LEITURA E ESCRITA NO ENSINO MÉDIO CEJA EM CÁCERES: RESULTADO DE UMA PESQUISA-AÇÃO
Soeli Aparecida Rossi de Arruda (CEFAPRO)
E-mail: soeli.rossi@gmail.com
RESUMO: Aprender a produzir enunciados por meio de gêneros é uma noção ainda recente e vem se expandindo a partir das abordagens acadêmicas e dos documentos oficiais destinados ao ensino de Língua Materna. Nesse sentido, verifica-se a necessidade de pesquisas voltadas à prática de ensino em sala de aula. Para tanto, com uma pesquisa-ação, objetiva-se refletir sobre a prática pedagógica e discursiva dos professores de Língua Portuguesa com vistas ao ensino de leitura e escrita no Centro de Educação de Jovens e Adultos “Professor Milton Marques Curvo”, em Cáceres-MT; identificar se o trabalho desenvolvido pelos professores na prática de sala de aula condiz com as orientações oficiais e quais são as dificuldades mais comuns no ensino de leitura e de escrita no Ensino Médio. O estudo fundamenta-se na perspectiva enunciativa-discursiva de cunho Bakhtininiano, tendo por fundamentos as contribuições de Bakhtin/Volochínov (1929), Bakhtin (1952-1953), Schneuwly e Dolz (2004), Rojo (2000/2003), Brait (2005/2006), Petroni (2008), entre outros autores.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino. Leitura. Escrita.
O ensino de leitura e de escrita tem sido repensado nas últimas décadas pelos estudiosos da linguagem, visando inserir o aluno nas práticas variadas de letramentos. Assim, os gêneros discursivos são tomados como mega-instrumentos de ensino que propiciam a inovação da prática de sala de aula.
Segundo os seguidores da teoria enunciativo-discursiva, aprender a falar, a ler e a escrever é, principalmente, aprender a compreender e produzir enunciados através de gêneros discursivos. Portanto, em virtude de o trabalho com esta noção ser ainda recente e estar se expandindo, verificamos a necessidade de realizarmos esta pesquisa, especialmente para melhor compreender os conceitos de cunho bakhtiniano que tratam do estudo dos gêneros discursivos.
Assim, selecionamos o Centro de Educação de Jovens e Adultos “Professor Milton Marques Curvo” — CEJA, em Cáceres-MT, por oferecer, há vinte e nove anos, exclusivamente, a Educação de Jovens e Adultos (doravante EJA). Outro motivo da nossa escolha deve-se à falta de livros no Brasil que tratem das questões de linguagem específicas para o trabalho de sala de aula na perspectiva dos gêneros discursivos na EJA no Ensino Médio.
Por considerarmos necessário e urgente atender a essa parcela da população, objetiva-se refletir sobre a prática pedagógica e discursiva dos professores de Língua Portuguesa com vistas ao ensino de leitura e escrita no Centro de Educação de Jovens e Adultos “Professor Milton Marques Curvo”, em Cáceres-MT; identificar se o trabalho desenvolvido pelos professores na prática de sala de aula condiz com as orientações oficiais e quais são as dificuldades mais comuns no ensino de leitura e de escrita no Ensino Médio.
Portanto, esta pesquisa enfocará algumas práticas pedagógicas voltadas à leitura e à produção de texto, na modalidade EJA, as quais devem ser identificadas, descritas, analisadas e avaliadas à luz da teoria dos gêneros discursivos, na perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin (1934-1935; 1952/1953/1979), Bakhtin/Volochínov (1929) e contribuições de Brait (2006/2008/2009), Geraldi (2003), Lopes-Rossi (2002), Marcuschi (2008), Menegassi (2008), Paes de Barros (2005/2008), Petroni (2008), Rojo (2000), Schneuwly e Dolz (2004), entre outros.
Para Bakhtin ([1952-53/1979] 2003) o eu só existe em interação com o outro, porque “ser” significa “ser para o outro” e, através dele, para si mesmo. Dessa maneira, o resultado de nossa pesquisa poderá auxiliar não só os educadores de língua materna que atuam na EJA/CEJA em Cáceres, mas aqueles que, de fato, querem superar as dificuldades vivenciadas no processo de ensino-aprendizagem de leitura, de produção de textos orais e escritos.
Bakhtin ([1952-53/1979] 2003), no livro “A Estética da Criação Verbal”, enfatiza que a escolha de um gênero discursivo é determinada em função da especificidade da esfera de produção, na qual ocorre a comunicação verbal. Portanto, cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, a que denomina de gêneros do discurso, ou gêneros discursivos, compostos pelo tripé indissolúvel: conteúdo temático, forma composicional e estilo. Tais elementos, ao mesmo tempo e de maneira automática, são adaptados a um destinatário preciso, a um conteúdo adequado, a uma finalidade dada numa determinada interação verbal, enfim, no todo do enunciado.
Assim, o conteúdo temático se relaciona com a apreciação valorativa do locutor sobre o que pretende dizer ao interlocutor no momento da interação social, tem relação direta com o que pode ser dizível para os possíveis interlocutores; o estilo se realiza através da seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua: pronomes, formas pessoais dos verbos e modificadores das orações. Por sua vez, a construção composicional é o formato do texto como um todo (ordem do título, organização das palavras), ou seja, a estruturação do texto que variará conforme o conteúdo temático e o estilo do gênero discursivo.
Para Rojo (2005), as relações entre os parceiros da enunciação são estruturadas e organizadas em acordo com a distribuição dos lugares sociais que ocupam os locutores e os interlocutores, nas diferentes instituições, no momento da elaboração do discurso, ou seja, na produção do gênero adequado àquela situação comunicativa, pois todos os tipos de atividade mental geram modelos e formas de enunciações correspondentes. Em “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, Bakhtin/Volochínov ([1929] 1999) dividem as esferas sociodiscursivas em dois importantes grupos: do cotidiano, em que as interações são mais familiares, íntimas, comunitárias, entre outras, na maioria das vezes, ligadas às atividades orais; esferas dos sistemas ideológicos constituídos, nos quais ocorrem os discursos da moral, ciência, arte, religião, política, imprensa, em que são utilizados os gêneros discursivos mais complexos — geralmente ligados à escrita (os quais deveriam ser focalizados com maior ênfase na esfera escolar).
Na distinção de ideologias, Bakhtin/Volochínov ([1929], 1999, pp. 118-119) dizem que “a ideologia do cotidiano constitui o domínio da palavra interior e exterior desordenada e não fixada num sistema, que acompanha cada um dos nossos atos ou gestos e cada um dos nossos estados de consciência” e serve para alimentar os sistemas ideológicos constituídos no decorrer das relações verbais e movimentos interativos que modificam a língua. Assim, cada esfera de comunicação é portadora de determinados gêneros do discurso, estes não podem ser compreendidos apenas por intermédio dos elementos linguísticos, mas englobam os elementos extralinguísticos que constituem a situação de produção e envolvem a interação entre os interlocutores (Quem fala ou escreve? Para quem? Com que finalidade? Qual esfera e suporte?). Desse modo, devemos considerar o contexto sócio-histórico da enunciação, os elementos verbais e os elementos extraverbais que possibilitam a significação irrepetível. Só a significação dicionarizada é repetível porque não considera a enunciação.
Conforme Bakhtin/Volochínov ([1929] 1999), para se ter uma compreensão ativa da enunciação, é preciso distinção entre tema e significação. Para os autores, “a significação é o estágio inferior da capacidade de significar. A significação não quer dizer nada em si mesma, ela é apenas um potencial, uma possibilidade de significar no interior de um tema concreto” (idem, ibidem, p. 131).
O tema é superior, ligado a uma situação concreta, dialógica, dificilmente vai se repetir da mesma maneira em diferentes situações comunicativas, pois o contexto sócio-histórico e os destinatários são outros. Para melhor compreensão, o tema da enunciação “Que horas são?”, a cada vez que é usado, sua significação permanece, mas outro tema aparece, pois “depende da situação histórica concreta (histórica numa escala microscópica) em que é pronunciada e da qual constitui na verdade um elemento, ou seja,
“Que horas são?” pode significar “Mãe, o almoço está pronto? num diálogo entre mãe e filho; ou “A aula ainda não acabou, professora?”, quando enunciado momentos antes do sinal bater encerrando as aulas. [...] Daí o termo “ativa” — só se apreende o tema da enunciação se estivermos mantendo um diálogo: a cada palavra da enunciação corresponde uma série de réplicas que formulamos para nossa compreensão. O tema, é, em última análise, o resultado da apreciação (PAES DE BARROS, 2005, p. 48).
Portanto, o objeto do discurso, assumido como tema, recebe um acabamento em função de uma abordagem específica do problema, do material, do contexto comunicativo e do intuito do autor. Para Brait (2000, p. 21), “o tema não pode ser confundido com ‘conteúdo’, na medida em que resulta das especificidades da enunciação, ligando-se às coerções constitutivas do discurso”. O conteúdo determina o nível de profundidade e os processos de seleção na abordagem da realidade; já o tema constitui a visão de mundo próprio do gênero discursivo.
O estilo constitui-se em uma relação dialógica, visto que é influenciado pelo discurso do outro, seja com o intuito de reproduzi-lo ou de negá-lo. Além de o estilo ser determinado pelas unidades temáticas e composicionais, a relação entre locutor e seus parceiros é fundamental para a constituição da enunciação. Essa fronteira entre eu/outro é indefinida, mas não se confunde na construção dos sentidos porque, apesar de sua dimensão individual, resulta da relação entre duas pessoas ou de uma pessoa com um grupo particular. Para Bakhtin ([1952-53/1979] 2003, p. 306), “a escolha de todos os recursos linguísticos é feita pelo falante sob maior ou menor influência do destinatário e da sua resposta antecipada”.
Entendemos que todo discurso é composto por uma escolha não aleatória de palavras, mas estas visam antecipar a compreensão responsiva ativa do outro, o interlocutor e, portanto, são determinantes do estilo. Segundo Bakhtin (ibidem, p. 265), todo estilo é “individual e por isso pode refletir a individualidade do falante (ou de quem escreve)”. O autor esclarece que o estilo se constitui a depender do modo como o locutor percebe e compreende o seu destinatário, conforme a intenção, a valoração expressiva e o objetivo da produção oral ou escrita.
A forma composicional responde pela organização e pela estruturação do gênero. Ela leva em conta os modelos de gêneros discursivos da esfera e as possibilidades de comunicação. Assim, permite não só o reconhecimento do gênero, mas também, segundo Bakhtin (ibidem, p. 261), “a assimilação das condições e da finalidade de cada campo da atividade humana e dos enunciados que ali circulam”.
Para identificar a forma composicional, é preciso observar todos os elementos verbais ou não-verbais que compõem um gênero do discurso: título, subtítulo, ilustração, gráfico, tabela, indicação de alguma informação nas margens da folha, tipos e tamanhos das letras, cores, recursos gráficos em geral, posição das palavras (centralizada, recuada à direita ou à esquerda). Além desses, qualquer outro elemento que chame a atenção, como “as características do suporte possível ou adequado para aquele gênero também devem ser consideradas” (LOPES-ROSSI, 2006, p. 05).
A prática de ensino de leitura e produção de textos tem sofrido alterações desde 1998. Entretanto elas vêm sendo feitas de maneira lenta, pois os professores têm dificuldades de trabalhar em sala de aula com situações comunicativas que sejam dirigidas para uma situação real de comunicação para além da esfera escolar. Geralmente, o leitor do texto do aluno é o professor ou o colega mais íntimo. Petroni (2008) diz ser possível superar a dificuldade de trabalho com a língua(gem) que não tem levado em consideração o enunciado. Para a autora,
uma exposição sistemática a diferentes enunciados, ou seja, a gêneros do discurso socialmente constitutivos é, ou parece ser, uma boa alternativa para aproximar o aluno das diferentes formas de se relacionar com o texto/discurso, uma vez que o trabalho com gêneros discursivos torna possível estimular a postura crítica do aprendiz, ao desvelar as relações de força presentes em diferentes esferas da atividade humana, condicionantes do processo interlocutivo (PETRONI, 2008, p. 10).
Dessa forma, ninguém se assume como locutor a não ser numa relação interlocutiva, em que se leva em conta o outro, o interlocutor (que tem posição social, cultura, identidade, conhecimento, pensamento etc.). Bakhtin ([1952-53/1979]2003) considera que toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva. Trata-se da necessidade humana de “provocar no outro uma reação, uma resposta às suas ações, sejam elas de natureza atitudinal ou linguística” (MENEGASSI, 2009, p. 02).
No CEJA, os alunos, em sua maioria, permaneceram distantes da sala de aula, durante cinco, dez, quinze, vinte anos ou mais; no entanto, ao retornarem para a escola, muitas vezes, vão rever os mesmos conteúdos que estudaram outrora, o que implica um ensino autoritário, no qual a língua é vista como um sistema fixo, de regras e normas descontextualizadas das práticas sociais.
Não só no CEJA, mas em todo processo de ensino de leitura e escrita deveria ser assumido um ensino mais reflexivo (e menos transmissivo), que considere o próprio processo de interação verbal, assim como as esferas da comunicação humana. Quando os professores assumem, em sua prática de sala de aula, os gêneros discursivos, eles possibilitam aos alunos aproximarem-se dos usos de linguagem extra-escolares que fazem parte do seu cotidiano.
Desse modo, no processo de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, é necessário considerar que,
a palavra dirige-se a um interlocutor. Ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido etc.). Não pode haver interlocutor abstrato; não teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no sentido próprio, nem no figurado (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 1999, p. 112).
Ao defendermos que a escola enquanto formadora de cidadãos críticos e os professores que ali atuam no ensino de Língua Portuguesa precisam tomar os gêneros do discurso como objetos de ensino, estamos apostando em um processo de ensino-aprendizagem que considere “as capacidades linguísticas ou linguístico-discursivas, como capacidades propriamente discursivas, relacionadas à apreciação valorativa da situação comunicativa e como, também, capacidades de ação em contexto” (ROJO, 2001, p. 39).
O enfoque oficial do ensino de Língua Portuguesa, nos últimos anos, tem considerado a concepção interacionista de linguagem, mas, ao analisarmos as respostas de nossas entrevistadas, percebemos o quanto é difícil para as professoras vencerem as barreiras impostas pelas concepções de linguagem monológicas, que as levam a centrarem-se em normas gramaticais ou em tipologias textuais — narração, descrição e dissertação — com pouca ênfase na leitura e escrita com base em gêneros discursivos.
As práticas das professoras não têm acompanhado as inovações sugeridas pelos documentos oficiais, apesar do fácil acesso a tais documentos. Mesmo assim, acreditamos ser necessário investimento na práxis pedagógica que possibilite aos mediadores do conhecimento se apropriarem, cada vez mais, dos gêneros do discurso como objetos de ensino de leitura e de produção de textos na prática de sala de aula. Nesse sentido apresentamos algumas respostas de nossas entrevistadas:
trabalho mais com gêneros curtos como revista... com jornal... porque há essa dificuldade de você estar pedindo assim uma coisa maior... (L3)
escrever (frase exclamativa) escrevem... a tem início... meio e fim... tem coesão... tem coerência... éh:: alguma questão da escrita mesmo que escrevem né?... (L6)
eles sentam do lado... daí eu vou explicando a questão... dentro da concordância... da coerência... da coesão... eu vou explicando individual... (L7)
você falou em obras literárias então... não gostam (frase exclamativa) [...] a gente faz como se fosse um semiNÁrio... um bate-papo... pego os pontos daquela obra importante e comparo com a realidade... (L8)
A professora entrevistada L3, ao priorizar os gêneros “curtos”, não assegura a seleção de um gênero específico, como um conto ou uma crônica. A leitura de fragmentos de uma obra não contribui para a formação de um leitor, muito menos de um leitor crítico a interagir com o autor.
A correção da produção escrita do aluno, enfatizando as concordâncias verbal e nominal, a coesão e a coerência são práticas advindas do estruturalismo, perspectiva que vê a língua como um código, capaz de transmitir uma mensagem de um emissor a um receptor, sem considerar o contexto social de interação verbal entre os interlocutores. No processo ensino-aprendizagem de leitura e produção de textos, também no CEJA/EM, é preciso envolver tanto as capacidades linguísticas quanto as discursivas, “como capacidades propriamente discursivas, relacionadas à apreciação valorativa da situação comunicativa e como, também, capacidades de ação em contexto (ROJO, 2001, p. 39).
As entrevistadas L1, L4, L5 e L8 enfatizaram a dificuldade de leitura e escrita dos alunos da EJA/EM; no entanto, podemos perceber que elas se utilizam de metodologias diferenciadas para o desenvolvimento das práticas de sala de aula:
Por ocasião das campanhas eleitorais para prefeito e vereadores... e a capacidade de produção escrita em situações mais próximas da realidade... (L1)
Assim é... eles assim... em duas ou três frases já colocam e acham que já escreveram e então eles tem muita dificuldade de desenvolver uma escrita a partir da leitura deles (L4)
Então todo dia... nas aulas de Língua Portuguesa... meia hora... quarenta minutos antes de encerrar as aulas... eles pegavam os livros e liam e depois no outro dia eles iam escrever sobre o que haviam lido e aí eu tinha o momento de socialização também das leituras e eles passaram a gostar bastante... [...] aí passar a escrever e a gente corrigia né... os trabalhos deles... a parte da leitura... da escrita pra poder ah:: desenvolver mais... (L5)
existe dificuldade... muita dificuldade na escrita e na leitura... porque eles não GOStam de ler... né? a maioria... éh:: eles não gostando de ler... vem a dificuldade pra escrita... [...] aí eu faço uma comparação... de estar comparando aquela obra daquele tempo com o tempo atual... (L8).
Quando os professores de Língua Portuguesa se preocupam com a superação dessas dificuldades no processo de ensino-aprendizagem, eles “estão no caminho certo, desde que [...] permitam ao aluno instaurar-se como sujeito do texto” (PETRONI, 1996, pp. 7-8).
Para contribuir com o a aprendizagem de leitura e escrita, é preciso que as professoras de Língua Portuguesa percebam que nem todos os gêneros se prestam bem à produção escrita na escola/CEJA, “porque suas situações de produção e circulação social dificilmente seriam reproduzidas em sala de aula”. Porém, é necessário que em todas as etapas da educação escolar se ensine o aluno a ler, pois
a leitura de gêneros discursivos na escola não pressupõe sempre a produção escrita. Esta, no entanto, pressupõe sempre atividades de leitura para que os alunos se apropriem das características dos gêneros que produzirão. É por isso que, no meu entender, um projeto pedagógico para produção escrita deve sempre ser iniciado por um módulo didático de leitura para que os alunos se apropriem das características típicas do gênero a ser produzido (LOPES-ROSSI, 2006, p. 75).
Na perspectiva das entrevistadas L2 e L8, a leitura pode ser cobrada do aluno em forma de debate, conversa em sala de aula, seminário, bate-papo etc. E o professor pode comparar alguns pontos da obra que o aluno leu com a realidade dele. Compreendemos que esses gêneros utilizados pelas professoras são instrumentos interessantes porque não pressupõem somente o objetivo da escrita, mas instauram o diálogo como um grande objeto de ensino. Conforme Bentes (2007, p. 121),
as condições de ensino de um gênero discursivo, como objeto, pressupõem a emergência de um conjunto de outros gêneros, tais como: comentários de textos, exposição oral, instruções de comandos orais e escritas, debate, conversa informal etc.
No entanto, se esses gêneros discursivos forem utilizados sem o planejamento do ensino, corre-se o risco de o espaço de sala de aula virar um lugar de animação, de entretenimento. Sabemos que, Bakhtin, no conjunto de sua obra, não esclareceu a distinção entre texto, discurso e enunciado, mas ao se referir à unidade verbal de base, ele sempre mencionou as propriedades estáveis dos enunciados, ou seja, os gêneros discursivos como parte das atividades de interação humana em diferentes situações comunicativas.
Portanto, o trabalho de sala de aula, na perspectiva dos gêneros discursivos, é fundamental para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem de leitura e escrita, especialmente no contexto do ensino básico.
Nessa compreensão, o trabalho com os gêneros discursivos é fundamental para que o processo ensino-aprendizagem de leitura e de escrita seja consciente, pois possibilita aos leitores e escritores perceberem que todo enunciado tem um destinatário, dirigi-se para alguém. Daí a importância de se trabalhar na escola com textos reais, destinados a leitores reais que possibilitam aos alunos posicionar-se em relação aos diferentes pontos de vista que podem assumir no ato da produção de textos.
A intenção principal é acreditar que na escola é possível formar leitores e verdadeiros escritores que aprendem e se assumem como autores de seus próprios textos, isso significa dar aos alunos o direito de se posicionarem.
Ao considerar essa perspectiva, vislumbramos que, no contexto atual da educação de jovens e adultos do Ensino Médio, os professores de Língua Portuguesa ainda não dominam os fundamentos da concepção interacionista de linguagem, a qual objetiva proporcionar sentido às atividades de leitura/escuta, produção oral/escrita, por intermédio dos gêneros discursivos. Esses mega-instrumentos possibilitam desenvolver as capacidades linguísticas e discursivas de alunos de diferentes idades e tempos de aprendizagem no decorrer do processo de ensino e de aprendizagem.
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