'Lições que aprendi sendo estagiária aos (quase) 30 anos' ou 'Como não ter medo de começar de novo.'
Uma das frases que eu mais escuto é 'Nossa, Binha, você é muito louca'.
99% das vezes essa frase é dita quando eu compartilho que cheguei a abandonar um curso de graduação na hora da monografia. Como eu gosto bastante de compartilhar essa história e, consequentemente, sou chamada de louca com bastante frequência, é ela que resolvi compartilhar com vocês hoje.
Quando pensei em escrever esse artigo, fiz o que a maioria dos professores de redação NÃO recomenda e comecei escolhendo o título. Tive a ideia de chamar de "Lições que aprendi sendo estagiária aos (quase) 30 anos" ou então algo mais motivacional, tipo "Como não ter medo de começar de novo." e como não consegui me decidir entre os dois, resolvi colocar ambos. Mas já aviso que isso não é uma história sobre abandonar tudo para perseguir a minha verdadeira paixão.
Primeiramente, eu realmente tenho quase 30 anos (28 é quase 30, certo?) e sou estagiária. Muita gente se surpreende um pouco com essa informação, e socialmente falando, aos 30 já é esperado que uma pessoa tenha tudo resolvido, esteja com a vida consolidada e feliz, e não começando uma nova carreira. Eu confesso que às vezes também penso nisso, mas se eu cheguei até aqui foi resultado das minhas escolhas, o que me leva ao segundo título desse artigo, que fala sobre como não ter medo de começar de novo. Eu abandonei um curso na monografia porque eu não gostava dele, e isso é totalmente lógico, não?
A primeira pergunta que você pode estar se fazendo é: "Como foi que você conseguiu estudar 4 anos se não gostava do curso?"
Em 2009 eu prestei o vestibular modelo antigo da UFMG e ingressei no curso de Ciências Sociais. Para ser sincera eu não sabia muito bem o que era, mas tinha feito uma matéria de sociologia no colégio e gostado muito, então foi nisso que baseei minha escolha de carreira. Eu nunca fui uma aluna muito dedicada no colégio, apesar de sempre tirar boas notas. A minha sensação era sempre 'bom, acho que eu não gosto mesmo de estudar' e foi ela que eu carreguei durante quase toda minha vida. Quando ingressei na faculdade era a mesma coisa. Eu estava ali, realizando um sonho (talvez mais da minha família do que meu) de estar em uma das melhores universidades federais do país, deveria ser incrível, certo? Mas não era. Eu saía das aulas desmotivada e achava tudo um saco enquanto olhava ao redor e via meus colegas extremamente empolgados conversando sobre o Durkheim, a solidariedade orgânica e os clássicos da antropologia. "Bom, acho que eu não gosto mesmo de estudar.". 4 anos depois lá estava eu na sala de Metodologia IV precisando explicar para um professor que eu nunca havia visto na vida qual seria o meu projeto de monografia. Foi nesse dia que eu resolvi largar o curso.
Na época, eu, com 23 anos, trabalhava como professora de inglês em uma dessas escolas particulares e estava relativamente satisfeita, apesar de sentir que não era bem aquilo que me motivava. Eu comecei a ler, no original, "O apanhador no campo de centeio" e uma coisa me chamou bastante atenção: o narrador sempre usava a expressão '...and all' nas frases. "My sister and all...", "I fell asleep and all...' e eu fiquei encucada com aquilo, pensando como será que essa mania dele foi traduzida para o português. De repente me ocorreu trabalhar com tradução. Eu já falava inglês de forma fluente e gostava muito de ler e assistir séries, imagina só ganhar a vida fazendo legenda para as séries da Netflix? Era um sonho. Pesquisei sobre alguns cursos independentes de tradução, achei um que custava R$8.000,00 e esse virou meu objetivo. "Vou juntar oito mil reais e fazer esse curso". Bom, claro que isso não deu certo, afinal, meu salário era basicamente 10% disso. Um dia me ocorreu: 'e se eu fizer o ENEM e tentar entrar no curso de Letras?'. Boa impulsiva que eu sou, entrei no site do ENEM e fiz a inscrição no mesmo dia.
Como meu irmão mais velho já tinha me feito a cortesia de abandonar um curso no TCC (o dele era em universidade particular) e esconder isso por 1 ano dos nossos pais, o caminho para eu abandonar o curso já estava bem livre. Avisei em casa que ia largar para fazer Letras e fui recebida com um 'larga mesmo, filha', vindo da minha mãe. Esse sim foi o verdadeiro milagre da história.
Encurtando uma história longa, em 2015 estava na UFMG me matriculando pela segunda vez. Logo no primeiro dia tínhamos que escolher a habilitação e ênfase do nosso percurso, e quando chegou o momento, marquei sem pestanejar a decisão mais clara da minha vida: 'Inglês: bacharelado em tradução'. Hoje eu estou quase me formando em 'Português: Estudos linguísticos do texto e do discurso'. ops.
A essa altura do campeonato eu já estava bastante frustrada com dar aulas de inglês, mas eu não morava mais em casa e precisava me sustentar de qualquer jeito. Pulei de emprego algumas vezes, em certo ponto cheguei a dar aula em 3 lugares ao mesmo tempo e trabalhei até em uma secretaria do Estado por uns tempos (atendia o telefone). Nesse meio tempo descobri a existência do marketing inbound e da produção de conteúdo. Pronto, eu amava escrever, já estudava Letras e queria mudar de emprego, seria o sonho. Fiz alguns cursos gratuitos na internet sobre produção de conteúdo e decidi que era aquilo que eu seria boa e queria fazer! Fui em muitas, muitas, muitas entrevistas nesse período. Algumas empresas respondiam com o 'Sentimos muito, |*PRIMEIRO_NOME*|, mas guardamos seu currículo para o banco de talentos' e outras nem isso.
E não é que cerca de uns 6 meses após um processo seletivo uma dessas empresas realmente tinha guardado meu currículo no banco de talentos e me retornou me oferecendo uma vaga de estágio? E foi assim que eu vim parar na Samba Tech há 1 ano e meio, aos 26 anos, começando uma carreira nova, em uma área que nem é a que eu estava esperando entrar.
O que isso tudo tem a ver com os dois títulos desse artigo?
É fácil a sensação de estar (re)começando enquanto a maioria das pessoas ao seu redor parece ter bastante certeza e, na maioria das vezes, é muito mais nova que você? Não, realmente não é, mas, será que elas realmente têm certeza? A gente critica tanto o fato de, no Brasil, termos que escolher nossa profissão aos 16, 17 anos, mas será que estamos tão preparados assim para uma escolha definitiva aos 25, 26? Que mal tem assumir que erramos e começar de novo? Aliás, será que eu realmente comecei de novo?
Quando eu fiz o vestibular a primeira vez e não passei, meu irmão me disse 'Bi, conhecimento não se perde, o que você aprendeu esse ano não foi perda de tempo.' e eu tento me basear nisso sempre que sinto que sinto que estou 'abandonando' algo. Tudo que eu fiz, independente se tive o diploma na parede ou não, eu levo comigo e faz parte de quem eu sou. Não há mal nenhum nisso. A gente se planeja, planeja, planeja e, raramente as coisas acontecem dentro do esperado, então, eu tento sempre me manter mais aberta às oportunidades e aprendizados do que aos planos que fiz quando eu não era quem sou hoje. E é por isso que eu não me arrependo de ter "começado de novo" tanto .
Eu tive sorte? Muita! (Muitos privilégios também) Primeiramente, não é todo dia que uma empresa resolve realmente investir em um profissional de outra área como fizeram comigo, e eu sou extremamente grata e feliz por ter tido essa sorte. (Assim como também dá aquele frio na barriga entrar em uma área sentindo 'será que eu vou ser capaz'?). Mas no fim, é aquele papo já manjado aqui no LinkedIn, né? Será que eu realmente tive sorte ou minhas escolhas que me trouxeram aqui? Assim como no caso do título, não dá para me resolver entre os dois, então fico com ambos. :D
Mas já que você chegou até aqui, vou ser honesta com você: o quesito financeiro pesa um pouco sim, é verdade. Ter a minha idade e sobreviver com um salário, benefícios e estabilidade de contrato de estágio não é muito fácil, mas, isso é algo que eu não penso com muita frequência (já mencionei tanto os privilégios quanto o costume de dar meu jeito de fazer as contas ficarem no azul no fim do mês).
A moral da história que eu tento trazer é: calma! Está tudo bem não estar encaminhado aos vinte e poucos, trinta e poucos, quare.... Há aprendizado em todas as escolhas, até mesmo nas escolhas erradas. Às vezes caminhos que a gente nunca imaginou aparecem, e é importante manter-se atento a eles também. É por isso que eu avisei lá em cima que isso não é uma história de como eu abandonei tudo para correr atrás da minha verdadeira paixão, afinal, eu tenho várias!
No próximo semestre eu já me preparo para apresentar meu projeto de monografia para algum professor que eu talvez nunca vi na vida, mas dessa vez eu tenho 99% de certeza que não vou largar.
Mestre em Comunicação Social • Bacharel em Filosofia • Especialista em Marketing • Branding • Vendas
6 aQue relato! Conheci essa segunda figura na UFMG e já admirava sem conhecer a história por trás. Meu percurso também foi de 2009 pra cá. Com uma jubilação no meio, estou formando nesse semestre depois de longos 9 anos na graduação em Filosofia. Arrependimento? Nenhum. Obrigado por nos inspirar com essa joia de artigo que está no meu top três do ano. Parabéns!
Coordenadora Sustentação - 4TAX Fiscal Seidor Brasil || Desenvolvimento de pessoas e equipes || Análise de perfil comportamental, plano de ação e definição de metas.
6 aAmei seu texto! Parabéns 😙
Empresário Digital | Vendas Online
6 aTexto foda, Binha! Muito massa tua história e de como foi de ajustando e se renovando em cada momento. Parabéns!
Student at Universidade Federal de Minas Gerais
6 aSensacional
Business Development Specialist LATAM
6 aUm dos melhores artigos que li, fico extremamente feliz de ter estado próximo de uma pessoa como você. Parabéns por tamanha clareza e obrigado por compartilhar.