Método de cálculo para determinação da altura de recobrimento e ensaios de ovalização para tubos de Ferro Dúctil
Introdução
As principais vantagens do uso dos tubos de Ferro Dúctil (FD) são reconhecidas mundialmente, quanto a sua resistência mecânica às elevadas pressões internas e a sub pressão (vácuo), a resistência às cargas externas e à corrosão interna e externa, desempenho e durabilidade da junta elástica aplicada (JE2GS), além da rapidez e simplicidade para sua instalação, que adicionada a longevidade do material, que pode chegar a 100 anos, além dos impactos positivos à sustentabilidade já que é um material 100% reciclável.
Na elaboração do projeto de um sistema de transporte de fluidos, além das análises de vazão, pressão, perda de carga e transientes hidráulicos, deve-se analisar a altura de recobrimento da canalização, com a presença ou não de carga rodante, considerando as características do solo para a escolha da vala tipo adequada, minimizando custos, porém com um projeto totalmente seguro.
Neste trabalho apresentamos a metodologia para determinação da altura de recobrimento para tubos de Ferro Dúctil e algumas orientações técnicas. Utilizamos como exemplo de cálculo os tubos de diâmetros DN 500 e DN 1000 com as classes de espessura K7 e K9 através da interação tubo/solo tendo como base o princípio conhecido como Método de Spangler e as recomendações da norma ISO 10803 – Design method for ductile iron pipes, considerando o módulo de reação do solo (E’), a ovalização admissível do tubo e os tipos de solo e de vala. Os resultados desses cálculos teóricos que levam em conta as cargas externas (carga do reaterro com ou sem carga rodante) são representados pelas alturas de recobrimento encontradas nos catálogos e informativos técnicos empregados há anos nos projetos de transporte de fluidos, validando, portanto, com segurança a metodologia utilizada.
Para demonstrar a capacidade autoportante e de carga, que se traduz em resistência a ovalização do tubo de Ferro Dúctil, bem como a aderência de seu revestimento interno em argamassa de cimento, foram feitos ensaios de ovalização nos diâmetros DN500 e DN1000 extrapolando a ovalização máxima permitida pela norma para os cálculos de interação tubo solo.
Objetivo
Apresentar a metodologia de cálculo para determinação da altura de recobrimento para tubos de Ferro Dúctil com base no método de Spangler, recomendações da norma ISO 10803 e demonstração da capacidade de resistência à ovalização dos tubos de Ferro Dúctil sem comprometimento do seu revestimento interno.
Metodologia
a) Da interação tubo solo
É importante conhecer o estudo teórico da interação tubo/solo baseado no modelo de Spangler conforme item 6.1 da norma ISO 10803 que considera a carga sobre a geratriz superior do tubo, como uma carga distribuída uniformemente (item 1 da figura 1), o equilíbrio com a reação uniforme dirigida para cima, na base do tubo com ângulo de reação de apoio igual a 2α (item 3 da figura 1), e uma ovalização do tubo que inicia uma pressão de reação horizontal com o solo adjacente às laterais do tubo com uma distribuição parabólica com um ângulo de 100° (item 2 da figura 1).
O ângulo de reação de apoio, conforme item 6.3 da Norma ISO 10803, depende das condições de instalação (apoio, compactação e reaterro lateral), bem como da ovalização do tubo, particularmente para os grandes DNs que possuem menor rigidez diametral.
Já o módulo de reação do Solo (E’) do reaterro lateral depende do tipo de solo utilizado na envoltória do tubo e do tipo de vala, conforme detalhe ilustrado abaixo. De acordo com a norma ISO 10803, em função do grau de compactação da envoltória do tubo, teremos o tipo de vala que a referida norma classifica como:
A norma ISO 10803 apresenta a Tabela 1 abaixo com os Módulos de Reação de cada tipo de solo e vala, número de Proctor do reaterro lateral e o ângulo de reação de apoio (2α).
a) Da ovalização máxima permitida
A norma ISO 10803 estabelece um limite máximo de ovalização em função do diâmetro nominal, garantindo com segurança, o limite elástico da parede do tubo quando em flexão e a deformação do revestimento interno com argamassa de cimento assegurando que o mesmo não sofra danos mantendo a proteção da tubulação. Para tubos com diâmetros nominais (DNs) iguais ou superiores a 800mm, tanto para as classes de espessura K7 e K9, as ovalizações máximas permitidas são de 4%. A norma prevê ainda duas ovalizações a serem calculadas, onde será adotada como limite a de menor valor na metodologia apresentada. A norma NBR 7675 – Tubos e conexões de ferro dúctil e acessórios para sistemas de adução e distribuição de água – Requisitos, também apresenta a rigidez diametral e a ovalização máxima permitida para aplicação. As equações para o cálculo das ovalizações são as que seguem abaixo:
Com Fator de carga (𝛽) igual a 1,5 (caso mais crítico - com carga rodante) e 0,5 (menos crítico - sem carga rodante) altura de recobrimento (H) em metros e Diâmetro Nominal (DN) em mm.
Resultados dos cálculos para os tubos DN500 e DN1000 nas classes de espessura K7 e K9 conforme ISO10803
Partindo da premissa de espessura mínima conforme norma NBR7675 e metodologia de acordo com o previsto na norma ISO 10803 obtemos os seguintes resultados:
Recomendados pelo LinkedIn
Ensaios de ovalização
Os ensaios de ovalização foram realizados no Estande de Ensaios da Saint Gobain Canalização com os diâmetros DN500 e DN1000 ambos classe de espessura K7. Foram cortadas seções amostrais com largura mínima de 210 mm para o DN500 e 150 mm para o DN1000, ambos posicionados sobre um apoio com ângulo de 120 graus. As forças foram aplicadas gradativamente e as ovalizações foram calculadas de acordo com cada deslocamento em decorrência da aplicação da carga; foram feitas inspeções no revestimento interno para verificar a integridade da argamassa e se esta continuava aderida a superfície.
Abaixo a comparação entre a carga teórica admissível (ISO10803) e resultado dos ensaios. Devemos considerar a carga por metro de tubulação; um prisma sobre a tubulação com largura igual ao DN representando a carga de reaterro; cargas rodantes não serão consideradas; utilizaremos a carga próxima ao % de ovalização máxima admissível; densidade reaterro de 2000 kg/m^3; desprezando o apoio lateral do solo tipo C e vala tipo 1, além do coeficiente de segurança.
Análise dos resultados, conclusões e recomendações
Na literatura os tubos podem ser classificados como rígidos, semirrígidos e flexíveis, sendo que os tubos de Ferro Dúctil são classificados semirrígidos, por possuírem a capacidade de suportar alguma ovalização (resistência a carga externa) sem provocar danos na estrutura metálica ou ao revestimento interno, mantendo a segurança, performance e durabilidade desejadas.
A norma ISO 10803 cita que em diâmetros maiores é possível chegar a uma ovalização de até 6%, contudo, por segurança, a norma estabelece o limite de 4% como sendo o máximo admissível a fim de evitar danos no revestimento interno (argamassa de cimento), mantendo dentro do limite elástico a parede do tubo quando em flexão. Podemos observar nos resultados dos cálculos apresentados que o maior valor de ovalização adotado foi de 4%, como determinado pela norma. Nos ensaios de ovalização realizados foi demonstrado que a argamassa permanece aderida a superfície, mesmo extrapolando os limites de ovalização normativa previstos aos diâmetros ensaiados.
Os tubos de Ferro Dúctil possuem rigidez diametral suficiente para resistir a cargas externas (rodante e/ou de reaterro), na maioria dos diâmetros fabricados nas classes de espessura K7 e K9, eventualmente necessitando da contribuição da resistência lateral do solo adjacente, em função das cargas a que esteja submetido.
Entretanto, em algumas situações extremas, pode ser que seja necessário auxílio do suporte lateral ao tubo como demonstrado pela teoria de Spangler, quando somente a rigidez diametral do tubo não será capaz de suportar a carga externa a qual poderá estar submetido.
Nos resultados apresentados, o módulo de reação do solo (E’) está diretamente ligado à resistência do solo e a compactação do reaterro, desta forma a reação (E’) diminui para solos de menor resistência e aumenta para solos de maior resistência.
O catálogo da Saint-Gobain Canalização apresenta os resultados desta metodologia, pode-se observar que grande parte dos projetos podem ser atendidos com economia utilizando-se tubos da classe K7, embora com menor rigidez em relação ao K9, com vala tipo 1 ou tipo 2, com altura de recobrimento de solo padrão (80 a 120 cm) ou ainda sob vias onde a compactação lateral é necessária para manter a tubulação dentro de limites aceitáveis de ovalização.
Pelo exposto até aqui pode-se concluir que a instalação de uma tubulação em área rural e/ ou sem carga rodante, pode ser feita em vala com baixa profundidade, sem necessidade de envoltória de material para compactação em suas laterais, o que se traduz em economia, sem riscos para a aplicação da tubulação. Com a presença de carga rodante, a depender da profundidade e do diâmetro, pode ser necessário o emprego das valas tipo 3, tipo 4 ou tipo 5.
Independentemente das alturas mínimas de recobrimento calculadas, recomendamos que seja estabelecida uma altura de recobrimento mínima de 80 cm para evitar danos externos a tubulação, provocados por carga rodante atuando diretamente sobre a tubulação e também para evitar a movimentação dos componentes desta tubulação, garantindo assim sua estabilidade.
Uma das razões da argamassa de cimento estar sempre bem aderida a tubulação, mesmo quando submetida a ovalização, decorre do seu coeficiente de dilatação térmica (12x10-6 m/m/°C) quase idêntico ao do ferro dúctil, que é de 11x10-6 m/m/°C. Adicionalmente, a excelente aderência da argamassa ao Ferro Dúctil se deve a aplicação do revestimento de cimento pelo processo de centrifugação, garantindo que a argamassa depositada no tubo em alta rotação, obtenha uma camada de revestimento interno uniforme, compacta e autoportante, isto também contribui para a resistência nas situações de transientes hidráulicos quando podem ocorrer pressões de vácuo na tubulação exigindo sua aderência.
Comparando as alturas de recobrimento máxima calculadas e as cargas suportadas nos ensaios (tabela 7), pode se perceber o quão seguro é a metodologia, que utiliza um coeficiente de segurança de 1,5 no cálculo da ovalização máxima. Com a quarta e quinta coluna da tabela 7 é possível observar a influência do tipo de vala e tipo de solo no resultado das cargas suportadas.
Fernando Puell
Eng. Civil – MSC Recursos Hídricos - Diretor Industrial da Saint-Gobain Canalização LTDA.
Nathalia de Carvalho Duarte
Eng. Civil - Gerente da Qualidade e Desenvolvimento da Saint-Gobain Canalização LTDA.
Referência Bibliográfica
1. Norma ISO 10803 Design method for ductile iron pipes, 2011.
2. Norma NBR 7675:2005 Tubos e conexões de ferro fundido dúctil e acessórios para sistemas de adução e distribuição de água – Requisitos.
3. Catálogos Saint-Gobain Canalização.
Sócio no Menezes e Menezes Advogados Associados
2 a👏👏
Sócia na Menezes e Menezes Advogados Associados
2 a👏👏👏
Consultoria/CEO/ Diretor comercial - Industrial - ADM Financeiro
2 aFerro fundido é especialidade de Eng. Metalurgistas