A Justiça é realmente cega?

Definitivamente a do Ceará, não. Não é novidade que a Justiça Cearense é a pior ou uma das piores do país em termos de morosidade. Segundo Relatório do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, "Justiça em Números - 2018", a Justiça Estadual Cearense é a menos produtiva do Brasil. Além disso, o tempo médio de tramitação dos processos na Justiça Estadual Comum é de 3 anos e 7 meses em 1º grau e 11 meses em 2º grau (instância recursal), sem contabilizar a fase executória.

(http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/44b7368ec6f888b383f6c3de40c32167.pdf).

Até aí, surpresa nenhuma para mim e tantos outros advogados que atuam nesse foro. Diariamente nos colocamos diante de situações que escancaram a realidade colocada em números pelo CNJ.

Demora para análise de petições iniciais, ausência de qualquer análise ou manifestação sobre pedidos liminares no decorrer de quase ou todo o processo, manifestações seletivas de pedidos e omissões de outros, dificuldades de encontrar os magistrados, demora nos julgamentos, etc., são situações corriqueiras, infelizmente.

A título de exemplo, dos casos que acompanho, aguardei 74 dias para despacho inicial; meses para a simples expedição de um Mandado de Citação; mais de 05 anos para uma ação ser julgada em 1ª instância. 05 anos de “concluso para julgamento”, frise-se.

As justificativas e explicações (quando as temos) por parte do Judiciário são repetidas: falta de servidores e grande quantidade de processos para movimentar/julgar. Certo que essas deficiências influenciam no bom andamento processual, no entanto, percebi que essa não é a realidade para todos.

Busquei pelo nome de alguns desembargadores, processos ativos em seus nomes (lembrando que as ações são públicas e podem ser acessadas por qualquer cidadão).

Também sem surpresa nenhuma, vemos um cenário completamente diferente daquele narrado inicialmente. Admiravelmente, não só os despachos e sentenças dos juízes, mas também os expedientes das secretarias e cumprimentos de oficiais de justiça são extremamente diligentes e ágeis.

Despachos iniciais quase que imediatamente após o protocolo da petição inicial, expedição de mandados e cumprimentos poucos dias em seguida, análise fundamentada sobre pedidos liminares, sentenças de 1º grau em menos de um ano.

Em números para melhor clareza:

Caso 1) Protocolo inicial: 04/10/2017 - Despacho inicial: 04/10/2017 (mesmo dia) - Expedição de Mandado: 06/10/2017 (apenas 02 dias depois) - Cumprimento do Mandado: 10/10/2017 (apenas 04 dias depois) – Decisão liminar: 05/02/2018 (após o contraditório) - Sentença 1º grau: 06/08/2018 (307 dias de duração do processo em 1º grau).

Caso 2) Protocolo inicial: 19/10/2017 – Despacho inicial (já com manifestação do pedido liminar): 23/10/2017 (apenas 5 dias depois) – Expedição de Mandado: 23/10/2017 (mesmo dia) – Sentença: 09/07/2018 (264 dias de duração do processo em 1º grau).

Caso 3) Protocolo inicial: 09/10/2014 – Despacho inicial (já com manifestação do pedido liminar): 15/10/2014 (apenas 7 dias depois) – Expedição de Mandado: 21/10/2014 – Sentença: 04/05/2015 (208 dias de duração do processo em 1º grau).

Em todos os casos, as ações foram julgadas em 1ª instância em menos de um ano. Aparentemente, o grande acervo processual e carência de servidores não atrapalharam a prestação jurisdicional nesses casos.

A conclusão para esse contexto é óbvia: a depender de quem seja a parte autora, o trâmite processual pode ser mais célere ou mais lento. O que torna o quadro mais lamentável ainda. E sequer entrei sequer no mérito dos julgamentos. Poderia escrever outro texto sobre casos semelhantes e condenações diferentes também, como indenizações, por exemplo.

Minha expressão aqui não é somente para criticar o Judiciário Cearense, mas para apresentar à sociedade nossa dura realidade e alertar aos colegas de profissão que devemos sempre exigir maior transparência pelo TJ/CE, fiscalização pelos órgãos competentes e OAB, além da prestação jurisdicional pelos magistrados e servidores públicos.

Feito o desabafo, resta, por fim, aos servidores do Poder Judiciário do Ceará um exame de consciência quando apresentar a “resposta padrão” de que tem muitos processos para administrar ou julgar, lembrando sempre que, apesar de estar ali um(a) advogado(a), o interesse na verdade é da parte, que espera naquele processo a resolução de questão importante de sua vida.

Camila Maia

OAB/27.638

camilamaia@fcmadvogados.adv.br


* Caso 1) Processo 0174269-80.2017.8.06.0001. Caso 2) Processo 0178200-91.2017.8.06.0001. Caso 3) Processo 0897384-94.2014.8.06.0001


Thyago Bezerra

Gerente Jurídico | Tributário | Planejamento e Consultoria

6 a

Triste realidade Camila Maia! Todos nós passamos por isso. Fico impressionado como a OAB não se manifesta sobre o assunto.

Legal esse teu levantamento, não sabia, mas desconfiava que fosse assim

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