Interfuncionamento Cérebro-Computador

Interfuncionamento Cérebro-Computador

Uma das áreas atuais de desenvolvimento científico potencialmente mais revolucionárias e impactantes para a raça humana está na convergência entre neurociência e ciência de computação. Lembro-me de que no meu doutorado (há muitas décadas!) cursei uma disciplina intitulada “Cognição e Computação”. Naquela época, as pesquisas centravam-se em aspectos neurológicos e psicológicos, simulações, mapeamentos, testes e modelagens incipientes sobre o funcionamento do cérebro, além de especulações filosóficas sobre a natureza da consciência (especulações essas que aliás continuam até hoje). Não se suspeitava, então, da direção que essas pesquisas iriam tomar alguns anos à frente. E vieram os exames de imagem cada vez mais potentes, as interfaces cérebro-computador (invasivas e não invasivas), a microeletrônica e os sensores avançados, os novos materiais e, é claro, a inteligência artificial.

Para onde estamos indo? Tenho postado aqui, de vez em quando, pequenos artigos sobre esse tema, acompanhando o trabalho de neurocientistas, especialistas que hoje em dia se dividem em subespecialidades. Por exemplo, há alguns dias publiquei um artigo sobre os avanços no tratamento do mal de Alzheimer, em que mencionei o trabalho cooperativo internacional liderado pela professora israelense Naomi Habib, uma neurocientista computacional. Mas a grande revolução que se aproxima parece estar vindo pelo lado da conexão cérebro-computador.

Recentemente, a Neuralink, empresa de Elon Musk (ele outra vez...) informou que implantou um chip cerebral em um segundo paciente. Musk declarou no X que espera que milhões de pessoas realizem esse tipo de implante no horizonte de dez anos. Segundo a Neuralink, os pacientes implantados conseguem executar atividades complexas usando apenas o cérebro, como desenhar objetos tridimensionais e jogar games difíceis. Existe um gigantesco potencial de curar doenças e deficiências, além de expandir extraordinariamente as capacidades cognitivas humanas. Por exemplo, foi reportado o caso de uma mulher paralisada em que o implante permitiu que fosse capaz de produzir voz e expressões faciais através de um avatar em uma tela.

No entanto, também são claros os riscos, por exemplo éticos e de cibersegurança. Há uma necessidade premente de debater os contornos de uma possível regulação sobre o tema, antes que haja fatos consumados de difícil tratamento.

A coisa está avançando muito rapidamente. Leio no New York Times da semana passada que o Estado da California acaba de passar uma legislação de proteção ao consumidor específica para os dados cerebrais! Trata-se de uma extensão da lei atual sobre privacidade pessoal para incluir dados neurais, especialmente os coletados por empresas de tecnologia. A California hospeda, como sabemos, o maior ecossistema de inovação dos Estados Unidos (e possivelmente do mundo). Lá existem inúmeras startups desenvolvendo “tecnologias cerebrais” disruptivas, mas também as BigTechs, como a Apple e a Meta estão implementando seus próprios programas. Em muitos casos, estão sendo desenvolvidos mecanismos de inferência sobre pensamentos e sentimentos humanos que podem ser considerados intrusivos. Em abril deste ano, a Neurorights Foundation, uma organização que advoga leis de proteção de dados cerebrais de consumidores, examinou documentos obtidos de 30 companhias e concluiu que praticamente todas tinham acesso a dados neurais de seus usuários, sem que estivessem sujeitas a restrições regulatórias significativas.

O momento atual é crítico, porque os pesquisadores já conseguiram decodificar pensamentos e sentimentos de pessoas e reconstituir o que elas viram em vídeos, a partir de sua atividade cerebral, com precisão impressionante, segundo Rafael Yuste, chairman da Neurorights Foundation, ele mesmo pesquisador da Universidade de Columbia.  Na mesma linha, a revista NewScientist publicou, há poucos dias, um interessante artigo, em que observa que sistemas de inteligência artificial com acesso a gravações da atividade proveniente de particulares regiões do cérebro de macacos puderam aperfeiçoar sua capacidade de reconstruir imagens vistas pelos animais. O artigo é ilustrado com uma quantidade de imagens originais e suas respectivas reconstruções pelo algoritmo, e eu preciso confessar que o resultado me deixou de boca aberta.

Seremos capazes de enfrentar os desafios éticos, de segurança, privacidade e regulatórios em geral que se avizinham? O que você acha?

Raul, mais uma excelente contribuição nesse seu artigo. Não resta dúvida da compatibilidade do computador com o cérebro humano, até porque a origem vem do segundo. O adiantar das pesquisas, vem demonstrando essas capacitações, que espero sejam em benefício dos humanos.

Parabéns Raul! Esse é um enorme desafio. Ainda não temos noção de onde poderemos chegar. Mas existe uma massa descomunal de habitantes que ainda estão completamente fora dessa realidade, ou de sequer imagina-la possível. Cabe aos estudiosos desenvolver discursos que possam simplificar e massificar essas informações para que os povos possam se aperceber dessas possibilidades. Além disso, provavelmente, ao se aperceberem disso, também entenderão o imenso disperdicio de recursos e tempo alocados a atividades ou comportamentos absolutamente inúteis, desprezíveis e desnecessários.

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