Lapidar - Os vícios de alguns gestores e o seu impacto na economia social
Sustentabilidade da SS
ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES
17 Maio 2016 às 00:02
A questão da sustentabilidade da Segurança Social tem graus de urgência variáveis com as intenções de cada discurso. A par de ameaças angustiantes quanto ao futuro das pensões, usa-se despachadamente o dinheiro do sistema para o financiamento de políticas públicas variadas, desde a formação até à saúde e segurança no trabalho, passando pelas chamadas "políticas ativas" de emprego, na parte que consiste em pagar às empresas para "criarem" postos de trabalho. A inanidade destas políticas está à vista de todos, mas pô-las em causa é manifestamente deselegante. O vício tem décadas e teme-se a ressaca em caso de privação.
A situação mais grave, nessa perspetiva, é a da proteção económica no desemprego. Sabe-se que as preocupações de sustentabilidade - de par com a ideia peregrina de que o corte do subsídio de desemprego empurra as pessoas para o emprego - têm conduzido a uma progressiva redução da percentagem dos beneficiários desse amparo no escandaloso contingente do desemprego de longa duração em Portugal. Ora convém ter presente que nem todo o desemprego criado resulta do encerramento de empresas ou de dificuldades sérias em que muitas destas se encontrem. Longe disso. Os despedimentos coletivos, os despedimentos por "extinção de postos de trabalho" e as revogações de contratos por mútuo acordo, mediante compensação económica, são - no ambiente aprazível que a presença da troika gerou em Portugal - usados de modo massivo por empresas altamente lucrativas e dotadas de perspetivas de crescente prosperidade, cuja gestão assenta na metódica destruição de postos de trabalho, à conta de supostas reestruturações. Estas obedecem a um único princípio: o mesmo trabalho por menos gente, logo por menos dinheiro. E a economia de custos opera-se com uma grande simplicidade: basta transferi-los para a Segurança Social, obtendo-se a aceitação dos trabalhadores através da garantia do subsídio de desemprego. Se, porventura, a quota de revogações contratuais estiver atingida pela empresa, requer-se ao departamento governamental competente o aumento da mesma quota, com o doce argumento da "reestruturação".
Parece evidente que a destruição de emprego precisa de ser minimamente controlada - não no sentido de fazer depender os despedimentos de autorizações administrativas, sistema que já provou ser ineficiente, mas no de modular as consequências económicas das extinções massivas de contratos de trabalho pela situação económica e financeira das empresas que as promovem. A cessação coletiva de contratos de trabalho é, em Portugal, particularmente fácil - e, após as alterações legislativas de 2012, também bastante barata. O nosso Código do Trabalho não distingue, a esse respeito, entre empresas prósperas e empresas falidas. Não há nenhuma condição de necessidade objetiva para que uma empresa possa lançar no desemprego dezenas ou centenas de trabalhadores. Basta que o decida com fundamento em certos tipos de razões, entre as quais as famosas "reestruturações".
É aceitável que a gestão das empresas tenha essa liberdade. O que não é aceitável - mais: brada aos céus - é que ela possa ser exercida mediante a transferência de encargos das empresas para a Segurança Social, sendo aquelas muito lucrativas, e necessitando esta que se cuide da sua sustentabilidade...
Tal entendimento postula a consideração de medidas de duas ordens: primeiro, naturalmente, excluir qualquer facilidade excecional, neste domínio, para empresas em boa situação económica e financeira, o que significa, nomeadamente, rejeitar qualquer pedido de aumento de quotas para acesso de trabalhadores afastados por "mútuo acordo" a subsídio de desemprego, formulado por essas empresas; depois, legislar no sentido da instituição de uma "contribuição extraordinária de solidariedade" (designação útil e aproveitável) para a Segurança Social, a suportar pelas empresas que despeçam coletivamente, estando em comprovada situação de desafogo económico e financeiro.
É, sobretudo, necessário deixar de encarar como um "facto da vida" a sangria da Segurança Social por mecanismos que são estranhos à sua razão de ser, assim como o desemprego de centenas de milhares de pessoas que poderiam ter ocupação numa economia civilizada e produtiva.
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
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