Julgamento no Cade pode determinar o futuro do crédito no Brasil
O setor de serviços de informações de crédito está prestes a sofrer uma grande reviravolta, com consequências negativas para o mercado, inclusive com aumento de juros no país. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) irá julgar na próxima quarta-feira, dia 9, pedido para formação de joint venture entre os cinco maiores bancos do país, que somam 80% do mercado: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú, Bradesco e Santander. A nova empresa, a Gestora de Inteligência de Crédito (GIC), pretende ser um bureau de crédito. (Ato de Concentração nº 08700.002792/2016-47)
Os bancos querem fornecer serviços sobre informações de adimplência e inadimplência de pessoas físicas e jurídicas, para auxiliar em decisões sobre concessão de crédito. A GIC irá concorrer diretamente com as empresas Serasa Experian, Boa Vista SCPC e SPC Brasil, que cumprem hoje esse papel no mercado.
Hoje, o mercado atua assim: para conceder crédito, as instituições — inclusive os bancos — consultam serviços de análise, como os da Serasa, Boa Vista e do SPC. Esses serviços cruzam dados fornecidos pelos bancos e informam se alguém é ou não bom pagador. Mas se o próprio banco for o dono e o analista dos dados, a qualidade da análise passa a ser questionável. Além disso, se os cinco bancos juntos passarem a atuar nesse mercado, os demais bureaus de crédito tendem a desaparecer, o que comprometerá também a competitividade de outros bancos não participantes da joint venture, que não terão um serviço de informação de crédito independente e confiável.
Embora tenha dado parecer favorável à criação da joint venture, a Superintendência-Geral do Cade reconheceu que os mercados de serviços de informações negativas (cadastro negativo) e positivas (cadastro positivo) seriam afetados, em virtude da integração vertical que existiria entre bancos e bureaus de crédito. Ou seja, os bancos seriam, ao mesmo tempo, fornecedores de insumos para os bureaus e consumidores das informações, o que permitiria que eles sonegassem informações para concorrentes, mesmo estando legalmente obrigados a fornecê-las.
Ou seja, os bancos seriam, ao mesmo tempo, fornecedores de insumos para os bureaus e consumidores das informações.
Na avaliação da Superintendência, poderiam haver condutas anticompetitivas, tais como discriminação no acesso a informações geradas pelos bancos aos demais bureaus de crédito; limitação, redução ou atraso no cadastro negativo em outros bureaus, reduzindo o volume e a qualidade de dados disponíveis; e a redução, pelos bancos, da quantidade de consultas aos bureaus rivais, comprometendo toda uma atividade. Essas condutas podem reduzir o número de bureaus, limitando a capacidade de outros agentes e instituições financeiras de obter informações.
Com o tempo, os bureaus de crédito existentes hoje, ao não ter mais acesso às informações e às consultas provenientes dos bancos, deixariam de ser competitivos, fazendo com que a GIC se tornasse o único player do mercado. Ou seja, os 5 maiores bancos terão controle sobre informações financeiras, o que limita a capacidade de outros bancos de rivalizar na oferta de crédito.
Cadastro positivo
Outro ponto sensível é o cadastro positivo, previsto desde 2011 pela Lei 12.414/2011. O cadastro é voluntário, ou seja, as pessoas físicas e jurídicas podem optar por permitir ou não sua inclusão. O cadastro lista o histórico de dívidas pagas ou em pagamento, mas ainda está em fase de estruturação.
Com a joint venture dos cinco maiores bancos do país, há risco de que os correntistas sejam forçados ou influenciados a escolherem a GIC como destinatária dos seus dados, quando a lei prevê que é o consumidor quem deve escolher qual empresa receberá suas informações para o cadastro positivo. A Lei 12.414/11 estabelece a obrigação de compartilhamento não-discriminatório dos dados positivos do consumidor quando houver autorização expressa deste. Ou seja, o consumidor é responsável por indicar os bancos de dados com os quais tem interesse em compartilhar seus dados. Os bancos podem, no entanto, ao abordarem o consumidor para fazer o cadastro positivo, influenciá-lo a só apontar a GIC como banco de dados autorizado a abrir seu cadastro. Isso faria com que o mercado de informações positivas de crédito se constituísse sob a forma de um monopólio dominado pelos cinco maiores bancos do país.