Jornaleiros podem ensinar a você mais que os CEOs
fonte: arquivo pessoal

Jornaleiros podem ensinar a você mais que os CEOs

Grandes empresários e CEOs famosos costumam ser citados como inspiração de empreendedores e pessoas em geral, porém se você trabalha para viver bem e sem a pretensão de virar líder de mercado o indicado é melhor observar quem está à sua volta.

Vou demonstrar meu argumento com um exemplo que serve tanto para quem empreende quanto para quem está com medo de perder o emprego se uma nova tecnologia aparecer: você concorda que as pessoas deixaram de comprar jornais e revistas em papel, ou seja, a tecnologia fez com que os clientes de jornais e revistas mudassem seu consumo?

Seguindo a tendência de olhar para os grandes, muita pesquisa foi e é feita sobre este mercado, as que li têm foco no uso da Internet, no novo jeito de vender publicidade e na produção da notícia. No entanto, a situação da maioria das pessoas é mais próxima à do jornaleiro, que precisou se reinventar para continuar trabalhando.

Diariamente, no meu bairro, eu passo em frente a quatro bancas de jornal, todas ainda vendem revistas e jornais, mas cada uma passou a comercializar tanto novos produtos quanto serviços – o que para mim indica que você pode sim fazer a sua adaptação ao mercado do seu jeito, sem ficar procurando a nova “onda” do momento.

Não estou dizendo que seja fácil ou que você irá acertar de primeira. Eu, por exemplo, levei um ano atendendo como analista corporal até identificar como conciliar esta técnica com a área jurídica e então criar coragem para divulgar aqui no LinkedIn. As pessoas ainda procuram a advogada (assim como ainda vão ao jornaleiro), mas a possibilidade de também receber a indicação do melhor modelo de negócio a partir das características pessoais facilita a minha contratação.

Jornaleiros venderem outros produtos não é novidade: refrigerante e cigarro muitas vezes serviram de convite para as pessoas entrarem na banca e se interessarem por alguma revista ou jornal, natural que outros produtos viessem a ser ofertados à medida que a procura por periódicos caísse. Dentre os novos produtos que podemos encontrar, pensando em modelo de negócio e oportunidades, destaco a venda de jornal antigo (Jornal do Pet).

Pensar o ciclo de vida dos produtos e dos serviços é a tendência para encontrar tanto pontos de melhoria quanto oportunidades de negócio, as minutas contratuais são redigidas nesta perspectiva também. Considere que a sua atividade é sempre uma parte de um processo formado por uma sequência de contratos. No Jornal do Pet, o contrato com a cooperativa que comprava papel como resíduo foi alterado para tornar-se um novo produto.

A decisão do que mudar precisa ser pensada junto do como fazer a mudança. Considere que um risco que você esteja analisando se vale a pena assumir também é a realidade de outras pessoas e talvez já haja solução disponível no mercado. Pesquise e sempre pense todo o processo, não só a ponta final, a venda ao cliente. A sua operação e o pós venda são igualmente importantes.

Em uma das bancas há o serviço de cópia: um dia eu estava passando em frente e um cliente estava muito alterado, pois acabou o toner e o serviço ficou incompleto, o que ele só soube no final do dia. Eu na hora fiquei pensando como era feito o controle para evitar calote.

Ao que tudo indica, o jornaleiro comprou a máquina e controlava seu próprio estoque de toner e papel, o que parece ser uma opção simples, porém há uma série de situações que podem dar errado e inviabilizar o serviço.

Nesta situação específica, comprar a máquina de cópia significa ter depois que procurar assistência técnica, negociar o preço do toner, do papel conforme houver necessidade, são três contratações isoladas que dificultam a operação (como calcular o preço de venda se a todo momento o insumo muda de valor?).

Um contato mais complexo prevendo aluguel da máquina e preestabelecendo o custo de reposição do toner obriga quem contrata a pensar muitos fatores que não havia cogitado antes de assinar e por isso tende a dar mais certo. Um grande fator positivo dos contratos é parar para pensar no que se está contratando e assim evitar desentendimentos por ter pensado em soluções quando não há emoções envolvidas.

A história que eu soube sobre uma faca sem fio que foi levada no jornaleiro - e que me deu ideia para esta newsletter mensal - é um outro exemplo. Na prática é uma parceria comercial entre quem sabe amolar facas, tesouras e alicates e o jornaleiro que tem um ótimo ponto comercial. Os dois ganham.

Esta ótima solução de parceria pode gerar prejuízo para ambos se pensar que toda a negociação é verbal: o cliente entrega o que precisa ser amolado, recebe um papel pequeno (parece de rifa) com a data prevista do serviço pronto e o pagamento é feito na retirada. O jornaleiro não pensou que o cliente pode aparecer para retirar a faca no exato momento em que ele não está, nem que outra pessoa possa ir retirar.

Nesta história real a diarista foi retirar a faca no jornaleiro e levou uma nota de 20 reais, sabendo que haveria troco mas não sabia quanto. O jornaleiro não estava, outra pessoa cuidava da banca de jornal. Depois de um tempo a faca foi encontrada em um envelope com vários valores escritos e rabiscados. Nenhuma das duas pessoas sabia o preço combinado e a diarista retornou sem a faca, que fez falta à noite e gerou uma série de desdobramentos desagradáveis.

Às vezes os exemplos próximos a nós são sobre o que não fazer: um contrato escrito teria evitado constrangimento porque para a sua redação seria necessário o desenho da parceria comercial prevendo solução para todas as situações que pudessem dar errado. Essa reflexão prévia faz parte do que se chama estruturação contratual do produto.

Existem ainda outros exemplos de adaptação dos jornaleiros à realidade em que a tecnologia substituiu os produtos impressos que vendiam, preferi compartilhar com você as estratégias jurídicas que foram equivocadas. Se você tem interesse em pensar questões jurídicas práticas aplicáveis aos negócios, tenho dois convites: assine esta newsletter mensal e também meu canal no YT, em que todo domingo às 18:59 falo de estratégia jurídica a partir de um artigo científico (de qualquer área).

Incrível sua capacidade de observar a realidade ignorada por todos e sorver lições tão significativas! É um privilégio ler um artigo seu! Parabéns Giselle!

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