«A lição de João Almeida»
(a minha crónica de hoje, no jornal «A Bola», no espaço «Lá, onde a coruja dorme»)
PEDI há dias no Twitter que parassem de agradecer a João Almeida porque o Giro não tinha terminado. O português tinha perdido a maglia rosa ao fim de 15 dias de superação, durante os quais fez um país sem cultura desportiva e imbuído de clubismo primário – que substituiu o gosto do desporto pelo escárnio e pela manifestação de superioridade – desviar o olhar do futebol-eucalipto, que seca tudo à volta, para uma modalidade massacrada pelo doping, a consequência da necessidade de resposta dos ciclistas à exigência sobre-humana que lhes é colocada à frente.
A resiliência nas curvas e contracurvas do Stelvio, já depois de tantas etapas em que se defendeu sem a sustentação de uma equipa preparada para tamanhas responsabilidades, obrigava-nos a continuar a olhar. Mesmo depois da desilusão, o João agarrou-se ao momento. Um momento que nem ele podia assegurar que iria repetir-se. Por isso, continuou a lutar. Deu-nos uma lição. O 4.º lugar é feito extraordinário para quem fez a primeira grande Volta, não é chefe de fila e não era suposto estar presente, e faz parte de uma equipa montada para duas semanas e não três. No entanto, a maior conquista é ter posto o país a olhar para ele.
João Almeida é mais um produto de um desporto de menor expressão – quando comparado com o futebol, não na dimensão dos atletas ou da história – tal como Rúben Guerreiro e Rui Costa, e outros como Fernando Pimenta, Nélson Évora, Frederico Morais, João Sousa ou Telma Monteiro, dos quais só nos lembramos quando ganham nas respetivas modalidades ou durante os Jogos Olímpicos. No país do eucalipto, estes heróis só poderão crescer quando a mentalidade mudar. Já há massa crítica low cost, agora imaginem o que seriam se gostássemos de desporto e realmente apoiássemos os Joões Almeidas.
Técnico de Arquivo na Reisswolf
4 aExcelente texto