LIDERANÇA AGENTE DA TRANSFORMAÇÃO GLOBAL (ATG) – Por que necessitamos de executivos e gerentes estadistas?
Caro leitor,
Para iniciarmos nossa conversa, quero expressar que o Brasil não é uma nação qualquer. Somos literalmente uma amostra de mundo onde os principais dilemas globais da atualidade, encontram-se representados aqui proporcionalmente. Encaminhamos nossas questões, auxiliamos o mundo a tentar novos caminhos.
Nosso País desenvolvido nunca será uns EUA ou sociedades hegemônicas europeias ou asiáticas. Temos os Hemisférios Norte e Sul, Oriente e Ocidente em nosso DNA, uma referência de globalização literalmente na pele com entrelaçadas fisionomias, miscigenadas física e culturalmente. Antes de nós, a humanidade não conhecia essa possibilidade de maneira tão categórica.
No Norte percebemos diversas etnias dividindo espaços que em geral não se misturam.
Nossa jornada pode semear uma inovação social, uma terceira via cuja prosperidade está centrada na vida e numa convivência que acolhe a diversidade humana e a biodiversidade natural.
Posto isso, torna-se fundamental a nossa sociedade através das suas organizações públicas e privadas, desenvolverem lideranças estadistas, que conduzem a efetividade dos empreendimentos concomitantemente a construção da nação que ansiamos.
No texto a seguir, fiz uma adaptação da minha entrevista concedida a revista Valor Compartilhado (VC) na sua edição de Fevereiro deste ano, para explorarmos um pouco o tema da Liderança ATG.
VC: Por que “é tarde demais para sermos pessimistas”?
A maioria das pessoas é boa e está dando o melhor de si. O problema é quando nós juntamos o melhor de si de toda essa gente boa, emerge um cenário de desequilíbrios socioeconômicos e ambientais que esta mesma maioria não concorda. A história mostra que estas distorções de convivência provocam conflitos entre grupos e nações, que estão presentes hoje em quase todas as “esquinas” do mundo.
Na realidade, quando vivenciamos crise em quase tudo que pode ter crise, nos deparamos com uma ruptura mais profunda: uma crise civilizatória. Para exemplificar menciono mudanças climáticas, escassez de água, espécies em extinção, desflorestamento e o impressionante marco da concentração de riquezas (atingimos este ano o estágio de 1% da população mundial deter a mesma riqueza dos outros 99%). A obviedade das circunstâncias planetárias me eximem da necessidade de citar mais fatos.
Por outro lado, a vida é “projetada” para dar respostas a desafios e a humanidade sempre buscou equacionar as questões do seu tempo. Se refletirmos um pouco sobre as democracias, vamos concluir que ainda é uma bela utopia, mas estamos tentando, aprendendo, nos mobilizando e nos constituindo enquanto sociedades.
O contexto global nos apresenta a concorrência de mundos paralelos disputando espaço, um de manutenção das estruturas atuais que causaram as distorções dos alicerces da vida, e outro propositivo oriundo de três macros movimentos que cada vez mais se articulam entre si: resgate filosófico em busca de um “espírito” de integridade; a transdisciplinaridade, que busca uma compreensão da realidade além dos limites impostos pelos “idiomas” das especialidades científicas e a sustentabilidade, que em síntese, é um grande projeto de concertação global que vem influenciando e tecendo acordos entre governos, ONGs, academias, empresas e comunidades.
Somos a herança do passado grávida das futuras gerações. Nosso horizonte temporal está sendo manipulado exatamente agora na maneira como vivemos, interagimos, produzimos, vendemos, compramos, celebramos.
Em diversos laboratórios sociais que realizamos, onde especialistas de áreas distintas vivenciam uma dimensão transgeracional, consistentemente se posicionam como coconstrutores de um futuro pela concertação global.
Podemos e devemos escolher conscientemente em qual mundo viver agora, pois já o estamos confeccionando.
VC: Quem é o Agente de Transformação Global? Como ele puxa o fio da meada?
A Liderança ATG é alguém posicionado diante da vida, um agente inoculador do futuro que desejamos.
Ele tem uma postura mais comprometida com as respostas aos desafios contemporâneos, é “um estado de espírito” potente e efetivo. Um indignado lúcido e atuante, entusiasmado, otimista, articulador, presente nos movimentos sociais e organizacionais da sua época. Um “guerreiro da concertação”, um arquiteto na construção de pontes para o amanhã! Aqui me referi à liderança.
Porém um agente de transformação, por exemplo, pode ser alguém que simplesmente coloque etanol como combustível no seu carro, independentemente da comparação do preço com o da gasolina... Ou ainda use bicicleta, transporte solidário ou público como meio de mobilidade urbana. Ele pratica qualquer ato “consertador” alinhado com o encaminhamento do amanhã, coerente com a mitigação ou solução dos grandes desequilíbrios mencionados acima, tais como diminuir o consumo de carne, economizar água e energia, adquirir produtos orgânicos e sustentáveis, praticar o voluntariado em demandas sociais.
Em uma entidade pública, privada ou do terceiro setor, através do seu posto de influência o agente de transformação percebe e interfere deliberadamente nas consequências das suas funções para promover um desenvolvimento próspero, socioambientalmente saudável.
Retornando ao “puxar o fio da meada” pela Liderança ATG, uma sociedade nunca se transformou toda ao mesmo tempo. Sua evolução sempre se deu através de “Comunidades de Desenvolvimento”. Em nossa contemporaneidade, tais comunidades dentre outras características devem apresentar:
- Busca por uma profunda compreensão da natureza humana e suas interações;
- Senso de causa, uma razão do porque seus integrantes devem dedicar vida em uma organização específica;
- Interação sobre as demandas dos demais organismos de convivência, coresponsáveis pela sua longevidade (clientes, fornecedores, integrantes, sociedade, governos, centros de pesquisa, etc);
- Gestão orgânica da sua efetividade articulando estratégia, conhecimento e inovação/operação;
- Desenvolvimento do Perfil de Maturidade de seus integrantes que compreende os sensos de conexão histórico, com a natureza, com as organizações, consigo mesmo e os outros).
VC: Quando e como começou o seu envolvimento em ações de formação de agentes de transformação global?
Aqui terei de contar um pouquinho do meu percurso.
Tenho uma trajetória como executivo de empresas multinacionais durante muitos anos, também como professor e pesquisador do meio acadêmico e uma vivência com as tradições da humanidade tanto do ocidente como do oriente.
Desde o final da década de 80 vim me dedicando a promover o encontro dos mundos empresarial e acadêmico, com seus conteúdos complementares, para produção de conhecimento em prol do desenvolvimento socioeconômico do País. Foram diversos projetos e estabelecimento de centros de excelência em gestão junto a universidades públicas e entidades privadas focadas na educação executiva.
Já naquela época meu foco de atenção era compreender as principais dificuldades em processos de transformação cultural nas organizações.
Resumindo, ficou evidenciado que os dilemas relevantes eram todos humanos e relacionados às lideranças. Estas por sua vez carecem de uma compreensão aprofundada sobre o poder de vida e morte, literalmente, que detêm sobre seus subordinados. Conheço casos de pedidos de demissão, de suicídios atribuídos a relação com chefias, casos de câncer e até de assassinato... Este último do chefe!
O fato é que uma das maiores causas de infelicidade na vida de um indivíduo é uma má relação com a chefia. Um olhar mal dado do chefe (não precisa nem falar) a pessoa não dorme.
Se as pessoas são boas e estão dando o melhor de si, onde está o problema? Na falta de percepção de vida e de uma compreensão e vivência da especificidade do humano.
Humano... Juntamente com amor, felicidade, Deus e outras, são palavras muito ditas e pouco compreendidas. Foram banalizadas, perderam substância, significado profundo.
O ofuscamento da vida atua nos bastidores do palco mundial, sendo a raiz dos desequilíbrios psíquicos, políticos, sociais, religiosos, econômicos e ambientais. Vivemos uma espécie de cegueira biossistêmica que promove a ignorância eficaz... Um perigo, pois age rapidamente sem se dar conta das reverberações no entorno e no tempo.
Uma vez identificada a principal carência perceptiva, a de uma realidade viva e interconectada, iniciamos pesquisas e aplicações transdisciplinares para a caracterização dos fenômenos da vida, do humano e suas organizações. Esta jornada passou pela vanguarda das ciências naturais, humanas e exatas, pelas artes e estudos das diversas correntes filosóficas, psicológicas e tradições da humanidade.
Descobrimos dimensões e princípios naturais estruturantes de organismos, que elucidam os conflitos intra e entre indivíduos, organizações e nações. Evidenciam “olhares” preferenciais de mundo presentes na intimidade dos processos psíquicos, funções organizacionais e configurações políticas de nações. Por exemplo, nos matamos por “olhares” preferenciais de mundo que são naturais e complementares. O princípio da potestade (poder) faz uma ditadura quando rege uma sociedade e provoca a necessidade da função de governança corporativa nas empresas. Já o princípio da viabilidade faz as sociedades liberais e nas organizações, induz o surgimento das áreas financeiras. Artigos que detalham esta leitura biossistêmica da realidade, incluindo os princípios básicos, podem ser obtidos em nosso site (www.institutoorior.com.br).
Em meados da década de 90 criamos a Universidade Complementar Academia Cultural, uma comunidade experimental do Instituto para desenvolver o Perfil de Maturidade dos seus participantes. A partir do ano 2000 iniciamos a certificação de profissionais ATG como Máster em Biossistema Organizacional, especialistas na aplicação do Pensamento Biossistêmico Transdisciplinar (PBT).
VC: Qualquer pessoa pode ser agente de transformação? Caso sim, como podemos nos preparar para ser um agente de transformação?
Como mencionei anteriormente, ser agente de transformação é uma questão de posicionamento diante dos estímulos alternativos que nossa contemporaneidade oferece. Mas para a formação de uma Liderança ATG, trabalhamos com um conteúdo bem abrangente e profundo.
Sempre escutamos falar que “o humano vem ao mundo sem manual”. No Instituto, há anos realizamos laboratórios cuja questão é a seguinte: “e se o humano viesse com manual, o que seria fundamental sabermos para encaminharmos melhor nossos roteiros da existência”? As respostas sempre ratificaram os resultados que emergiam das pesquisas para concebermos a Liderança ATG. Em síntese, deveria ser um conteúdo que permitisse as pessoas vivenciarem os quatro sensos de conexão do Perfil de Maturidade. Esclarecendo um pouco mais cada um deles, a abordagem biossistêmica é utilizada para aperfeiçoar os seguintes sensos:
- Senso de conexão histórico – reconhecer como se dá um processo civilizatório, antever futuros alternativos e elucidar a nossa condição de coconstrutores do amanhã, hoje;
- Senso de conexão com a natureza – perceber que a espécie humana tem a possibilidade de vivenciar a condição de ser a natureza refletindo a si mesma, escutando seus gritos e sussurros, e responder coerentemente às premissas da vida;
- Senso de conexão com as organizações – entender que somos, essencialmente, portadores de diversas entidades e dentre elas nossas famílias, nações e organizações. Essas são ideias vivas que vão “possuindo” indivíduos que se comportam conforme a identidade desses organismos, em um processo biossistêmico de influência mútua, determinando o nível de afetividade e efetividade nos resultados das suas interações;
- Senso de conexão consigo mesmo e os outros – compreender seu propósito de vida, naturezas preferenciais de indivíduos, causas de conflitos, formas de encaminhamentos de soluções, e os aspectos fundamentais para a convivência no estabelecimento de trajetórias de vida.
Finalmente, em nosso processo de amadurecimento enquanto espécie, passamos por uma visão mística de mundo, depois religiosa, daí a filosófica e chegamos na científica. Cada um desses olhares nos agregou componentes formativos e deixou lacunas perceptivas.
Em resposta às distorções da fragmentação analítica da existência, nossa geração é provocada a experimentar um sentimento de integralidade, que permita-nos estremecer de encantamento, visceralmente, com a beleza e magnitude desse fenômeno tão raro que denominamos vida.