A lição não óbvia de A Bela e a Fera que todos escutam e muitos ignoram

A lição não óbvia de A Bela e a Fera que todos escutam e muitos ignoram

– Espera aí, Eduardo! Uma estorinha de princesa? Você bebeu?!?

Não, pois não gosto de álcool e sigo escrevendo absolutamente sóbrio, mas sugiro antes de continuar que deixe o preconceito e o pré-julgamento de lado, ok? Fique tranquilo que não cairei naquele papinho de mulherzinha de que “o vestido da Bela é o mais lindo”, assim como também passarei por cima desses pré-julgamentos da maioria dos homens que ainda não viraram pais de meninas, e que talvez por isso mesmo de uma forma em geral irão continuar olhando torto para as princesas porque estão apegados aos super-heróis e vilões da vida.

Tudo bem, entendo porque eu também ERA assim.

Quem me acompanha por aqui já sabe que desde o dia em que a minha filha viu o desenho aonde o Mickey mandava o Pato Donald colocar o cinto de segurança ao entrar no carro, nunca mais ela chorou ou se recusou a colocar o cinto. E, desde então, fiquei cada vez mais atento sobre como usar muitas destas lições que são passadas nos mais variados tipos de desenhos e estórias como apoio para refletir e ajustar determinadas situações do cotidiano – tanto no dela como no meu.

Com o novo e sensacional filme A Bela e a Fera, a festa foi completa por três razões:

  • Disputando cabeça a cabeça com O Mágico de Oz, é a estória que a minha filha mais pede que seja lida – o que tanto eu como minha esposa já devemos ter feito mais de cem vezes nos últimos seis meses (e continuaremos fazendo com gosto!);
  • É a Disney em estado de graça no que talvez tenha sido o melhor filme com “personagens de verdade” (como diz a minha filha) de todos os tempos (melhor que O Mágico de Oz?);
  • É uma estória tão genial e fascinante que deveria fazer parte do curriculum obrigatório de formação em todas as escolas.

A questão é que na ânsia do ser humano em resumir as coisas, de preferência numa moral da estória retumbante, na grande maioria das vezes a solução final (o “como”) tende a falar sempre mais alto que as razões que a criaram (o “por que?”).

E A Bela e a Fera é um belo (literalmente) exemplo disto, pois a moral da estória, que chamarei de “lição óbvia” que é passada e enfatizada de geração para geração, é aquela velha conhecida e cantada em verso e prosa para não julgarmos os outros pelas aparências, pois o importante é a beleza interior que está no nosso coração.

Perfeito e brilhante, lindo e emocionante, MAS não é só isso.

Ok, talvez o fato de você ter que conviver durante 75% do tempo da estória com aquela figura “horrenda” de certa forma obrigue a sua mente a permanecer em stand-by com apenas um adjetivo (ou derivado) em mente: feio. E, após o final, todos levamos para casa essa tal lição óbvia tatuada em algum canto do cérebro, usando-a de modo até pejorativo com quer que se aproxime dos nossos filhos, amigos e até de nós mesmos, resumindo tudo num “ele é feio, mas é bonzinho como o príncipe da Bela e a Fera”.

Pois é, quem nunca?

O grande ponto é que todo mundo se esquece rapidamente do porquê que ele foi transformado em fera e ficou “feio” – e é esta a grande lição que chamo de “não óbvia” justamente porque a maioria das pessoas passa batido por ela o tempo todo.

Já imaginou se de repente cada um de nós também fosse transformando em fera por causa dos nossos atos egoístas e de desprezo/humilhação pelos outros seres humanos (e animais também)? Já pensou como ficaria a sua cidade?

Nesta última greve geral, que também parou o transporte público em São Paulo, por exemplo, ia faltar rosa no planeta para dar conta dos feitiços que teriam que ser feitos em todas as feras estressadas que estavam por aí atrás dos volantes tentando se matar no meio do trânsito caótico para ocupar 1 cm na frente ou quase “por cima” dos outros, que estavam parados com cara de babacas do tipo “a culpa não é minha” no meio dos cruzamentos após furarem os sinais vermelhos ou ainda tentando atropelar os pedestres que insistiam em andar em cima das faixas só porque o Waze descobriu novas rotas nunca dantes navegadas.

São em momentos de crise como a desse exemplo cotidiano que essas pequenas atitudes revelam muito sobre se essas feras de fato querem o fim da corrupção ou se, na verdade, querem apenas o fim da corrupção dos outros; se querem gerar gentileza de forma real e imediata para o próximo ou se apenas querem curtir e compartilhar atos gentis feitos e filmados por terceiros como forma de darem um sonrisal para a alma; se querem ajudar a fazer do nosso bairro (cidade, estado, etc) um lugar melhor para se viver ou apenas um lugar melhor para SI viver.

O ponto de atenção é que cada ação normalmente gera uma reação no mínimo da mesma intensidade e tudo começa com a educação, ou melhor dizendo, com a falta dela.

A minha filha de três anos, por exemplo, ainda acredita que se continuar tendo “atitudes deselegantes” (que é como ensinamos a classificá-las), estará correndo o sério risco de também virar uma fera, e é justamente por isso que ela tem medo da Fera – não porque ele é “feio”, mas sim porque ela não quer de jeito nenhum sofrer uma transformação igual a dele. E assim ela segue se policiando para continuar fazendo o que é correto dentro do que é possível na realidade dela.

O tempo irá passar e, quando essa magia começar a dar espaço para a realidade, as crianças irão descobrir (como os adultos já descobriram) que elas não correm nenhum risco de se transformarem de verdade e então haverá sim um grande risco delas ligarem o foda-se – principalmente se tiverem tido uma base de apoio (pais, tutores, etc) que também já tenha agido desta mesma forma “delargando” a educação para a tv, professores e outros que não eles.

Será a partir daí que identificaremos quem conseguiu crescer fazendo bem essa transição da ficção para a realidade de forma tranquila, entendendo que poderá fazer a diferença no mundo com a ajuda do próprio mundo, e quem chegou a conclusão que o mundo só existe para servi-lo do jeito e na hora que lhe der vontade.

No final das contas, caberá a cada um de nós monitorar sempre a nossa fera interior e refletir sobre o porquê de continuar insistindo em ter determinadas atitudes egoístas e deselegantes, pois mesmo que isto não nos transforme fisicamente numa pessoa mais feia, certamente uma mudança positiva de atitude nos transformará tanto em seres-humanos melhores como, principalmente, ajudará o nosso mundinho a se tornar um lugar cada vez melhor para viverMOS.

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Gostou? Para ler outros artigos, acesse meu blog: www.circulosvirtuosos.com

E para conhecer o meu livro "Se esquecer seu coração lá em casa, não o devolverei!", que fala sobre a fuga do círculo vicioso da inércia e a redescoberta do propósito de vida, acesse o site: www.eduardolopes.com



Eduardo Lopes; a alguns anos atrás; participei de um grupo de estudo de psicanalise e utilizamos o livro do Bruno Bettelheim (Psicanálise dos Contos de Fadas) como apoio e foi muito bom. Abraço.

Estamos vivendo a era da estética, do Eu e Desdém . Parabéns pelo seu artigo. Seria muito interessante que tivéssemos essas transformações diariamente. Que os(as) agressores fossem transformados em bichos indefesos até apreender a respeitar o Ser Humano.

Parabéns pela reflexão! Ao longo dos últimos trinta anos; os contos de fadas, foram materiais de estudos para pesquisadores analiticos do comportamento afetivo de seres Humanos. É um assunto muito interessante.

Boa Edu! Muitas vezes vamos alimentando o nosso monstro interno e é o que acabamos nos tornando, embora o melhor de nós ainda esteja lá escondido e enfraquecido. Acho que o filme fala também de não desistirmos de uma pessoa, por pior que ela pareça, podemos ter boas surpresas.

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