Keynes x Hayek — As duas faces da economia

Keynes x Hayek — As duas faces da economia

Por: Guilherme Silveira

É inegável, nos estudos e na história econômica, a importância que tiveram o austríaco Friedrich von Hayek e o inglês John Maynard Keynes. Ambos integrantes de escolas de pensamento econômico distintas, contribuíram de forma ativa com princípios que influenciam economias e sociedades no mundo todo. A contraposição entre os dois polariza ideias que, respaldadas por governantes, possuem o poder de definir o rumo de nações inteiras — desde seu maior sucesso, tal qual países como a Suíça, até os mais calamitosos desastres, como no caso mais recente da Venezuela.

Keynes e Hayek travaram uma batalha que até hoje perdura, muitos consideram o maior embate econômico da história. De fato, ambos sentiram na pele os efeitos da Primeira Guerra Mundial e, debruçando-se sobre os estudos dos ciclos econômicos e chegando a conclusões completamente contrastantes. Mas, afinal, que ideias defendiam os dois economistas? E como essas ideias puderam, mesmo ao longo de tantas décadas, impactar a agenda econômica de países no mundo todo? Descobriremos ao longo desse artigo.


Keynes e a perspectiva do Estado.

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Nascido em Cambridge, no Reino Unido, John Maynard Keynes, seguindo os passos do pai, deu um rumo acadêmico a sua carreira. Conhecido particularmente pela vaidade e pelo apelo público que sempre almejou, Keynes sempre acreditou na existência de desequilíbrios e falhas inerentes ao mercado — o que ele definiu como economia empresarial — principalmente no que diz respeito a empregos e distribuição de rendas. Dedicou sua carreira acadêmica a buscar uma solução para essas falhas.

Se formou na King’s College e lá tornou-se professor. Influenciado pelas ideias de Alfred Marshall, economista ao qual foi aluno, Keynes se opunha a teoria econômica neoclássica, que defendia maior liberdade dos mercados e presença limitada do Estado nas relações comerciais. Para ele, o governo deveria ter função chave na economia, assumindo suas rédeas e estimulando-a através de gastos públicos, criação de postos de trabalho e impressão de papel-moeda, o que geraria um chamado “efeito multiplicador” capaz de garantir o pleno emprego, renda e o bom funcionamento da economia e da indústria.

Ao contrário da corrente liberal, o economista não acreditava que o mercado seria capaz de se “autorregular”, pois era conduzido por um chamado “espírito animal” (animal spirit) dos empresários. Por isso, defendia que o Estado tivesse o poder de estabilizar os mercados e controlar os ciclos econômicos (períodos de expansão e retração da economia) através de múltiplas intervenções fiscais que manteriam o equilíbrio da atividade econômica.


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Para Keynes, o maior estímulo ao gasto e uma maior disponibilidade de dinheiro aqueceria o mercado e traria sangue para as veias anêmicas de economias fragilizadas, já que o dinheiro — agora em abundância — estaria em constante movimentação, e nunca “parado” em poupanças ou outras aplicações de longo prazo. Aliás, “longo prazo” era uma expressão que o economista inglês abominava.

“A longo prazo, todos estaremos mortos” — John M. Keynes em A Tract on Monetary Reform (1923)

A visão macroeconômica de Keynes encontrava na moeda (ou mais precisamente no papel-moeda) um de seus principais alicerces de sustentação. Sua defesa da expansão da base monetária — isto é, da maior oferta de dinheiro na sociedade para “aquecer” a economia— implica na criação artificial de moeda por meio das chamadas reservas fracionárias, sistema utilizado por bancos centrais para “criar” dinheiro através de empréstimos sem lastro financeiro emitidos pelos bancos e outras instituições financeiras. Na prática, isso significa que o governo tem o poder de tomar uma parcela do seu dinheiro para garantir empréstimos para outras pessoas, parcela essa que seguirá disponível para saque a menos que muitos indivíduos optem por — ao mesmo tempo — retirar o dinheiro de suas contas, movimento chamado de “corrida bancária”.


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Em 2007, meados da crise do subprime, uma corrida bancária levou o centenário banco britânico Northern Rock à falência.


Não é de se surpreender que uma abordagem econômica pró-intervenção, a favor de maiores gastos do governo e afrouxamento monetário, seria amplamente defendida por uma série de governantes e estadistas ávidos por maior poder e influência. Afinal, é extremamente conveniente (para os políticos) que um renomado acadêmico dê respaldo para o aumento de seus gastos e de suas participações na atividade econômica.

Keynes tornou-se inspiração para a consolidação do modelo de “bem-estar social” (welfare state) que tomou conta do Ocidente através do Plano Marshall e das políticas do New Deal após o crash da bolsa em 1929. O plano do economista — impulsionado por aumento de impostos, redução brusca da taxa de juros (preço do dinheiro no tempo) e desequilíbrio orçamentário — acabou estendendo a crise por mais muitos anos, dando alavancagem para gastos exorbitantes e políticas inflacionárias que, nos anos 70, culminariam em um período histórico de estagflação (queda do nível de produção e emprego somado a perda do poder de compra).

Ainda hoje, políticas keynesianas são ainda muito utilizadas ao redor do mundo, sendo atualmente elevadas a patamares estratosféricos por nações com gastos cada vez maiores, moedas cada vez mais desvalorizadas e dívidas cada vez mais altas.


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Seguindo a cartilha keynesiana, o governo Obama alcançou uma dívida de mais de 19 trilhões, patamar nunca visto nos Estados Unidos desde a Segunda Guerra mundial


Períodos de crescimento artificial — ou seja, sem geração real de valor — promovidos por entidades governamentais tendem a não só formar bolhas econômicas, mas profundas crises financeiras. Exemplos como as crises globais de 1929 e de 2008 somente simbolizam o quanto um governo com políticas expansionistas e imprudência orçamentária pode afetar a vida das pessoas.

Gastos elevados, juros baixos, aumento do endividamento federal em relação ao PIB e desvalorização da moeda são somente sintomas de crises que podem surgir (assim como surgiram em 1929 e em 2008). Os gráficos apresentados abaixo indicam isso.


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Dívida federal americana em percentual do PIB.


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Poder de compra do dólar entre 2010 e 2020.


Hayek e a economia como ciência do indivíduo.

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Nascido em Viena, no antigo Império Austro-Húngaro e atual Áustria, em 1899, Friedrich August Von Hayek foi um economista e filósofo que defendia ferrenhamente a liberdade econômica por meio da menor intervenção dos Estados. Hayek teve como seu mentor o professor e economista Ludwig von Mises, um dos principais expoentes da Escola Austríaca de Economia.

Assim como Mises, Hayek era adepto do modelo econômico laissez-faire, que prega a ausência de um Estado interventor e a autorregulação dos mercados através da lei de oferta e demanda. Em sua obra mais famosa, O Caminho da Servidão, Hayek tece uma crítica aos modelos coletivistas vigentes no século XIX, a saber: Comunismo, Nazismo e Socialismo. Segundo Hayek, o planejamento centralizado e a economia planificada não só se fazem ineficientes quanto a melhor distribuição dos recursos econômicos, acarretam em governos totalitários e em formas nefastas de coletivismo.


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Os estudos de Hayek acerca do uso (disperso) do conhecimento na sociedade e das flutuações econômicas, bem como suas contribuições para a teoria monetária, lhe laurearam com o prêmio Nobel de Economia de 1974. Hayek demonstrou a impossibilidade de um Estado centralizador deter toda a informação distribuída para, em tempo real, “ajustar” a economia e os preços de modo a encontrar sempre o ponto de equilíbrio do mercado. Afinal, indivíduos tomam suas decisões de forma subjetiva com base em suas experiências, aptidões e conhecimentos, e nenhum governo é capaz de identificar ou sequer prever cada uma dessas decisões.

A economia não trata de coisas ou de objetos materiais tangíveis; trata de homens, de suas apreciações e das ações que daí derivam. — Ludwig Von Mises

Muito além disso, Hayek mostrou o quanto a relação de preços do mercado tende a sempre encontrar um equilíbrio natural, isto é, a oferta e a demanda sempre encontrarão um ponto ótimo, de tal forma que não perdure nem a escassez nem o excesso de produtos e serviços, e todos possam ser melhor alocados com base na livre decisão dos indivíduos. O Estado, na prática, seria um dos principais vetores de desequilíbrio no mercado pois, ao artificialmente alterar preços, estaria gerando distorções na economia, afetando o sistema de formação de preços e alocação de recursos, o que seu tutor Ludwig von Mises caracterizou como sendo o “cálculo econômico”.

Portanto, em sistemas de economia centralmente planejada, ocorreriam massivas distorções nos preços, o que inviabilizaria o cálculo econômico e, pela impossibilidade lógica do amplo uso do conhecimento por parte dos governos, acarretaria em uma distribuição ineficiente de recursos e riquezas. Na busca por uma maior eficiência no controle central da economia, a grande tendência é que estes governos cresçam cada vez mais seus esforços, assumindo as rédeas das principais atividades econômicas através de regulações e cerceamento das liberdades individuais — consequência nítida nos modelos coletivistas pré e pós Segunda Guerra.

A liberdade econômica é ponto chave da teoria austríaca e hayekiana, pois é através dela que nações podem prosperar e se desenvolver, gerando maior riqueza e um aumento na produtividade marginal. A lógica é simples; tirando-se o peso do Estado sobre a atividade econômica— mais especificamente, a indústria e o comércio — , teríamos um ambiente econômico mais favorável a produção e um cenário de formação livre de preços que não traria distorções ao mercado, pois os indivíduos encontrariam sempre a melhor formar de alocar recursos.

Se a demanda por arroz aumentar, o preço naturalmente subirá, isso significa que o mercado (indivíduos) encontrará um novo ponto de equilíbrio, evitando a escassez do produto. Agora, se há mais dinheiro disponível artificialmente na economia (como defendido por Keynes), a demanda por bens de consumo como o arroz aumenta significativamente, o que gera um efeito inflacionário, já que houve um aumento na oferta de dinheiro, mas uma diminuição no poder de compra do indivíduo. O mesmo arroz que comprávamos a 5$, hoje compramos a 10$. O dinheiro se tornou mais líquido, e a tendência é que se aumente cada vez mais essa liquidez para suprir gastos estatais e, como diria Keynes, para reaquecer a atividade econômica. No entanto, se o Estado decide regular esse preço, garantindo a “estabilidade” para o consumidor, temos como consequência um cenário já bem conhecido para muitos brasileiros: a escassez.


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As políticas econômicas nefastas do governo Sarney geraram uma hiperinflação que, somada a política de controle de preços, acarretou na escassez de produtos básicos.


O índice de liberdade econômica — parâmetro indicado pela Heritage Foundation — é um indicador que mede o grau de interferência dos Estados nas economias. Como defendido por Hayek, nações mais livres terão por consequência uma realidade muito mais próspera e produtiva. A imagem abaixo mostra os países economicamente mais livres, segundo ranking da Heritage Foundation de 2021.


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Apesar de muitos forçarem o esquecimento das forças econômicas, elas são inevitáveis. Por isso, é fundamental conseguirmos entender as ideias vigentes e o jogo de interesses por trás delas. Hayek e Keynes são exemplos de forças econômicas antagônicas que regem a economia de muitas nações. Muitos chegam a defender que as economias modernas se baseiam única e exclusivamente nos alicerces hayekianos ou keynesianos. É imprescindível, então, que possamos ter pleno conhecimento do que está por trás das políticas econômicas e da interferência dessas políticas em nosso dia a dia, pois são elas que irão interferir no rumo de nossas relações e da nossa sociedade. No final das contas, a economia é uma ciência humana.

Roberta Dreon

Continuous Improvement | Chemical Engineering | GM

3 a

Parabéns, Guilherme!!! No fundo talvez nem Keynes acreditasse mesmo em sua teoria, só esqueceu de dizer isso ao resto do mundo.

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