Liberdade de expressão não é liberdade de agressão

Liberdade de expressão não é liberdade de agressão

Há pouco ouvi o Presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, dizer que liberdade de expressão não é o mesmo que liberdade de agressão. Essa frase me relembrou uma pequena reflexão que fiz há alguns anos sobre o papel das redes sociais na polarização política e acho importante falar mais uma vez sobre o tema.

É certo que a liberdade de expressão é vital para o fortalecimento de qualquer sociedade democrática, pois permite a manifestação de vozes individuais e o enriquecimento dos debates sociais, mas a internet e a globalização trouxeram grandes desafios para essa liberdade. Ao mesmo tempo que democratizaram o acesso à informação, também transformaram a comunicação de uma maneira nova, inesperada. As mídias digitais, ou mais especificamente as redes sociais, surgiram como uma proposta de se tornarem o território do debate, da democratização do debate. Só que, hoje, o que menos se vê é diálogo. O que menos tem em rede social é conversa, principalmente quando se fala sobre política. Você tem tese, tem antítese, mas ninguém chega a síntese alguma.

Rede social não é território de diálogo, é disputa de território. O que vimos nas últimas eleições, e ainda vemos hoje em dia, é que cada um tem a sua bandeira e tenta fazer com que a sua seja mais verdadeira que a outra. Cria-se a dramaturgia que for para que isso aconteça. Vivemos uma época em que a própria realidade acaba sendo posta em dúvida, pois há um deslocamento da lógica. Se você está perdendo um debate, você pode reinventar a realidade por trás dele (e tudo isso de dentro de casa). O debate virou propaganda e a razão da gente não chegar numa síntese, é porque virou propaganda versus propaganda.

A facilidade de acesso à informação é sim um grande avanço, mas exige responsabilidade. Os algoritmos de interesse, que entregam conteúdo baseado nas preferências do usuário, contribuem significativamente para uma polarização, pois criam bolhas onde as pessoas só veem o que mais lhe convém, impedindo a exposição de ideias contraditórias. E mesmo quando as pessoas têm acesso à outras ideias, já estão tão fixadas nas suas próprias que ignoram quaisquer outros fatos.

O escândalo da Cambridge Analytica demonstrou a profundidade desse problema com algoritimos. Se você não conhece a história, a Cambridge Analytica foi uma empresa que trabalhou em diversas campanhas eleitorais, especialmente nos Estados Unidos, eu acho. Entre 2014 e 2018, ela desenvolveu e implementou uma metodologia que mapeou os desejos das pessoas através de dados pessoais que coletou na internet. Ao compreender esses desejos, conseguiu criar um cenário que influenciou e manipulou a opinião pública de uma maneira surpreendente, que ainda não havia sido feita. O que foi possível observar com o caso é que quando você conhece o desejo de uma pessoa, pode criar uma realidade que alimenta a sua convicção. E, a partir daí, convencê-la do contrário é quase impossível. O desejo, nessa fase, é mais forte que a realidade.

É claro que a polarização é muito mais antiga que as redes sociais, mas nos últimos anos atingiu níveis alarmantes, amplificada, principalmente, pela liberdade trazida pela presença digital (por conta da falsa impressão de que na internet pode tudo). As plataformas se tornaram campos de batalha virtual e a liberdade de expressão se confunde agora com liberdade de agressão, criando um ambiente hostil e desrespeitoso, inclusive fora das telas (o que temos observado com uma frequência assustadora).

A observação de Rodrigo Pacheco é uma chamada importante. Precisamos repensar como equilibrar liberdade e responsabilidade para preservar o propósito genuíno da liberdade de expressão.

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