Lei Aldir Blanc BH - e reflexões sobre a economia da cultura e políticas culturais (part. 1)
Neste último sábado a Secretaria Municipal de cultura de BH publicou o resultado final do subsídio emergencial para manutenção de espaços, empresas e entidades culturais da Lei Aldir Blanc (LAB). Foram meses de trabalho intenso, desde a aprovação do PL no congresso nacional, passando pela incompetente e morosa sanção e regulamentação da lei pelo governo federal. Com o objetivo de trocar informações e buscar soluções conjuntas para superar os desafios de implementação da LAB, articulamos um grupo de secretários e gestores públicos de cultura de 15 capitais com encontros online semanais. Realizamos mais de 100 horas de reuniões com o comitê gestor, sociedade civil e diversos setores da cultura para que pudéssemos planejar, construir e executar a LAB num prazo curtíssimo, atendendo ao seu propósito emergencial.
Quero trazer alguns números e reflexões deste primeiro resultado.
Foram contemplados 631 espaços, empresas e entidades culturais que irão receber entre R$6mil (2x3k) e R$30mil (3x10k) Destes, alguns destaques
- 174 atuam como produtoras culturais
- 84 são estúdios
- 106 escolas de artes, música e capoeira
- 92 espaços de povos e comunidades tradicionais, centros artísticos e culturais afro-brasileiros e festas populares.
- 79 produtoras de audiovisual
- 33 ateliês de pintura, moda e design
- 34 espaços de apresentação musical.
Muitas análises, aprendizados, alegrias e frustrações tirei deste processo.
A primeira alegria é que foi possível realizar um apoio importante para mais de 600 espaços em nossa cidade! Algo nunca feito antes, desta forma e neste tempo. Isso por si só é uma grande vitória. E aqui quero muito agradecer a toda equipe da Secretaria e Fundação Municipal de Cultura, que se desdobrou para montar esta operação, prestando um atendimento em escala ao setor cultural. Assim como agradecer a todos da sociedade civil que estiveram perto, presentes e propositivos neste processo
Porém, a LAB evidenciou algo que grande parte das capitais estão vivenciando. A necessidade de re-avaliarmos as políticas culturais face o tamanho e diversidade da cultura e sua economia nas grandes cidades brasileiras. Estamos falando desde centros de culturas populares e urbanas; a livrarias, sebos, produtoras culturais, cooperativas, ongs, empresas, com diferentes tipos de formalização e práticas (culturais e de gestão). Grande parte destas organizações nunca se relacionaram diretamente com as políticas públicas de cultura. A grande maioria não dependem (não que não precisem) de editais ou de outros projetos do órgão gestor de cultura municipal. Como exemplo, cito as escolas de música - grande parte delas (e são centenas!) não buscam recursos públicos para a sua sustentabilidade - elas abrem as portas, contratam professores e oferecem cursos e aulas. Da mesma forma, são as centenas de livrarias e sebos, ateliês entre outros. Este universo da economia da cultura, assim como todo o setor cultural, foi imensamente impactado pela pandemia, porém, muitos destes nem sequer conseguiram se visualizar como potenciais beneficiários da LAB. Eles não são organizados, grande parte não integra entidades de classe e as políticas culturais não se relacionam com eles. Apesar de um enorme esforço e mobilização através de comunicações específicas, tutoriais e lives (e um período eleitoral no meio do caminho), ainda assim, não conseguimos alcançar na plenitude alguns setores importantes que geram emprego, renda e tornam as cidades mais vivas e pulsantes.
Isto me faz refletir muito sobre a lógica tradicional do fomento, que muitas vezes é a única forma de sobrevivência para milhares de artistas (e há de ser reforçada e modernizada), porém, há uma outra parte gigante deste universo que sempre esteve aí, independente dos editais, e que precisam cada vez mais de um olhar atento do poder público. Penso que o desafio, portanto, é não apenas conseguirmos dar conta dos inúmeros artistas e equipamentos que geralmente participam das linhas de fomento, mas não são contemplados, mas também daqueles que sequer participam. Sem eles, a cidade inteira perde. Essa reflexão tem me provocado re-pensar as políticas culturais, ampliar nosso campo de visão para que possamos ter políticas públicas mais potentes, contemporâneas e que de fato impulsionem a economia da cultura nas cidades brasileiras.