Métricas, metas, desempenho e meritocracia
Por: Marcelo Samogin | REMUNERAR - Educador profissional voluntário | Camp Oeste - Centro de Assistência e Motivação de Pessoas
Muitas empresas a partir do mês de outubro estão e estarão mergulhadas nas discussões de cenários de negócio para o próximo ano, num esforço colossal para entender os movimentos de mercado, buscar receitas, acomodar despesas, enfim, estabelecer metas para o negócio e para quem faz parte do negócio, os funcionários.
Podemos elencar algumas definições clássicas (para quem trabalha a mais de 30 anos nisso) e importantes para reflexões, e que atingem em cheio os programas de participação nos resultados (PLR), bonificação de gestores, de executivos, e premiação comercial.
Cenário futuro (qual futuro?)
Não há uma receita de bolo pronta para se desenhar o ano seguinte, muitas variáveis são previsíveis, mas talvez exista uma enorme quantidade de outras variáveis bastante imprevisíveis. Um conflito armado entre países que cause um choque de energia (petróleo) ou um choque cambial pode arruinar os resultados projetados, sem falar nas questões macro e microeconômicas locais. O fato mais importante e presente no modelo econômico das empresas é a curva decrescente do juro básico na econômica. Este evento, ao mesmo tempo em que favorece à concessão de crédito e estímulo ao consumo das famílias, também compromete a receita financeira das empresas, especialmente aquelas que por conta de riscos inerentes ao negócio, são obrigadas a manterem reservas financeiras para suportar flutuações do negócio no tempo. A título de exemplo apenas podemos citar a reserva técnica que uma seguradora obrigatoriamente deve manter e a remuneração deste capital tendo como base a taxa básica Selic.
O impacto da tecnologia no negócio
O impacto da tecnologia varia muito para cada tipo de negócio, para alguns segmentos ele pode ser percebido em 12 ou 24 meses, como no caso dos aplicativos de carona, que na verdade desafiou autoridades municipais exigindo regulação urgente e também formas de acomodar o interesse dos meios clássico de transporte, entre eles, o táxi e ônibus. Em outros negócios a tecnologia sugere atuar como uma doença silenciosa.
A tecnologia é como uma doença silenciosa. Ela vai corroendo o negócio lentamente, sem provocar crises pontuais, mas vai capturando clientes e receitas que sempre foram recorrentes.
Os aplicativos de compartilhamento de produtos e serviços (ao contrário) provoca isto muito rapidamente. Você pode transformar um custo recorrente em custo variável na sua vida, afetando e muito as receitas e previsão de caixa futuro das empresas.
Aplicativos de locação de veículos por hora, por exemplo, podem afetar (ou desequilibrar) uma cadeia de valor inteira da economia. Desde a comercialização de novos veículos, até serviços de manutenção nas oficinas.
Como comentei, o problema é o silêncio da mudança, ela é percebida por uma tela de cinco polegadas e com um formato não muito definido. No passado a concorrência era percebida dentro do bairro, dentro da cidade, quando uma nova loja ou fábrica era inaugurada. Outro exemplo de impacto tecnológico é o silêncio com que o e-commerce avança e fatura bilhões de forma crescente e consistente constituindo uma enorme ameaça para o segmento de locação de imóveis comerciais em grandes centros com taxa de vacância elevadas nem sempre explicadas pelos métodos antigos de mensuração de sucesso da economia real, dos ativos tangíveis.
Grandes metas exigem uma estratégia objetiva e execução impecável
Não há receita de bolo para se definir potenciais de crescimento e metas por mercados, linhas de produtos, sub-regiões e equipes que irão trabalhar. Faz sentido olhar o histórico (quanto ele existe), mas também o potencial do mercado em questão. Como avaliar o potencial de mercado sem uma metodologia? Estes elementos também serão muito úteis para se questionar se o perfil atual da equipe comercial está adequado, aquém ou além da necessidade de entrega dos tais resultados, econômicos ou qualitativos, ou ambos. O que mais percebemos nas empresas é que as metas são definidas por regras simples e clássicas, como volumes divididos por quantidade de vendedores, evitando se o enfrentamento e reflexões importantes sobre os diferentes graus de maturidade dos profissionais.
Indicadores de desempenho e artimanhas sempre possíveis
Não há dúvidas sobre a necessidade de se medir e fazer gestão do que se produz, seja na fábrica, áreas administrativas ou área de negócios e comercial. Também podemos entender que praticamente tudo pode ser mensurado como desempenho, mas nem sempre é fácil. Importante lembrar que em alguns (ou muitos) casos é possível se reduzir em muito a subjetividade de um resultado, numérico ou não. A questão chave aqui é refletir se um indicador de desempenho com um caráter ainda subjetivo pode ser usado para pagar um prêmio com alto valor, sem que outros indicadores possam ser também cruzados para as análises.
Cases de insucesso: São os mais interessantes e provocantes
A revista Harvard Business Review trouxe uma importante contribuição para reflexão sobre este tema de capa na edição de Setembro de 2019 com o título “Não permita que as métricas corroam o seu negócio”.
A revista comenta o caso de um importante banco norte americano que de forma correta ligou seu plano estratégico com metas de crescimento de negócio para comercializar produtos bancários para clientes atuais e novos clientes. Para resumir a história, é provável que o exército de gerentes de agências do banco se sentiu a vontade para emitir cartões de crédito aos clientes sem o consentimento destes, uma fraude, que afetou e arranhou em muito a reputação do banco no mercado, exigindo inclusive provisionamento de mais de US$3 bilhões em seu balanço para custear despesas futuras com litígios.
Ainda que se possa conectar estratégias e indicadores, é importante selecionar um composto de vários indicadores que se equilibram entre taxas, valores, números e especialmente indicadores qualitativos.
Outro ponto chave, os indicadores e resultados devem ser auditáveis a qualquer momento pela auditoria interna, área de compliance ou área de Controladoria da empresa. Isto é importante para se possam avaliar riscos, reforçar a governança, e evitar desvios.
Fato é que em muitas empresas a área de Administração de Vendas é a responsável por acompanhar e apurar resultados de todos os tipos, uma área muito próxima do time de vendas, sofrendo todo tipo de pressão e contágio de interesses até por fazer parte da mesma diretoria.
Há uma linha fina que separa as posturas e comportamentos flexíveis, criativos e éticos dos que preferem práticas pouco éticas, subterfúgios, atalhos malandros, ou mesmo criar as armadilhas de substituição (como a matéria da revista comenta) para se atingir metas. O fato é que o custo da reputação perdida e dos litígios frente aos clientes prejudicados é alto demais.
O segredo é montar uma arquitetura de indicadores numéricos e qualitativos, inclusive com notas de clientes.
No passado recente uma empresa de aviação brasileira propôs um prêmio para os pilotos calculado sobre uma meta possível de redução no consumo de querosene de seus mais de 100 aviões em operação. Nenhum problema, afinal a conta de querosene nas aéreas é enorme.
Fato 1: O controle de tráfego no mundo, junto com as aerovias (estradas aéreas) e suas regras definem as separações mínimas e percursos como padrões duros na aviação, por questões absolutas de segurança, não sendo possível voar de ponto a ponto, diretamente e por vontade um piloto ou companhia aérea. Não se muda isso tão rapidamente, na canetada.
Fato 2: O tráfego mundial cresce e tem crescido muito por conta das "low costs" e exige das autoridades mais e mais regras de segurança e separações mínimas cada dia menores entre aviões circulando numa mesma região ou aerovia.
Fato 3: Não acredito que um piloto experiente e responsável (que pode perder sua licença a cada seis meses com provas de reciclagem duríssimas) estaria disposto a infringir uma regra de voo e controle de espaço aéreo por um prêmio a ser pago por desempenho a um grupo de muitas centenas de aviadores.
Fato 4: Ainda que a regra pudesse ser tentadora para muitos pilotos sensíveis a uma premiação extra no bolso, a opinião do cliente seria o fiel da balança desta discussão sobre desempenho. Lembrando apenas que uma curva mais fechada numa aproximação em um avião com quase 80 toneladas (A320 ou 737-800) de peso máximo de decolagem produz uma sensação de pressão sobre os passageiros um tanto desconfortável. O cliente neste caso e em muitos outros tem o poder de validar ou não o desempenho que o indicador se propõe a mostrar.
Igualmente ao que ocorre no banco norte americano, na empresa de aviação e em quaisquer outras, as decisões afetam a saúde do caixa, a proposta de valor de produtos e serviços, e por fim, a reputação das marcas frente aos clientes.
Sobre o autor
Marcelo Samogin, Diretor da REMUNERAR, consultoria especializada em remuneração estratégica e soluções de meritocracia. Nos últimos 31 anos atuou como profissional especialista em remuneração e executivo de RH nos segmentos de indústrias B2B e B2C, prestação de serviços e varejo de luxo. Fundou e lidera desde 2011 a consultoria REMUNERAR que atendeu mais de 60 clientes e projetos exclusivos de meritocracia desde 2011. Professor convidado da Universidade Federal de Viçosa (UFV-MG) e Fundação Dom Cabral (FDC PAEX) para os temas Gestão de Pessoas e Remuneração Estratégica. Ex diretor do Grupo de Remuneração e Benefícios da AAPSA. Coordenador do Grupo de Remuneração Estratégica da ABRH-SP Região Oeste.