Levei um tombão na rua e morri de vergonha
Local da queda na Tijuca - autoria própria

Levei um tombão na rua e morri de vergonha

Pois é. Neste domingo pela manhã, no final de uma corrida de 6 km, tropecei em um desnível da calçada e caí.

Tenho me esforçado bastante para melhorar minha saúde e meu condicionamento físico. Como parte das atividades necessárias para chegar a este fim, tenho pedalado na bicicleta ergométrica e feito corridas leves. Ainda não cheguei na meta, mas tenho sido consistente. Já superei o estágio do sedentarismo.

Saí de casa cedo e, ao contrário do circuito normal, em que eu costumava caminhar até o Maracanã e dar entre duas e quatro voltas em seu entorno, decidi correr na rua mesmo, começando na frente de casa, para economizar tempo.

Saí em direção à grande avenida da Tijuca – Conde de Bonfim – e a segui no sentido centro. Corri até a esquina da rua Paulo de Frontin, fiz a volta e retornei. Na praça Saenz Peña retornei para as ruas internas do bairro, e foi aí que aconteceu o problema.

Certamente as calçadas da Tijuca, um bairro antigo, não são as melhores do Rio de Janeiro. São bem ruins, na verdade. Procurei me manter atento às passadas por ter isso em mente. Nos metros finais, literalmente na calçada oposta à do condomínio onde moro, meu pé esquerdo esbarrou em uma rampa na calçada e eu caí.

Ao mesmo tempo que a queda foi muito rápida, lembro de cada detalhe como se tivesse acontecido em câmera lenta. Meu cérebro registrou tudo. A partir do momento que meu pé travou e meu corpo foi projetado para a frente, passei a ter respostas instintivas, que não dependeram de decisões conscientes, mas foram avaliadas e registradas em tempo real. Quando iniciou o desequilíbrio, minhas pernas aceleraram para tentar dar passos mais rápidos, tentando recuperar o equilíbrio. Foram dois passos, mas a altura foi insuficiente e ficou claro que a queda seria inevitável. Neste momento, as mãos se projetaram à frente, eu olhei para o piso de cimento bruto e pensei: “Vai ralar minhas mãos e vai doer”. Tentei firmar o corpo para as mãos não escorregarem tanto, mas não adiantou e deu para ouvir o ruído das mãos atritando com o solo. É desagradável. E doloroso.

No momento seguinte, senti o joelho direito batendo e a lateral da perna esquerda batendo e arrastando no chão. Doeu menos do que eu imaginava. Assim que me encontrei no chão, me levantei rapidamente, olhei em volta, atravessei a rua e entrei no prédio onde moro.

Fui surpreendido pelo que senti imediatamente depois da queda. Vergonha. Senti muita vergonha de ter caído, de me fazer de idiota, de não ter prestado mais atenção ou evitado aquelas calçadas que eu sabia que eram problemáticas.

Na área comum do prédio, disfarcei um pouco, me alongando da corrida, e olhei os ferimentos no joelho, na perna e nas mãos. Somente escoriações, sendo a pior no joelho, mas nada sério.

Cheguei em casa e contei para minha esposa o que tinha ocorrido e o sentimento que surgiu logo depois. Ela, psicóloga, me explicou que a sensação de vergonha neste caso era esperada, pois é como as pessoas normais se sentem nestas situações.

Ao longo do dia de ontem pensei bastante no ocorrido e busquei traçar paralelos com o mundo do trabalho e da segurança. Em primeiro lugar, faço um elogio a esta maravilha que é o corpo humano, e consequentemente ao nosso Criador. O corpo humano é forte e bem projetado, com reforços e proteções nos locais mais expostos e reações automáticas em casos de emergência. Neste domingo eu testei a pele mais grossa da palma das mãos e o osso denso que protege a articulação do joelho, a rótula. A resposta de emergência em quedas também foi testada.

A partir do momento do desequilíbrio, todas as respostas foram automáticas e focadas em preservação e minimização de danos ao corpo. Certamente não fui o primeiro e nem o último humano a tropeçar e cair desde que surgimos no mundo. As respostas instintivas são perfeitas para questões simples como “quedas de mesmo nível”, usando o jargão da segurança do trabalho. E no ambiente industrial? Os riscos não têm necessariamente paralelo no mundo natural, e consequentemente as respostas instintivas não são tão eficazes e podem ser até contrárias à preservação, tal como ocorre com choques elétricos, que podem contrair os músculos e impedir que se fuja do perigo. Existem muitos outros exemplos da inadequação das respostas instintivas do corpo humano aos riscos, tantos que a explicação exigiria um livro inteiro para explicar. Assim, é necessário estudar os perigos do ambiente de trabalho e proporcionar escapes adequados para todos os riscos identificados e minimizar a dependência dos instintos dos trabalhadores.

Dediquei muito mais pensamentos ao sentimento da vergonha surgido após a queda. Assim como eu me senti envergonhado por ter caído, pois eu sabia dos riscos (calçadas irregulares) e “não prestei atenção” na minha passada, imagino que um trabalhador acidentado também sinta algo semelhante.

Eu não queria cair, estava focado em terminar minha corrida, que estava em seus metros finais. Eu já estava cansado e me parabenizando mentalmente por ter conseguido chegar sem caminhar (muito) no trajeto.

Da mesma forma, os trabalhadores acidentados com quem conversei após seus acidentes, também estavam focados em suas tarefas, não desejavam se acidentar e demonstravam remorso de terem sido vítimas de acidente.

No meu caso, fui acolhido pela minha família e ficou claro que não havia do que me envergonhar. Sou humano, escolhi cuidar da minha saúde ao invés de ficar vendo TV no sofá e enfrentei os riscos da melhor forma que pensei. Escolhi um trajeto razoável e me mantive longe dos automóveis, tomando cuidado em cada cruzamento. Eu até poderia ter escolhido correr em locais mais seguros, como no entorno do Maracanã como fiz muitas vezes, ou na Quinta da Boa Vista, ou na enseada de Botafogo, que é maravilhosa. A escolha de correr na Tijuca mesmo foi feita de acordo com a aplicação inconsciente do princípio ETTO: Maracanã, Quinta da Boa Vista ou enseada de Botafogo exigiriam mais tempo e/ou dinheiro, e no caso destas duas últimas, um deslocamento de automóvel e incomodação com estacionamento. Para me exercitar pela Tijuca era só abrir o portão e sair correndo, o que é muito mais eficiente.

Nos ambientes de trabalho, a administração do risco individual também é feita de acordo com o princípio ETTO, mas de forma bem mais intensa, pois as pressões por resultados costumam ser bem maiores, tornando o equilíbrio entre fazer as tarefas de forma cuidadosa ou eficiente mais crítico.

Com isso, chego aos pensamentos finais do meu pequeno acidente de pedestre e sua relação com o mundo do trabalho:

  1. Não existe “Risco Zero”. Sempre existe algum risco, por menor que seja. Mesmo a pista do Maracanã tem desníveis e ressaltos que poderiam causar uma queda. Lá também tem ciclistas e outros corredores fazendo o percurso em sentido contrário, podendo gerar uma trombada ou atropelamento, por exemplo. O mesmo acontece nos ambientes de trabalho, de forma ampliada.
  2. O princípio ETTO ocorre o tempo todo, seja em nossa vida pessoal ou no trabalho. Cabe pensar se as escolhas a serem feitas são favoráveis e permitem um equilíbrio razoável entre exposição ao risco e eficiência da tarefa.
  3. Sentir vergonha após um acidente é normal e mesmo que “pudesse ter sido evitado” – o que nem sempre é possível, mas é conversa para outra hora – não há razão para remorso, pois não se trata de erro voluntário (pessoas normais não se acidentam por que querem)
  4. Acolhimento após uma ocorrência é importante. A pessoa que se acidenta se sente péssima e isso piora caso ocorram recriminações. Além da dor física, é humano dar algum apoio moral à vítima.

E você? Já se acidentou? O que acha dos pensamentos colocados acima?

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