Má Educação Corporativa S/A

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“Quando chegávamos na recepção da multinacional, erámos recebidos por um sorriso das recepcionistas. Ao aguardarmos na recepção, era comum que algum diretor passasse, eles paravam, nos umprimentavam, perguntavam se estavámos esperando muito tempo e até queriam saber qual reunião faríamos. Certamente nos sentíamos muito, mas muito bem vindos.

Era uma época de grande projetos profissionais, com muito respeito mútuo, entregas em alto nível, responsabilidade em demandas muito desafiadoras, mas as pessoas olhavam nos nossos olhos, sabiam nosso nome, de onde éramos e tinham educação de sobra para nos cumprimentar. Mesmo dentro de uma relação profissional, havia um sentimento de pertencimento, até de gratidão, pois eles sabiam que como parceiros, poderíamos ajudá-los a resolver inúmeros problemas, catapultar suas marcas e a si próprios para outros cargos, responsabilidades e quem sabe para outras empresas ou até outros países.

Hoje, lembrando com carinho deles, é fácil encontrá-los como CEOs, VPs, Líderes Globais e donos do seu próprio negócio, e nos permitimos uma felicidade pessoal por termos feito parte de algo em suas trajetórias, mas também muito orgulho em vê-los onde estão, pois eles merecem: Foram muito exigentes e grandes profissionais, mas com muita cortesia, educação e parceria e isso com todas as empresas que os atendiam.”


Esse pensamento passou rapidamente na minha mente, logo após conversar com um amigo que falava sobre um meeting remoto (call) que fez para a apresentação em uma concorrência. Ele, sempre energético e conectado em cada apresentação, havia passado por algo estranho: em nenhum momento de sua apresentação, os representantes da emmpresa ligaram suas câmeras e ele simplesmente não conseguia vê-los! Fez uma apresentação para o vazio, para nenhum olhar, para nenhuma expressão e mesmo com o esforço em apresentar um projeto de alta qualidade, me falava de sua frustração por não conseguir ver nos interlocutores alguma expressão que pudesse dar uma noção do quanto ele atendia suas expectativas. Sobrava uma sensação de falta de consideração e porque não dizer, um desrespeito. Seria uma falta de educação corporativa?

Pensei que fosse um caso atípico, até conversar com outro profissional que havia sido apresentado há alguns dias ao seu novo diretor, também através de um call. A poderosa instituição financeira trazia para seu time um profissional conhecido no mercado e o time estava ansioso por conhecê-lo. Pena que o novo diretor simplesmente não ligou a câmera também! Discursou, falou, possivelmente viu todos que deveria ver, mas ninguém conseguiu enxergar quem ele era. O que está acontecendo?

Óbvio que podemos colocar aqui os emails não respondidos, as ligações não retornadas, as mensagens enviadas em horários indevidos, o resultado de uma concorrência que só recebemos oficialmente depois de já termos descoberto pelo mercado quem ganhou e os feedbacks, ah os feedbacks, que muito nos ajudariam a balizar onde podemos melhorar, ter algum “cheiro” do que outra empresa fez para ganhar ou até mesmo para deixar claro porque ganhamos, e no fim não diz muita coisa, é um verborragia que não diz nada e quando tenda dizer, mostra que quem escreveu parece não ter visto o que foi apresentado. Falta o quê, então?

Quantas vezes você tomou um “chá de cadeira”, esperando por um longo e desrespeitoso tempo que o atendessem para uma reunião previamente agendada e confirmada? E em quantas outras ocasiões, você esteve ali, no horário certo, como programado e teve que esperar mais uma vez um atraso, como se a agenda desta pessoa fosse mais importante do que a sua? Isso não tá muito repetitivo?

Outro profissional me disse que chegou para uma reunião, a empresa havia esquecido de agendar uma sala e perguntaram se tudo bem em fazê-la no hall, próximo às escadas. Ele agradeceu educadamente, e deixou-os a vontade para remarcar em um dia e horário que pudessem ter mais conforto. Faz algum sentido?

E apresentar projetos que duraram dias para serem feitos e ganharmos o direito de apresentá-lo em uma mesinha redonda, no nosso próprio computador e no meio tumultuado de um café? Isso sem falar naquelas reuniões presenciais onde todos estão com seus notebooks abertos e mal nos olham enquanto apresentamos um projeto, que por sinal é deles! Me diga se tudo isso não significa um padrão?

De desrespeito em desrespeito, de falta de consideração em falta de consideração, fica o questionamento do quanto esta falta de educação corporativa não poderia ser também um item importante a ser abordado dentro das regras exigentes do discurso das empresas em serem comprometidas com o ecossistema em que atuam, sua cadeia produtiva ou até mesmo com a sociedade.

Pois a empresa ou o profissional que estão ali para atendê-los, ouví-los ou buscar resolver seus problemas, merecem o seu mais incondicional respeito. That’s it! Da mesma forma, como eles também merecem ser respeitados da forma mais completa. Não é uma questão de lado, educação é bom para todo mundo e é uma troca de gentilezas, mesmo corporativas, visando um bem comum. E que aqui fique claro: a melhor das relações é justamente essa: tem que ser boa, legal, educada, gentil, respeitosa e vantajosa para todo mundo!

Afinal, quantos casos não conhecemos de empresas que maltrataram estagiários e trainnes, até descobrirem anos mais tarde que eles se transformaram em executivos de alto escalão e por conta deste histórico, não conseguem mais atender a empresa?

E dentro das próprias empresas então?! Num mundo sob o olhar inquisidor do compliance e uma legislação trabalhista das mais exigente, não cabe mais uma levantada de voz, um grito ou um assédio (seja ele de qualquer forma), não acha?

Da mesma forma, como não cabe mais sexismo, qualquer tipo de preconceito, racismo, subjulgo ou qualquer tipo de falta de respeito às pessoas como elas são. Ou você ainda acha que há espaço para o mal humor folclórico de alguns, que ferem ou atinge as pessoas, com a desculpa de que é assim que eles são e temos que aceitar?

Lembro de um diretor de empresa, que em um evento assistia encantado a transformação da sala que tinha acabado de ser usada para uma apresentação em uma sala de jantar, enquanto os convidados participavam de um coquetel. Em meio à grande movimentação de inúmeras pessoas para a montagem da mesa e arranjos, ele se ofereceu gentilmente para colaborar à uma das VPs, que também estava ali com a mão na massa. No que abruptamente recebeu a recomendação dela para ficar encostado na parede e só observando… Cabe no mundo de hoje ainda ter uma falta de educação assim?

Não chega a ser estranho que em tempos de grandes preocupações com a ética nos negócios, o comportamento exemplar dos funcionários, o papel social da empresa e o cumprimento de todas as regras que não gerem prejuízo a sua imagem e nem problemas com a governança corporativa ou compliance, ainda encontremos dentro delas pessoas rudes, grossas, mal educadas, omissas e inclusive algumas que ainda conseguem em pleno 2020 berrar e ordenar fora do tom, quando o mundo não é mais aquele que permite isso sem gerar algum tipo de problema?

Não podemos ser omissos. Pois qualquer ato pouco gentil, invasivo ou agressivo, pressupõe sua defesa, sua denúncia, no mínimo um pedido de desculpas e qualquer forma de ação que evite que o precedente vire padrão, concordam?

Não sei se as empresas, preocupadas em cumprir tantas regras e processos, não tenham esquecido de passar a básica obrigação de ser educado para todos os seus funcionários. Talvez porque partam do princípio que a educação tenha sido aprendida em casa, mas não dá para generalizar. E isso tem que começar de cima, inclusive!

Que tal então incentivar sua empresa a ter um processo de educação corporativa, incutir a cultura da comunicação não violenta ou propor que seus parceiros e clientes também façam assim?

Talvez tudo possa começar da forma mais simples, prosaica, descontraída e básica: com um bom dia, boa tarde ou boa noite. Seja dentro do elevador, nos corredores, ao telefone, nos emails, nas mensagens ou na recepção - como aliás, todo mundo deveria fazer …ou aparecer (no caso das câmeras durante os calls).

Sensacional, mestre Dil Mota. Teria histórias a te contar também. Onde falta preparo e formação, falta caráter e informação, daí um passo para falta de EDUCAÇÃO.

Wilson Ferreira Junior

Jornalista de formação, profissional de Live Marketing e brand content por opção

4 a

Me lembra o lindo filme documentário de 1989 "Chico, ou o país da delicadeza perdida". Metaforicamente enquadrava o grande Chico Buarque de Holanda como um representante de um mundo que deixava de existir. E isso em 89! Se refilmassem agora poderia ser "Chico, ou o país da delicadeza há muito esquecida". Boa Dil Mota.

Luiz Fernando Coelho

Mentoria carreira Mkt | Palestra Comunicação Assertiva | Curso Trilhas e Armadilhas da Comunicação | Escritor | Diretor Consultoria LFCoelho MKT

4 a

Excelente reflexão.

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