A Lei, a busca de sua essência
Em sentido amplo lei é toda a regra que impõe uma obrigação ou uma não obrigação. Em sentido estrito é a regra elaborada por um órgão com competência legislativa. No primeiro caso teremos a lei propriamente dita, os decretos, as sentenças judiciais, as portarias, as resoluções, as convenções de condomínios, os estatutos de associações etc. Já no segundo caso teremos apenas as constituições, as leis complementares e as leis.
Resumidamente é o que se pode dizer de conceitos formais sobre a lei, mas, não é sobre isso que pretendo discorrer. A formalidade da lei está muito clara hoje em dia pela facilidade com que observamos o funcionamento das instituições políticas (poderes executivos, poderes judiciários e poderes legislativos) nas diversas esferas. A complexidade da sociedade no século XXI chegou à um nível tal de compartimentação de interesses, por mais paradoxal que pareça, que torna a elaboração, discussão, aprovação e, principalmente, aplicação da lei um constante exercício de vontade. E, é sobre isso, o exercício de vontade, que pretendo discorrer neste texto.
Voltemos no tempo quando as sociedades eram apenas tribais. Nelas o costume ditava o comportamento, os anciões avaliavam as condutas segundo o costume; o costume ditava a moral e essa regra moral se confundia com a conduta social a ser observada por seus integrantes. Por serem pequenas era simples a transmissão da regra moral segundo o costume; e, naturalmente, sua internalização consciente por todos. A vontade de conhecer e aplicar a regra em seu bem e pelo bem de todos era clara; porém, isso não continuou assim. Seja pelo crescimento vegetativo, pela absorção ou fusão com outras tribos, pacificamente ou não, essas sociedades simples e diminutas passaram a se tornar maiores e complexas, e o misto de costumes ou interesse que eclodiu desse crescimento ou dessas uniões foi suficiente para ditar uma nova regra moral, porém, não suficiente para que essa nova regra moral pudesse se impor como regra social. Viu-se então a necessidade de serem estabelecidas regras formais gerais que equilibrassem todos os costumes, segundo os pontos comuns entre eles, uniformizando as condutas individuais em benefício do coletivo, ou seja, a lei.
Assim, a identificação dos pontos comuns entre os diversos costumes possibilitou que a vontade de cada indivíduo o mobilizasse em direção ao cumprimento dessa lei, agora com um caráter geral e acima do costume. Nesse momento, pode-se citar os Dez Mandamentos e o Deuteronômio, ambos da Bíblia, o Código de Hamurabi e, a Lei das XII Tábuas romana. Por outro lado, essa mesma vontade poderia mobilizar o indivíduo à não cumprir essa lei, fazendo com que a lei também autorizasse o uso da força para que fosse observada por todos, especialmente, os que não desejassem cumpri-la.
A vontade é a essência da lei. Se não houver vontade por parte dos indivíduos em observar a lei ela não será eficiente na sociedade; e, nesse aspecto, o legislador deve ter o cuidado de identificar qual a manifestação da vontade da sociedade em que está inserido. Por outro lado, existem leis que se impõem independentemente da vontade social, pois, pretendem organizar o funcionamento da sociedade e, sua observância será mediante o uso da força da sanção administrativa ou penal. Mas, e quando o responsável pelo uso da força não tem a vontade de fazer aplicar a lei, porque também para ele a lei não foi, em sua essência, assimilada como algo bom para si e para todos?
Nesse caso, estaremos diante de uma sociedade que não tem valores elementares arraigados em sua cultura. Seus costumes, sua moral ou seus anseios não são uniformes, em suma, é uma sociedade sem uma identidade clara ou teve sua identidade corrompida por valores menores ou ideologicamente comprometidos. A solução para isso passa pela educação formal. Só a educação formal, cultuando os valores que são comuns e bons à cada um e à todos poderão reconduzir uma sociedade à compreensão do acatamento consciente da lei pela sua vontade, sem a necessidade da imposição da força para tal. E como saberemos quais os valores são comuns e bons? Devemos retornar à simplicidade das sociedades antigas para aprender a retirar da complexidade da sociedade atual o que for “verdadeiramente” comum aos indivíduos nela inseridos e não o “aparentemente” comum, pois, o “aparentemente” comum estará comprometido exatamente pela aparência de utilidade ou de universalidade.
Grupo Impactus Segurança e Facilities
8 aCaro Moretti parabéns pelo excelente artigo. Eu também defendo essa posição em minhas publicações entendendo que a instrumentalização da lei pode ser algo perigoso. Regredir ao modus operandi das sociedades antigas talvez fosse ideal mas tecnologicamente adverso pela velocidade da informação no cenário atual e consequente impacto social. Hoje, gestores públicos de toda ordem tem um grande obstáculo a transpor para, pelo menos, mitigar o risco na condução de sociedades com base na vossa interpretação, por sinal, extremamente oportuna e lúcida. Isso me faz lembrar a aplicação de conceitos ligados aos pensamentos de John Nash e sobre a Teoria dos Jogos, ferramentas com conceitos que podem ser utilizadas para criar parâmetros na criação de leis