Luciano Abreu e a pauta Yanomami: um olhar amazônida
Confira agora o relato de Luciano Abreu , um dos primeiros jornalistas a cobrir a situação emergencial dos Yanomami em janeiro de 2023.
Ao escrever e ao falar sobre o assunto em primeiro lugar é preciso tratar com a verdade e com os fatos. Tem que ser tudo muito bem apurado, tudo muito bem checado. A gente combate tanto a fake news e essa fake news não pode partir da gente.
A Amazônia é gigantesca. Então o desafio de fazer reportagem na Amazônia é tão grande quanto a região.
A gente costuma falar muito sobre isso porque quando eu estava em Manaus muitas vezes as equipes do Sul e Sudeste pediam “precisamos de imagens de Tabatinga, vocês podem ir lá à tarde e trazer pra gente amanhã?” Eu falava que não dava. São mais de mil quilômetros de distância e não tem avião que sai todo dia. Só chega lá de avião e de barco levaria dias. Essa logística da Amazônia a gente tenta apresentar todos os dias para as equipes. Dizendo que na maioria das vezes temos que usar três modais para chegar em alguma região para poder mostrar.
Por exemplo, a gente tá falando a situação agora de Roraima, a gente está há 270 quilômetros da base de Surucucu. Só que o problema não é só nessa base dentro da reserva. O problema é em outras comunidades que ficam há mais de cento e poucos quilômetros na base e de lá não vai avião, somente helicóptero. Então a ajuda humanitária chega em Boa Vista, vai para a base de Surucucu e de lá é distribuída por helicóptero. Em algumas regiões o helicóptero nem pousa. Ele atinge uma certa altura e ele tem que jogar, com todo o cuidado, dentro das comunidades.
Então esse desafio logístico que tem na ajuda humanitária é o mesmo desafio logístico que nós temos por conta das distâncias. Então isso tudo encarece a cobertura jornalística, torna o jornalismo muito caro pra se fazer na Amazônia e aumenta o nosso desafio de chegar com a matéria tempo. O jornalismo hoje em dia é tempo. Você precisa publicar alguma coisa pra ontem e muitas vezes não consegue fazer isso.
Nós já fazíamos localmente e até nacionalmente reportagens sobre o assunto. Temos uma reportagem de novembro de 2021 feita pelo Alexandre Hisayasu , já tratando da problemática dos Yanomamis para o Fantástico, que até ganhou o prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos.
Matérias anteriores já falavam do problema do mercúrio, da presença de garimpeiros, já se tratava toda essa problemática. E tudo antes era tratado como denúncia. Estávamos denunciando uma situação que está ocorrendo. E o que muda agora é que a gente tem que saber contar essa história no sentido de que agora temos uma frente que está querendo retirar os invasores, querendo levar ajuda humanitária e querendo mudar essa realidade. Então a gente fala dos problemas, mas também fala das ações que estão sendo feitas para tentar modificar a situação. Já é uma outra frente de reportagem.
Essa cobertura intensa começou no dia 20 de janeiro com uma nota coberta no Jornal Nacional e depois fizemos uma reportagem completa no Jornal da Globo. No dia 21 o presidente Lula veio a Roraima e a partir daí não paramos mais. Nós estamos todos os dias com reportagens nos jornais, mostrando os problemas e mostrando aquilo que está sendo feito.
Nos primeiros cinco dias de cobertura eu fiz matéria para todos os jornais da Rede Globo. Começando no Bom Dia Jornal Hoje, Jornal Nacional, Jornal da Globo. Nós tínhamos que também abastecer nossos telejornais locais com reportagens. Depois chegaram as equipes do Amazonas, o Alexandre Hisayasu, o Alexandro Pereira, o Michel Castro e começaram a ajudar. Então a gente começou a distribuir as demandas.
As equipes estão se desdobrando, porque a gente sabe o quanto é importante o assunto e temos que levar isso em consideração. Todos os jornais estão pedindo e é a Rede Amazônica se mostrando para o resto do país. É a gente mostrando o nosso trabalho. Está lá na nossa canopla do microfone, mostrando que estamos marcando presença em todos os jornais.
A Karla Melo veio junto com uma outra equipe e está fazendo também reportagem para o Bom Dia Brasil e Globo News. E eu e o Alexandre Hisayasu dividindo o Jornal Jornal Hoje, o Jornal Nacional, e o Jornal da Globo.
É uma combinação de equipes de Roraima com equipes do Amazonas para poder dar conta de ter essa cobertura. Imagina o mundo inteiro querendo saber sobre isso e a gente está tentando fazer isso da melhor maneira.
São todos eles que ajudam e também as pessoas que não aparecem na cobertura. Por exemplo, eu passei um tempo em que não estava na apresentação do Jornal de Roraima e alguém tinha que me substituir. Então acaba envolvendo a emissora inteira.
Outro ponto muito importante é a gente poder falar sobre o local onde a gente vive, onde a gente mora. Os nossos familiares moram aqui, nós conhecemos várias pessoas daqui, já estivemos nas áreas indígenas as quais são alvo de toda essa operação.
Estamos contando uma história, respeitando a nossa origem, respeitando quem nós somos e a nossa região. Porque conhecemos essa região, sabemos os desafios, sabemos como é que funciona. Então isso pra mim é muito importante. A gente tá fazendo reportagem sobre a Amazônia, pessoas que moram na Amazônia e que são amazônidas, na sua grande maioria, é isso é fundamental.
O importante é que a gente tenha um sentimento com a terra, com a região e com as pessoas que vivem aqui. Nós não viemos aqui jogar uma bomba, denunciar todo mundo em uma matéria, ir embora e deixar esse assunto para trás. A gente fala do jornalismo, fala das situações, mas a gente tá morando aqui. Vamos encontrar as pessoas ainda na rua e elas vão ou criticar ou elogiar, mas a gente está aqui pra falar da gente, da região e assumir aquilo que estamos fazendo.
O garimpo é uma cultura muito forte aqui no estado de Roraima. Nós sabemos que tem muitas pessoas que sobrevivem desse tipo de atividade. A gente tenta sempre na medida do possível tratar com respeito, sabendo que o que se faz hoje em dia é criminoso porque é ilegal e que todas as medidas devem ser tomadas para retirar essas pessoas de lá e que o governo então dê a essas pessoas que estão sendo retiradas uma outra opção.
Existe toda uma questão judicial e criminal sobre essas pessoas que estão deixando a área, sobre financiadores e etc. Mas também existem outras pessoas dentro desse contexto que, de alguma maneira, vão precisar ser recebidas pelo estado em termos de trabalho ou alguma outra função.
A gente espera que isso não vire um outro problema. Senão a gente tenta resolver uma questão indígena e cria um outro problema depois lá na frente com uma multidão de desempregados que vão de repente se voltar à criminalidade ou voltar a outras atividades que é aquilo que a gente não quer.
Aqui em Roraima, muitas vezes se você vai em algum lugar da cidade você pode passar por um indígena Yanomami. Então é uma realidade próxima e temos que tratar isso como dever de ofício e como dever de cidadão que está dentro inserido nesta região. Devemos conhecer e tratar isso tudo da forma mais carinhosa, mais adequada, mais profissional possível. Porque a gente entende que é importantíssimo saber tratar o nosso assunto como ele deve ser tratado.
Tratar o indígena como ele gosta de ser tratado, lembrar dos problemas e dos desafios que eles enfrentam e lembrar o quanto essa questão do garimpo ilegal é criminoso. É um tipo de problema que vai durar anos e a gente pode tirar todos os vinte mil garimpeiros amanhã, mas o que já foi contaminado vai perdurar por anos. O uso do mercúrio, por exemplo, vai durar de cinquenta a cem anos na água e no ambiente. Os problemas a serem enfrentados ainda são gigantescos.
Na cultura dos Yanomami, muitos deles não têm nome. Eles acabam recebendo o nome porque precisam de algum documento ou alguma outra coisa. Mas é sempre alguma coisa mais Yanomami. Ex: “Júnior Yanomami”, “José Yanomami” e assim por diante.
E quando morrem, eles nunca mais citam o nome daquela pessoa que morreu. Porque isso impede que ela entre para o céu dos Yanomamis. E as imagens deles também nunca podem ser mostradas. Todos os objetos são queimados junto com o corpo. Porque toda a existência desse indígena deve-se acabar aqui na terra para que ele possa ir ao céu.
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Aí a gente vê uma questão cultural, porque nós como imprensa replicamos todos os dias as imagens dos indígenas. E uma vez conversando com um indígena ele falou assim “nós abrimos mão do nosso céu, onde poderíamos encontrar com os nossos ancestrais que já se foram, para poder denunciar isso pra vocês”. Porque toda vez que a imagem é replicada, toda vez que o nome é dito, aquela pessoa na cultura Yanomami não vai mais para o céu.
Então você começa a se perguntar: será que a gente, dentro da nossa cultura ou daquilo que a gente acredita como fé, abriria mão desse desse mundo que a gente teria depois desta vida para poder denunciar alguma coisa?
Então são muitos aspectos dessa situação que muitas vezes a gente não entende mas que envolvem a cultura deles. O desafio é grande, é diário e a gente tem que se cuidar sempre para não perder esse foco. Porque é fácil perder esse foco. É fácil você querer ceder alguma imagem que é mais fácil ou a um outro atributo mais sensacionalista na reportagem. Então acabamos tendo que controlar essa situação para que a gente não se perca.
Para finalizar este relato, é fundamental reconhecer e agradecer os colegas que fizeram deste trabalho possível: as equipes de Roraima e Amazonas.
Raimesson Martins: Repórter cinematográfico
Marcelo Marques: Produtor
Jerry Sousa: Editor de imagens
Ailton Alves: Repórter
* Além dos repórteres, editores de imagens da Rede Amazônica em Roraima que se revezaram até o fim de janeiro na edição dos VTs nacionais e locais sobre a crise Yanomami.
Alexandre Hisayasu: Repórter
Karla Melo: Repórter
Ruthiene Bindá : Repórter
Alexandro Pereira: Repórter cinematográfico
Michel Castro: Repórter cinematográfico
Henrique Filho: Auxiliar técnico
Paulo Roberto: Auxiliar Técnico
Cesar Nunes : Produtor
* Essas equipes atuaram de forma revezada na cobertura da crise Yanomami. Equipe voltando para Manaus e outra seguindo para Boa Vista.
Sobre o Autor:
Luciano Cunha de Abreu Rodrigues - Amazonense, natural de Manaus, 48 anos. Jornalista formado na Universidade Federal de Roraima. Atua como repórter desde 1999 e é repórter na Rede Amazônica há 23 anos, onde trabalhou em Roraima e no Amazonas. Foi gerente de jornalismo entre 2010 e 2012 em Roraima e é repórter de rede desde 2004. Depois de nove anos e meio em Manaus, entre 2012 e 2021, voltou à Rede Amazônica Roraima em julho do ano de 2021. No mesmo ano foi indicado ao Emmy Internacional juntamente com o colega Alexandre Hisayasu pela cobertura da pandemia no Amazonas para o Jornal Nacional. Hoje é coordenador de reportagens para rede nacional e apresentador do Jornal de Roraima segunda edição. Desde 2022 está de volta à Universidade Federal de Roraima sendo mestrando do PPGCom, Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFRR.
Co-autoria e revisão realizada pela Comunicação Institucional do Grupo Rede Amazônica:
Produtora de Jornalismo/Assessoria Institucional e Política
1 aGrande lu 👏👏👏👏👏👏
🏢 Gerente de Franquia | B2C 🔄 B2B | Marketing e Comunicação Integrada 🔛 Gestão Estratégica Comercial l 🌎 Comunicóloga/Jornalista | 🙋🏻♀️Mulher Cidadã 2019 Divinópolis/MG
1 aSensacional! Bateu muita saudade do bom e ímpar jornalismo amazônida! Tive a feliz experiência de ter feito parte da equipe da Rede Amazônica pela TV Acre, e por motivos pessoais precisei fazerem mudanças. Mas receber o convite para assinar essa newsletter me encheu os olhos de paixão pelo jornalismo, novamente. Parabéns ao @LucianoAbreu por belo trabalho realizado em meio aos desafios da Amazônia.🌳💚 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼
Repórter de TV | Rede Amazônica/ TV Globo
1 aMestre Luciano Abreu dando aula como sempre! Uma honra trabalhar diariamente com este profissional de primeira categoria ❤️
Eletricista Industrial FC.| Autônomo
1 aÍndios VENEZUELANO.. MORTO DE FOME ESCONDENDO SE DA ESCRAVIDÃO DO EXÉRCITO VENEZUELANO NO GARIMPO. DO ISSO.... PONTO.
Técnico em Eletroeletrônica
1 aSurucucu, como outras localidades de RR, necessita de uma cobertura especial por parte dos atuais gestores. O garimpo é uma moda antiga, na qual só ganham os chefões e donos do garimpo. Extraem esse mineral, exportam clandestinamente, vão embora e deixam as doenças, os rios contaminados e a vegetação em ruínas. Mais doloroso que isso são os silvícolas, condenados e entregues a própria sorte. Sem medicamentos, hospitais ou direito a tratamento fora da aldeia. Dói porque os saqueadores vão embora, e pior, deixando uma alta conta, paga em sucessivas prestações para todos os contribuintes. Se ficarmos calados, poderemos ser atingidos por essa mazela social. Graças ao incansável trabalho desse jornalistas, em um ambiente agressivo de selva, o mundo poderá ver e saber o que acontece além da copa das árvores.