A Jornada do Designer
Enquanto escrevia a minha tese de mestrado, abordando o tema storytelling, li muito acerca da construção de narrativas e, como não poderia deixar de ser, o livro Herói de Mil Faces, de Joseph Campbell, escrita obrigatória para quem constrói histórias e para quem estuda sobre a arte de contar histórias. Campbell faz o cruzamento de inúmeros mitos da Antiguidade e chega à conclusão de que todos eles têm a mesma estrutura, isto é, todas as histórias, por mais diferentes que sejam entre si, desde a comédia ao drama, são construídas – consciente ou inconscientemente – segundo a mesma arquitetura.
Essa estrutura é chamada A Jornada do Herói, trabalhada mais tarde por Christopher Vogler, que refez o ciclo da jornada, depois de estudar a fundo a teoria de Campbell. Se fizerem o teste, qualquer história encaixa nestes passos:
Na própria vida de um designer, em cada trabalho, cada desafio que se atravessa à sua frente, surge uma história para contar. Sempre que surge um novo trabalho, seja um logótipo, um catálogo ou um convite de casamento, inicia-se um ciclo.
Do ponto de vista da relação com a pessoa para quem fazemos o trabalho, é essencial ter uma espécie de guião a seguir, porque todos queremos que a nossa história tenha um final feliz. Lidar com clientes frustrados não é tarefa fácil e não conduz ao sucesso. Por essa razão, penso que o ciclo da jornada do designer, à imagem dos círculos de Campbell e Vogler, se desenha da seguinte forma:
A JORNADA DO DESIGNER
1 – Primeiro contacto com o cliente;
2 – Percepção da ideia geral do cliente e o que ele pretende;
3 – Estudo prévio de possibilidades (fase mais criativa e livre);
4 – Pesquisa
5 – Testes de formatos, tipos de letra, texturas e paletas de cores;
6 – Eliminar hipóteses até sobrar três possíveis resultados (se houver tempo);
7 – Primeira mostra ao cliente para ver reação às três hipóteses e eliminar as que não agradam (ouvir com atenção o que ele tem para dizer);
8 – Afinação dos pormenores finais com o cliente;
9 – Testes de impressão/construção e possíveis remates;
10 – Entrega da solução ao cliente;
11 – Recompensa;
12 – Fotografar e juntar ao portefólio.
OUVIR O CLIENTE É FUNDAMENTAL
Na minha opinião, e segundo a experiência de trabalho que tenho, ouvir o cliente é crucial para ter sucesso. Mesmo que nos pareça ridículo o que está a sugerir, tem de haver espaço do lado do designer para perceber o que o cliente está a idealizar. Posteriormente, o designer pode aconselhar, sempre com humildade, uma solução que lhe pareça mais adequada, mostrando ao cliente, com provas dadas e argumentos válidos, que a ideia que ele tem não resulta. Caso contrário, se o designer adotar uma pose altiva, revirando os olhos e fazendo o cliente ver que está errado de uma forma arrogante, o resultado será o cliente achar que o designer está a insultar a sua inteligência e bom gosto. Como consequência, o cliente vai desaparecer e preferir fazer o trabalho sozinho no Paint.
Eu sei que é difícil e frustrante quando o cliente pensa demasiado no produto final e nos limita a criatividade, no entanto, é ele que está a pedir o trabalho, é ele que paga a solução e é ele que a vai usar. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. O designer, numa situação dessas, deve respeitar o cliente e sugerir ideias de melhoria, o mais possível. Se o produto final não for do agrado do próprio designer, esse pode sempre ser descartado do portefólio, livre de vergonha alheia ou até nem aceitar o trabalho. Serviu como experiência.
Resumindo, todo o ciclo de vida de um trabalho é uma aventura que pode ter vários desfechos. Há também um fator de peso, que é o tempo para fazer tudo. Contudo, é uma aventura que vale sempre a pena viver, principalmente quando o resultado final nos deixa cheios de orgulho.
Inês Cunha
Alma Negra