Ler e ouvir
Ler é um ato de vontade, um vício, uma necessidade ou um prazer?
Se pensarmos que o leitor é a pessoa que atribui ao escritor um julgamento sobre o que está lendo, é compreensível imaginar que o gosto pela leitura varia de acordo com o que cada um de nós tem dentro de si para compreender ou tirar prazer do que está lendo.
Gostar de ler Machado de Assis, Guimarães Rosa, Proust, Mallarmé ou Juan Rulfo faz com que o leitor seja diferente daquele que lê Harold Robins, Danielle Steel ou Agatha Christie? Policiais ou ficção; autoajuda ou religiosos? Bem, seja qual for sua preferência, será possível ficar indiferente a uma estrofe como essa?
“Hoje escrevo porém para a Saudade/— Nome que diz permanência do perdido/Para ligar o eterno ao tempo ido/E em Murilo pensar com claridade —."
A portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen escreveu esses versos no poema “Carta de Natal a Murilo Mendes”, em dezembro de 1975, depois da morte de seu amigo, o brasileiro Murilo Mendes (Em: O nome das coisas. Lisboa: Moraes, 1977).
Vamos ler novamente o trecho de um verso: “Saudade – nome que diz permanência do perdido”. Ora, ao lermos separadamente as palavras saudade-nome-permanência-perdido não vemos ou damos a elas um valor literário, mas organizadas pela poeta Sophia Andresen elas saem do nada e se transformam, ganhando coerência e força.
“A produção literária tira as palavras do nada e as dispõe como todo articulado”, afirmava Antonio Candido. (Em: Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011).
Aproveitamos a afirmação de Antonio Candido para observar que alguns poetas da música também tiram as palavras do nada e as dispõem como todo articulado. Vamos ler algumas palavras soltas: queixa-rosa-bobagem-falar-exalar-perfume-roubar. Porém, vejamos o que elas dispõem quando Cartola as coloca de forma articulada no trecho da sua canção “As rosas não falam”:
“Queixo-me às rosas
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti”.
Cartola soube, como poucos, transformar o banal em poético.
A Plano Be começa 2018 sugerindo que você leia e ouça obras de qualidade, lembrando do poder humanizador da literatura e da música.