Inventar problemas não é inovar.

Inventar problemas não é inovar.

Quando decidi o design como profissão, eu não tinha ainda a sua função social claramente definida na minha cabeça. Minha vontade era apenas fazer umas marcas legais e umas peças gráficas bacanas e, se pá, ganhar um premiozinho no mercado.

Depois de mais de duas décadas mergulhado nesta profissão, agora tenho duas coisas bem claras: designers pensam de um jeito diferente (não melhor) sobre as coisas e, mais importante, designers estão sempre com o foco em resolver os problemas das pessoas.

E, surpreendentemente, para resolver problemas de pessoas, precisamos entender muito bem qual é o problema e compreender a fundo as pessoas que têm esse problema.

É onde começa minha bronca com Henry Ford, ou melhor, com as pessoas que citam Henry Ford.

Você já deve ter lido por aí a famosa frase do camarada que revolucionou a indústria automobilística:

Se eu tivesse perguntado para as pessoas o que elas queriam, elas diriam ‘cavalos mais rápidos’.

Uma das formas mais eficientes de se entender o contexto e os problemas pelas quais as pessoas estão passando é exatamente perguntar para elas. Não estamos na pele da outra pessoa para saber o que se passa pela cabeça dela enquanto estão passando por algum tipo de dificuldade ou frustração. Não há como saber qual o desejo delas sem conversar e genuinamente estar interessado nas pessoas que estamos focados em ajudar.

E é aí que algumas empresas e profissionais se utilizam desta frase como justificativa para abandonar qualquer iniciativa de pesquisas e conversas para entender as pessoas, buscando um atalho neste processo de inovação.

Uma pausa para uma consideração sobre “inovação”...

Em qualquer definição de inovação que você procurar, vai encontrar coisas relacionadas à ruptura e escalabilidade, e sempre no contexto de produto, de mercado. Então não se engane, inovação tem muito mais a ver com capitalismo do que com altruísmo.

A inovação acontece sempre para resolver um problema e melhorar, facilitar a vida das pessoas. Mas o objetivo final é lucro. Ponto. E oficializar o festival de citações neste texto, vou usar aqui uma que eu gosto do Murilo Gun:

Inovação é a criatividade emitindo nota fiscal.

Feita a consideração, voltamos.

É óbvio que Ford não acordou com um estalo pensando no “Modelo T”. Ele estava junto com as pessoas, entendendo o que elas queriam e percebeu o real motivo pelo qual as pessoas procuravam um “cavalo mais rápido”. Ele olhou o problema e não a solução (que as pessoas queriam).

Uma outra frase bem famosa nesse sentido é de Steve Jobs, o grande guru da Apple:

As pessoas não sabem o que querem até mostrarmos para elas.

A citação é um pouco melhor que a de Henry, no sentido de deixar claro que precisamos focar no problema das pessoas e não na solução que elas querem. Mas ainda dá margem para justificar as soluções inovadoras psicografadas, sem precisar falar nada com ninguém que efetivamente está passando pelo problema.

Este é o ponto.

Sem estar constantemente conversando com as pessoas, as empresas pensam nas soluções antes de entender qual é o problema de fato. E depois ficam inventando problemas para as soluções que estão encalhadas nas prateleiras — vulgo marketing. E a gente cai feito pato.

Trabalhar com inovação não tem nada a ver com genialidade ou inspiração divina. É método, é repertório, é pesquisa e muita — mas muita — conversa com o público que você quer atingir e ajudar.

Então eu como designer, resolvedor de problemas e colecionador de frases, encerro com outra citação de Thomas Edson:

Genialidade é 1% inspiração e 99% transpiração.

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Este texto foi publicado primeiro lá no Portal Deviante. Se curtiu este, tem outros por lá!

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