos da Neurociência, Psicologia e Pedagogia, áreas necessárias para compreender as interfaces acerca do elenco de competências relevantes no espaço escolar.
REFERÊNCIAS
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