Kawall e o inventário de uma economia em aflição

Juro baixo, inflação sob controle, real mais fraco em relação ao dólar, oferta robusta de recursos externos, reforma da Previdência quase aprovada e crescimento econômico ainda modesto. Esse conjunto de eventos é o saldo do modelo macroeconômico atual que não agrada a todos pois deriva de uma importante contração fiscal. Mas o oposto – aumento de gastos públicos – como alternativa para destravar a economia tampouco agrada a todos.

Quem chama atenção para o foco do debate sobre a economia brasileira é o ex-secretário do Tesouro, Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, na última edição do Relatório Macro Safra que acaba de ser divulgado.

No comando de um grupo de cinco economistas, Kawall discorda da expansão de gastos como poção mágica a corrigir todos os males e credita o crescimento econômico ainda lento “a fatores cíclicos e, principalmente, estruturais”.

No relatório recém distribuído a investidores, Carlos Kawall faz um inventário e tanto das razões e decisões de governo que levaram a economia brasileira a um estado de aflição na sequência da recessão que subtraiu 7,5% do PIB no biênio 2015 e 2016 e aplica a ideia da “estagnação secular” defendida por Larry Summers para explicar desequilíbrios macroeconômicos do Brasil.

Kawall lista como fatores decisivos para a restrição cíclica que o país experimenta:

*“Intervencionismo desastroso” nos setores de Petróleo e Gás e Infraestrutura

*Privatização “tendenciosa” de infraestrutura rodoviária e de aeroportos antes da administração Temer

*Choque de oferta decorrente da Operação Lava Jato

*Alocação incorreta de recursos públicos em níveis (e custos) muito elevados

*Forte apoio do BNDES a “campeões nacionais” de setores que se mostraram ineficientes como a construção naval

*Destruição de capital com a transferência de elevados montantes de recursos para segmentos com capacidade produtiva ineficiente, cara e condenada à ociosidade

*Criação de subsídios diretos e indiretos da ordem de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões ao ano.

Intervencionismo e choque de oferta

O “intervencionismo desastroso”, afirma o economista-chefe do Safra, quase arruinou as maiores empresas estatais brasileiras – Petrobras e Eletrobras – e teve forte impacto negativo sobre o investimento.

Quanto à privatização de infraestrutura de rodovias e aeroportos, antes do governo Temer, afirma Kawall, ela foi tendenciosa “em favor do compadrio, recompensando os chamados campeões nacionais”. A Lava Jato provocou um choque de oferta. Grandes empresas de Construção Civil enfrentaram problemas financeiros e legais e os investimentos em Petróleo e Gás, além de Infraestrutura, mergulharam.

O Relatório Macro Safra chama atenção para o excesso de oferta de imóveis residenciais e comerciais, que levou a Construção a um colapso, registrando queda por cinco anos consecutivos – “31% desde o pico alcançado no primeiro trimestre de 2014.”

Esse desempenho começou a ser revertido no segundo trimestre de 2019, quando ocorreu a primeira leitura positiva após 20 trimestres consecutivos de contração em 12 meses. O relatório reconhece que a depressão no setor de Construção acabou tendo um impacto maior e mais longo do que o previsto, dado que envolve um trabalho intensivo.

Os economistas do Safra, liderados por Kawall, lembram do princípio da “estagnação secular” de Summers não por defenderem que o Brasil esteja enfrentando uma situação semelhante a de alguns países desenvolvidos, mas por considerarem que a análise desenvolvida por Summers ajuda a compreender que a economia brasileira está passando por um período de ajuste a um modelo de crescimento mais sustentável a longo prazo com viés à maior economia.

Impreciso estímulo monetário

A “estagnação secular” é vista pelo ex-secretário do Tesouro americano como resultado da combinação de fatores demográficos, queda na produtividade e avanços tecnológicos que favorecem a ampliação de poupança e, por tabela, a queda do juro de equilíbrio. No contexto da “estagnação secular”, Larry Summers aponta duas soluções com vistas ao crescimento: a convivência dos governos com déficits maiores por gastos com infraestrutura e/ou com a execução de políticas de estímulo para que o setor privado invista.

A transição da economia é lenta e o estímulo monetário é desafiador, inclusive, porque enquanto a taxa de juro neutra cai é difícil especificar seu novo patamar de equilíbrio, pondera Kawall para quem, até agora, o estímulo monetário no Brasil foi provavelmente inferior ao antecipado. Em parte, porque a taxa neutra parece ter recuado além do inicialmente previsto.

Os economistas do Safra não abraçam a ideia de que um aumento de gastos públicos seja solução para destravar a economia. Lembram que, de 1998 a 2015, as despesas do governo federal cresceram em média 6,1% ao ano acima da inflação. Tomando como base apenas dados parciais dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, os governos regionais expandiram seus gastos em 9,4% ao ano, em média, no período de 2002 a 2015.

No Relatório Macro, os economistas recordam que o PIB brasileiro cresceu consideravelmente, em média 3% em termos reais, entre 2003 e 2015. Contudo, mais de 90% dessa expansão ocorreu graças ao consumo das famílias e gastos do governo; o investimento representou 20% e as exportações líquidas caíram pouco mais de 10%.

Esse crescimento se deu em um modelo econômico ancorado sobretudo em políticas de transferência de renda, avanço do mercado de trabalho e um forte endividamento do setor público e das famílias.

E o resultado foi o desequilíbrio em 2015 com juro real muito alto, inflação de dois dígitos, queda do investimento e desemprego. O déficit em conta corrente ultrapassou 4% do PIB e o resultado primário do setor público entrou em colapso. O déficit nominal chegou a 10,2% do PIB. Atualmente, o déficit nominal está próximo de 6,5% do PIB e atingirá um valor razoável de 3% do PIB até 2024.

Kawall e os analistas que compõem o departamento econômico do Safra identificam veem o ajuste do setor público levando a maior economia e eles avaliam que isso também se aplica às famílias brasileiras. Eles apontam incompatibilidade entre a evolução da massa salarial total – que já retornou ao nível anterior à crise ou a meados de 2014 – e as vendas no varejo ainda muito abaixo (6,4%) do pico observado em meados de 2013. E estimam que a disposição em economizar ou a poupar subtraiu 1,1 ponto percentual de expansão do PIB em 2015 e 2016.

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