Máquina de Desperdícios? Como uma governança frágil custa caro em TI
Em 2020, orientei um trabalho de conclusão de MBA em Gestão Estratégica de TI que revelou uma realidade alarmante dentro de uma grande empresa brasileira. A pesquisa exploratória conduzida pela minha orientanda trouxe à tona um cenário de desperdício fenomenal: a empresa estava pagando, mensalmente, em serviços recorrentes, cerca de R$ 200 mil por serviços de TI e telefonia que haviam sido cancelados há mais de um ano — além de outros que jamais foram prestados.
Esse desperdício monumental de recursos era resultado de uma falha básica: um setor contratava, outro pagava e, no fim, ninguém verificava se os serviços foram realmente entregues. Essa desconexão entre as áreas gerou um vácuo de governança, onde ninguém se responsabilizava pela execução correta dos contratos, uma situação comum em diversas empresas, independentemente do porte ou segmento.
A Governança de TI: Pilar ou Armadilha?
A governança de TI deveria ser um dos pilares da estratégia corporativa moderna. Longe de ser apenas um suporte operacional, a tecnologia define o sucesso e a competitividade das empresas. No entanto, se mal gerida, a TI pode rapidamente se tornar uma fonte de desperdício e riscos.
Um gestor de TI, para evitar esse cenário, precisa colocar muita energia e foco na governança dos recursos tecnológicos, começando com algo muito básico: o inventário do que consome ou utiliza, em seus contratos e serviços. A falta de controle sobre o que foi contratado, o que está sendo pago e o que está sendo efetivamente entregue é um dos principais gargalos na gestão de TI. E isso não é força de expressão.
O uso de TI, nos últimos 30 anos, só cresce, nas organizações, e estas serão cada vez mais dependentes de tecnologia, para sua competitividade e sobrevivência.
Na média, hoje, as empresas brasileiras, gastam, em torno de 5% a 7%, do seu faturamento em investimentos anuais, de TI, segundo, a FGV (Fundação Getúlio Vargas) que realiza esta pesquisa deste a década de 90.
Saber utilizar estes recursos é fundamental para o sucesso e para a lucratividade das organizações. Caso contrário, investir em TI, de forma equivocada, a depender das circunstâncias, pode colapsar a empresa e levá-la, inclusive a falência ou insolvência;
A Cartilha do Gestor de TI de Sucesso
Para liderar uma área de TI de forma eficaz, além de buscar o alinhamento estratégico com o negócio, eficiência operacional, gestão da segurança e foco no cliente interno, o gestor precisa dominar a gestão de contratos, riscos e de fornecedores. A definição de métricas claras e a implementação de um programa de governança sólido, interno, para monitorar e medir o sucesso de suas iniciativas são cruciais para evitar desperdícios. Isso não deve ser terceirizado para outras áreas. É responsabilidade clara da área de tecnologia, afinal ela é considerada, pela alta gestão, quer ela goste ou não, a guardiã destes vultosos investimentos.
E é justamente aqui, nesta disciplina, que muitos gestores falham. A fragilidade na gestão de contratos de TI é uma constante. Frequentemente, não há sequer um inventário completo das tecnologias e serviços contratados. Muitas vezes, quem gere prazos de renovação e índices de reajuste é o próprio fornecedor, deixando a empresa em uma posição ainda mais vulnerável.
A governança de TI não é apenas uma questão de processos ou tecnologia, mas também de maturidade organizacional. Empresas que delegam a terceiros o controle de seus contratos ou que não possuem um inventário atualizado, mostram sinais claros de fragilidade em sua governança. Essas falhas refletem uma gestão reativa, em vez de uma gestão proativa, que antecipa problemas e otimiza recursos.
Esse tipo de vulnerabilidade na governança afeta diretamente a capacidade da TI de funcionar como um motor estratégico para o negócio. Em vez de impulsionar a inovação e a competitividade, a TI se transforma em uma área que consome recursos de maneira ineficiente, gerando altos custos operacionais e expondo a organização a riscos desnecessários. E o negócio percebe isso...e neste momento, o Gestor de TI pode se fragilizar perante toda a organização.
A gestão de contratos de TI é um dos pilares mais importantes da governança tecnológica de uma organização. Afinal represente a história do que a empresa decidiu investir para o seu crescimento e expansão. Quando a empresa assume o controle, realmente, dessa área crítica, ela se fortalece e aumenta sua independência em relação aos fornecedores, além de garantir que os recursos tecnológicos sejam utilizados da maneira mais eficiente e estratégica possível.
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Mas é importante avaliar se ela ainda não cai em algumas armadilhas com estas abaixo.
Algumas Armadilhas na Gestão de TI
Serviços de TI Pagos Sem Execução: Mesmo com alto nível de automação sistêmica, ainda é, surpreendentemente, comum que empresas paguem por serviços de TI que não foram entregues ou que foram cancelados. A solução? Manter o contrato em cima da mesa, sendo monitorado de acordo com as métricas estabelecidas. Contratos esquecidos em gavetas são uma receita para o desastre. Sim, pode dar trabalho, mas isso é gerir.
Aquisições e Negociações sem os verdadeiros protagonistas: Quando áreas de negócios fecham contratos de tecnologia sem a participação de TI, Suprimentos ou Jurídico, o resultado pode ser uma outra calamidade. E isso passou a ser mais comum com a chegada de software Saas ( software as a service) dando poder, em um piscar de olhos, para que um usuário qualificado contrate, usando um cartão de crédito corporativo, qualquer tecnologia, inclusive IA ( Inteligência Artificial). Contratos mal negociados, inadequados à cultura organizacional ou que exponham a empresa a riscos são comuns. Um processo interno claro, com papéis e responsabilidades definidos, é fundamental para mitigar esses riscos. Quem contrata, quem negocia, quem revisa, quem pede, quem aprova é fundamental para uma gestão mais clara, transparente e confiável.
Aceites Informais de Serviços: Gerar aceites para contratação de serviços via e-mail ou telefone, sem um acordo formal, é um erro frequente que causa disputas e ambiguidades. Governança sólida significa processos com aceite formais, eliminando os riscos de mal-entendidos e disputas futuras.
Renegociações Constantes de Contratos: Renegociações recorrentes, com fornecedores de TI, são um sintoma de contratos mal elaborados. Planejar com antecedência e negociar com cuidado evita ajustes frequentes e oferece estabilidade no relacionamento com parceiros de negócios. Tempo investido na negociação é dinheiro economizado no futuro.
Entregas Inadequadas e Frustração com Fornecedores Entregas abaixo da expectativa são, frequentemente, o resultado de falhas na especificação do escopo ou dos requisitos do projeto. Sem uma clareza sobre como deve ser a execução e o que é aceitável, os riscos de fracasso aumentam exponencialmente. Uma governança robusta exige contratos bem delineados, com requisitos e critérios de qualidade claros e transparentes. Cuidado com os contratos de adesão ou links de aceite para termos que nunca foram lidos ou analisados;
Auditorias Frequentes: A falta de controle sobre os ativos digitais frequentemente leva a auditorias caras e desgastantes, com resultados imprevisíveis. Sem um controle do inventário completo, a empresa fica à mercê dos fabricantes de tecnologia, muitas vezes violando cláusulas por pura desorganização. Um contrato mal gerido sempre joga contra quem deveria controlá-lo.
O Contrato como Ativo Estratégico de uma Carreira
A governança de TI exige muito mais do que conhecimento técnico. Reparem que não é por acaso, que muitas grandes organizações, colocam no seu posto de principal de gestor de tecnologia, pessoas vocacionadas ou formadas em outras áreas de conhecimento, como economia e finanças e não um gestor técnico.
Para ser gestor é preciso mais do que habilidades técnicas; É necessário ter visão estratégica, capacidade de liderança, inteligência emocional e o compromisso de tomar decisões que equilibrem os interesses da equipe, da empresa e dos stakeholders, sempre com foco em resultados e inovação.
Sem um foco na gestão adequada de contratos e uma governança forte, a tecnologia deixa de ser um ativo estratégico e se transforma em uma fonte de riscos e desperdícios. Um boa dica é ter sempre aquele conselheiro estratégico, de fora da organização, que aponte inconsistências na gestão e nas atuais práticas de governança para que o gestor de ti possa aprimorar suas próprias ambições e focar em áreas mais estratégicas, assegurando que a TI seja uma alavanca de inovação, e não uma máquina de desperdícios. Isso pode salvar carreiras e empregos.
Bons Negócios a Todos.
O tempo de mudar está passando...