Leitura sobre cenário projetual pós pandemia

É impossível passar por um contexto como esse que estamos passando sem se prestar um breve momento de vislumbre de que virá em seguida. O que apresentamos e o que vamos levar dessas experiências pelas quais passamos? 

Bom, eu como arquiteto me coloco nesse exercício já a algum tempo. 

A arte de planejar espaços está diretamente ligada a estudar a vida das pessoas para que seja possível entender suas reais necessidades. E essa questão atual de pandemia pode ser entendida como um laboratório de um grande experimento social se avaliarmos as reações e relações interpessoais que observamos entre familiares, amigos, comunidades e nações.

Se imaginarmos o futuro com um desfecho otimista para essa questão, mas entendendo e respeitando que para muitos de nós que perderam pessoas próximas, ou que sofreram no processo de recuperação contra essa doença isso nunca deverá ser somente uma análise de dados frios para compilação, pois só haverá um real desfecho otimista se aprendermos a ter empatia pelos sentimentos do próximo e batalhar sem medir esforços para que tal evento não se repita no futuro, tanto na questão da saúde como todas as outras catástrofes subsequentes a ela e ao estilo de vida e relações sociais que vínhamos tendo.

Acho que se tivermos a sensibilidade de aprender com todas essas complexas questões e sentimentos poderemos enxergar e reavaliar os ambientes onde estamos inserido e como interagimos com ele, de forma particular ou coletiva.

A minha experiência pessoal, e aqui eu tomo a liberdade de ser bem analítico quanto a isso, foi positiva pela anulação no tempo de deslocamento e pelo tempo que pude passar com a minha esposa e meu cachorro, esse teve um papel muito importante para mim nesses últimos meses, mas percebi como sinto falta das pessoas, sinto muita falta dos meus colegas de trabalho, amigos, até daquelas pessoas que são figurantes da nossa vida, na rua, no transporte, no restaurante, e de como meu coração aperta quando penso nos meus irmãos e pais, em especial deles. Pessoas são importantes para nós, somos seres sociais, mas também aprendemos como é importante ter um espaço particular onde possamos nos abrigar, nos reencontrar, e como é importante que isso seja básico e acessível para todos.

Por muito tempo se falou sobre o módulo básico de morar, e diante de tudo isso imagino que deveríamos repensar não como sendo um módulo mínimo, muito em voga até tempos recentes por sinal, mas sim em áreas adequadas, quartos, sanitários, que são os espaços de maior intimidade para uma pessoa, e de como devem ser proporcionalmente ofertados para famílias de diferentes tamanhos, como esses compartimentos íntimos se relacionam com espaços que precisamos adaptar para trabalhar, estudar, como as inter relações pessoais se desenrolaram em um momento que boa parte da população se viu em um convívio praticamente ininterrupto em que situações de relacionamento já não são mais separadas por um horário como um relacionamento de casal, papel de profissional, de pais e agora, muitas vezes até como educador.

Deveríamos olhar para esses locais como critério para buscar a salubridade, tanto física como psicológica de seus ocupantes, e nesse contexto o tema da biofilia, um conceito que já vem ganhando fôlego a um bom tempo se tornou ainda mais emergente, entendo eu devido a percepção das pessoas de como a natureza é importante e como ela faz falta em suas vidas para alcançar tais salubridades, e de que modo devem ser consideradas nos espaços em que habitamos. Acredito também que essa necessidade não é só questão estética, de ter uma sala repleta de belas espécies, mas sim da necessidade das pessoas de cuidar, nós, como espécie surgimos como caçadores, mas só nos estabelecemos como sociedade através do cultivo, posso dizer que somos uma espécie de cultivadores. Para aqueles que tem um vaso que seja vão entender o que estou dizendo, um espaço com a participação de um indivíduo da flora se torna um espaço mais humanizado, e percebendo isso em nosso lares talvez abraçaremos mais a importância que as áreas verdes na cidade, como praças, alamedas, parques, e não cito esses espaços aqui por sua importância como reguladores de microclima ou com a sua prestação de serviço ambiental para o meio urbano, mas sim como ambientes humanizadores dentro das cidades, e que isso abra portas para nossa reinterpretação das relações que temos com as ruas por exemplo.

Como arquiteto também posso dizer que aos arquitetos, aquela “velha jaqueta da razão absolutista” para o desenvolvimento de espaços urbanos já não lhes cai bem, a muito tempo por sinal. As relações interdisciplinares se fazem mais importantes que nunca, talvez pelo atraso da iniciativa, incluo aqui a voz da comunidade como portadores da identidade e anseios locais. Mas talvez para o arquiteto sirva melhor uma “camisa de liderança”, que possa compreender tudo o que todas as mãos possam somar ao resultado final, a desafiadora tarefa de equilibrar as exatas e humanas sem perder a sensibilidade de entender com que olhar uma criança verá o que foi proposto, já que em essência tudo deve ser proposto pensando nela, na geração que está por vir, e o que de melhor seremos capazes de pensar, preservar e proporcionar a elas, assim como poderemos instigá-las que a fazer o mesmo para as suas crianças.

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