JORNALISMO & ALEXANDRE GARCIA:  UMA ANÁLISE CRÍTICA DE MÍDIA

JORNALISMO & ALEXANDRE GARCIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DE MÍDIA

O mundo está um caos. Se pudesse tirar uma lição da pandemia, a cada dia que passa e que parece caminhar para mais longe do fim desse período de incertezas, é que precisamos evoluir juntos para uma sociedade melhor, mais tolerante, respeitosa, com mais amor e afeto.

A Covid-19 trouxe inseguranças, ao mesmo tempo em que é possível notar um modelo de comunidade mais coletivo e menos individualista se fazendo necessário para suprir as carências do mundo.

Alguns exemplos:

Como jornalista, acredito que a comunicação é uma importante ferramenta que possibilita transformação, desde que feita com responsabilidade, ética e compromisso. Toda mensagem impacta de alguma forma quem a recebe, repercute um efeito. Isso, claro, também considerando as experiências e a carga cultural que toda pessoa recebe ao longo de sua jornada, mas a mensagem é, sim, carregada de significado!

Como uma crítica ao arquétipo tradicional do jornalismo que conhecemos, atuar como mediador de “notícias ruins”, dando enfoque em apresentar o “podre” social, repercutir e esgotar todos os ângulos possíveis de um mesmo caso agendado, com a incisiva apresentação de dados de morte, violência e crimes vem saturando os ânimos e corroborando para a manifestação dessa ansiedade e adoecendo nosso povo.

Pesquisadores de psicologia analisam as formas de consumo de informação digital para identificar possíveis relações entre a apreensão dos conteúdos e a exibição de sintomas ansiosos. Em 2019, Antonio Francisco Malagutti Junior propôs que “existe uma correlação intrínseca entre o consumo de informação de forma digital nas mídias sociais; a maneira com que essa informação é exposta influencia diretamente a forma de absorvê-la e de gerenciar o foco e a atenção sobre ela”. A análise pode ser encontrada no site Psicolado.

Segundo relatório divulgado em março deste ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS), antes de a pandemia emergir, 264 milhões de pessoas no mundo viviam com depressão. Com o início desse período, a quantidade de casos de indivíduos com sintomas da doença aumentou. “O isolamento social, o medo de contágio e a perda de membros da família são agravados pelo sofrimento causado pela perda de renda e, muitas vezes, de emprego", explica o diretor-geral da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Não estou dizendo que o jornalismo “investigativo” deva deixar de existir, pelo contrário!  – coloquei entre aspas sim, pois, como já diria a jornalista Andrea Sanhudo: “todo jornalismo é investigativo”, ou seja, a investigação tem que estar no sangue de um bom profissional dessa área! – Ele é necessário para o funcionamento da democracia. É preciso escancarar e expor, sim, que um senhor desempenhando o papel do poder executivo de sua nação, no exercício desse cargo de liderança, demostra constantemente sua completa falta de humanidade, planejamento e respeito frente ao país que gerencia.

"Todo jornalismo é investigativo",
Andrea Sanhudo

Isso não significa deixar de divulgar os acertos, mas “quando a esmola é demais, o santo desconfia”.

Esse mesmo jornalismo, ainda que saturando os ânimos do cidadão, é a garantia de que se venha a público os problemas da nossa sociedade, para que possamos cobrar melhorias e mudanças. Deixar de falar sobre os casos de racismo, LGBTQ+fobia, machismo ou corrupção, por exemplo, não irá fazer com que eles desapareçam, só irá camuflar mesmo.

O problema é que utilizando-se dessa sobrecarga negativista do jornalismo tradicional como argumento, cada dia mais esse youtuber de 65 anos profere seus constantes ataques à imprensa. O brasileiro, cansado de se angustiar, mas preguiçoso demais para filtrar os inúmeros títulos que lhe são entregues nas plataformas de mensagens e compartilhamento de dados, aplaude a atitude, também negativa, e entra nesse ciclo de consumo desenfreado de conteúdo sem conteúdo. Explora-se, então, esse anseio por algo novo e positivo para ocasionar mais revolta, violência, provocando uma onde de produções de péssima qualidade.

E a internet facilita a entrega das notícias. Mas favorece também a disseminação em massa de conteúdos falsos, produzidos sem o menor esmero, com o único intuito de desprestigiar ou descreditar o jornalismo. Ao fazê-lo, se contribui para que aqueles que detêm o poder tenham controle da informação. Isso propicia a ignorância e a nação passa a acreditar fielmente em tudo que se é proposto, sem se dar ao trabalho de pesquisar.

Até porque, como bem dito anteriormente, investigar já é o papel do bom jornalista.

Além de se dedicar a arte da checagem de informação, outra característica, dentre várias, que configura um bom jornalista é a de não sucumbir à comunicação publicitária para transmitir sua mensagem. O publicitário propaga seu recado com o intuito de vender, ele é pago para promover gatilhos nas emoções certas do consumidor, que o levarão ao ato de compra. Claro, assim como o jornalista, o publicitário tem sua ética e valores para desempenhar esse papel. Mas, em síntese, parafraseando Orwell “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade.”

(Não me refiro aqui, claro, ao assessor de imprensa. Este realiza uma função diferente, mais relacionada ao publicitário ou ao relações públicas, uma vez que são contratados para administrar a imagem de seu cliente. Mas podemos discutir isso em um outro momento).

 "Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade",
George Orwell

 

Alexandre Garcia no youtube

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Alexandre Eggers Garcia, o jornalista Alexandre Garcia, especialista em economia e Bolsa de Valores, trabalhou no Jornal do Brasil, onde fez coberturas políticas nacionais e internacionais, chegando a tornar-se secretário de imprensa no Governo João Batista Figueiredo. Foi convidado para compor o quadro de funcionários da rede Globo na década de 1980, onde permaneceu até 2018.

Hoje, Alexandre Garcia apresenta seu canal no youtube, onde opina os assuntos em pauta. Logo no vídeo fixo na página principal, Garcia dá as boas-vindas e convida o espectador a compartilhar de sua esperança por um “Brasil melhor, com mais respeito às leis, aos valores, à ética, à família, à liberdade de pensamento, aos direitos dos outros, aos impostos de todos”, diz ele. Discurso, este, adotado pelo presidente Bolsonaro e seus apoiadores.

Como comunicólogo de renome, condecorado, inclusive, pela rainha Elisabeth II pelo trabalho realizado durante a Guerra das Malvinas, Alexandre entende, ou deveria entender, que tem um importante papel na formação do pensamento crítico – mesmo expressando opinião em seu canal pessoal – e também saber quais são as técnicas jornalísticas para traduzir as informações ao seu público.

Dito isto, proponho a seguinte reflexão a partir da análise de conteúdo: qual o objetivo do canal de Garcia? Alexandre se propõe a cumprir seu papel social de mediador de informação ou, camuflado de “opinião”, desempenha serviço de assessoria de comunicação/marketing digital para o governo bolsonarista e defender seus interesses?

Tanto assessoria de imprensa quanto marketing digital têm o objetivo de gerir a imagem de uma organização ou pessoa. Isso significa não apontar os possíveis erros, efeitos colaterais ou de que forma tomar um medicamento para tratamento de piolho, como medida preventiva (sem respaldo médico) contra um vírus recém chegado, poderia impactar na vida de alguém em sua estratégia de comunicação.

Tudo bem, concordo com você, é o canal dele, ele pode manifestar a opinião e experiência, como garante a lei. Mas pare por um instante e se questione: se você só recebe informação sobre qualquer produto afirmando ser mil maravilhas, mediante uma situação que parece solucionar seus problemas, você realmente está tomando essa decisão de consumir o produto ou serviço sozinho(a) ou está deixando a publicidade agir sobre suas necessidades? 

Não parece muito propício que em um momento tão delicado como o que vivemos, enquanto ainda se fazem testes e pesquisas no mundo inteiro para combater a contaminação por coronavírus, desenterrem um produto que afirmem não apresentar efeitos colaterais ou risco algum (mesmo sendo tarja vermelha), prometendo a pessoas apavoradas ser a solução? Já não vemos esse tipo de afirmação nos comerciais de televisão e até mesmo reforçadas nas próprias ações de marketing na internet: um produto com destaque apenas para os benefícios em se obtê-lo? Como, por exemplo:

  • Aquele lanche de fast food, pintado sempre como desejado e recheado de sabor para alegrar o seu dia. Mas o Mc Donalds ou Burguer King não contam nas publicidades a quantidade de calorias vazias que você irá consumir.
  • Como uma Coca-cola geladinha mata sua sede e é apropriada para qualquer momento, porém você nunca vê o comercial narrando quanto açúcar e corante que há na composição da bebida.

Essas técnicas publicitárias são utilizadas para fazer com que o consumidor compre. Mas para fundamentar até mesmo o conteúdo opinativo, uma fonte especializada no assunto precisa afirmar seu parecer sobre o tema. O jornalista precisa se respaldar em ciência, órgãos oficiais ou seja lá qual for a pessoa ou entidade necessárias, mesmo que indiretamente. Apenas citar que existe alguém (sem identidade) que disse tal informação não quer dizer que realmente essa pessoa exista ou tenha dito ou, ainda, que a pesquisa que realizou ou os dados comprovados signifiquem x, y, z.

Percebe? O que eu escrevi lá no começo sobre a comunicação ter significado? O jornalista é a pessoa responsável por traduzir esses dados, compreender o sentido que eles têm e refletir/transmitir/levar esses signos para o receptor da mensagem.

Tanto jornalistas quanto publicitários são propagadores de mensagem. PROPRAGANDA vem de PROPAGAR, ou seja: espalhar, divulgar, reproduzir. Garcia está propagando uma mensagem que pode ter caráter informativo, opinativo, publicitário, etc.

Em um vídeo intitulado “Tratamento Preventivo – Ivermectina”, o jornalista inicia e encerra falando que não vai fazer ‘propaganda’. “Não estou recomendando, só vou contar pra vocês, porque a gente é amigo, né?”, fala Garcia.

Ao se colocar como protagonista em sua narrativa, contando a experiência com o remédio, Alexandre se utiliza de um recurso de copywriting (técnica de escrita persuasiva da publicidade e do marketing), que é o gatilho mental. Isso faz com que quem estiver assistindo se identifique com ele e confie em sua exposição, pois “se ele usou o produto e está indicando, deve ser porque funciona mesmo, né?”

Ele, então, usa três argumentos para amparar o porquê de estar participando desse “teste”, como chamou. São elas:

  • Apresentação de estudo científico: o jornalista afirma existirem pesquisas nacionais e internacionais que analisam o uso do medicamento para tratamento de Chikungunya, desde 2016. Sim, é uma técnica jornalística, como informei anteriormente, mas ele não indica onde estão sendo feitos esses estudos ou quem é o pesquisador responsável. Além disso, também declara não haver contra indicação, mas ao ler a bula do remédio tarja vermelha, vemos que não é bem essa a realidade. O uso pode acarretar em reações dermatológicas, gastrintestinais e no sistema nervoso.
  • 1º Testemunho: “uma menina, em Fortaleza, que estava à beira da morte e, com cinco dias de tratamento, foi resolvido o problema”. Qual era a enfermidade da garota? O vídeo também não apresenta o depoimento nem da menina, nem do médico que tratou ela, nem de ninguém que comprove que a história é real.
  • Relação de contingência: Garcia também relata que em um sanatório, com 88 pacientes que sempre tomavam Ivermectina preventivamente pra piolho e sarna, se observou que, durante 2 anos, nenhum dos pacientes se infectou com Chikungunya e afirma, sem respaldo médico, que a doença é mais forte do que a Covid-19. Assim como nos tópicos anteriores, o jornalista não apresenta prova alguma de suas declarações.

O behaviorista Skinner explica contingência como sendo dois fatos não relacionados entre si que pode causar um efeito supersticioso. No argumento acima: Chikungunya e o tratamento para sarna e piolho não tem relação comprovada, porém como durante o período de uso do medicamento nota-se que a doença não se manifestou, cria-se, então, a superstição de que ao se tomar o Ivermectina, o paciente não irá contrair a patologia.

Meu propósito com esses apontamentos não é o de analisar a eficácia, ou não, do produto farmacológico para o tratamento da Covid-19. Deixo essa discussão para os profissionais da saúde. No entanto, entendo que o papel do comunicador, com seu DNA de investigador, é o de apresentar os “dois lados da moeda” e propor questionamentos que estimulem a ponderação do público, como por exemplo:

1-     OK, o medicamento pode trazer resultado x,y,z, conforme seu estudo, não existe NENHUM quadro contrário ao ingerir essa química?

2-     Isso significa que qualquer pessoa pode sair comprando e se automedicando ou é necessário prescrição médica?

3-     Se a Dona Maria já está cumprindo com todas as recomendações de isolamento, não sai de casa, não tem contato com outras pessoas, usa máscara quando precisa ir ao mercado, ela também precisa se medicar?

4-     Quem não apresenta nenhum sintoma também deve procurar um médico para solicitar a ingestão do medicamento? 


Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

New journalism como resposta à crise do jornalismo diário

A procura por um jornalismo mais positivista não significa pegar todas as técnicas e trancar numa gaveta, no fundo do baú. Tão pouco significa incitar mais violência e ódio contra aqueles que produzem o tradicional, mas buscar outros processos de se transmitir e absorver a mensagem. Há outros meios de se fazer um bom jornalismo e entregar conteúdo relevante e diferente do tradicional.

Em uma live, conduzida pelo jornalista literário Edvaldo Pereira Lima, sobre as narrativas no cinema, o escritor reforça o new journalism – que carinhosamente apelidamos na universidade de “Jornalismo do bem” – como papel fundamental para a construção de novos vínculos e potencial formador de consciência do indivíduo, por meio de catarse (ou, talvez, epifania) e autocrítica.

Com as atenções voltadas para o ser humano, nos anos 60, a partir das manifestações de contestação de valores do movimento hippie, nos Estados Unidos, nasce o new journalism, que é também fruto dos efeitos das transformações no mundo, estreitando suas conexões com a literatura, conforme explicita André Felipe Pontes Czarnobai, em pesquisa realizada na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer e Truman Capote, considerados pais desse gênero sugerem uma série de técnicas da literatura e mantém uma visão mais humanitária na abordagem, contrariando a distância e a frieza do jornalismo tradicional.

Edvaldo enfatiza o jornalismo literário para ajudar a humanizar os processos comunicacionais ao tratar de temas universais (como LGBTQ+, racismo, que eu citei antes, lembra?). Há investigação, fontes oficiais e especializadas, personagem, assim como no tradicional, mas este gênero também carrega traços romancistas. “A comunicação construtiva se volta para a narrativa de uma história que seja significativa em trazer a trajetória do protagonista, que conseguiu realizar uma transformação e que trouxe algum grau de consciência”, explica. 

Não se trata de romantizar um problema social e sim de utilizar práticas desse movimento para construir uma comunicação que transmita sentimento ao mesmo tempo em que perpetue caminhos para o público refletir sobre o tema abordado. 


Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos