Macron e a falácia da autossuficiência em soja

Macron e a falácia da autossuficiência em soja

Falsa solução pode agravar o problema ambiental no Brasil e no mundo.

O presidente da França, Emmanuel Macron, responde ao seu público interno e à opinião pública europeia ao pressionar o Brasil no tema do desmatamento do bioma Amazônia, que, sabemos, é 98% ilegal ou irregular. Não resta dúvida de que o Brasil tem a obrigação legal de eliminar o desmatamento ilegal.

A postura de Macron segue as diretivas do novo Green Deal da União Europeia, que propõe a rejeição de produtos que contenham “desmatamento importado”. O norte-americano Joe Biden deve lançar medidas similares nos EUA, e a China caminha na mesma direção. Em outras palavras, vai aumentar a pressão contra o desmatamento.

Mas Macron propõe uma solução equivocada, que pode agravar o problema ambiental no Brasil e no mundo: bloquear as importações do Brasil e ampliar a produção europeia de soja. Essa falsa solução vem sendo alardeada pela França desde os anos 1980, inicialmente por pressão dos poderosos lobbies agrícolas daquele país, que queriam reduzir a dependência por importações, e agora sob o mantra da questão climática.

A proposta de autossuficiência europeia em soja é uma grande falácia, pelos seguintes motivos: 

a) a cadeia da soja é um dos melhores exemplos de alocação eficiente de recursos no comércio internacional. O comércio de soja responde por metade da produção global, índice bem superior ao observado em outras commodities —em geral, é menos de 30%. Três países (Brasil, EUA e Argentina) concentram 81% da produção e 87% das exportações, graças à sua notória eficiência; 

b) o Brasil é o maior e o melhor produtor mundial. Nossa produtividade média alcança 3.400 kg/hectare, 25% superior à obtida pela França, 70% maior que a da China e o dobro da Rússia. Além disso, nossos competidores produzem uma safra por ano. Aqui fazemos duas safras sobre a mesma área, sem precisar de irrigação. Ou seja, além de 3.400 kg/ha de soja na primeira safra, conseguimos tirar outros 5.400 kg/ha de milho. Aumentar a produtividade agropecuária é o principal vetor para reduzir desmatamento futuro. A experiência tropical brasileira é sólida e única; 

c) o principal produto que os europeus importam do Brasil é o farelo de soja, usado como ingrediente proteico para alimentação animal. A soja brasileira é a mais rica do mundo em teor de proteína, principalmente nas áreas de cerrado.

Uma alternativa para os franceses reduzirem a sua dependência por soja importada seria ampliar o cultivo de outras oleaginosas mais bem adaptadas ao clima europeu, como canola (colza), girassol e linhaça. A área dessas três culturas na Europa é dez vezes superior à de soja. Ocorre, porém, que essas plantas são muito boas para a produção de óleo, mas pouco eficientes para farelos. E óleos valem muito mais que farelo.

Menos de 12% da soja brasileira é cultivada no bioma Amazônia. Diferentemente do que se propaga na Europa, a nossa produção de soja cresce basicamente por meio da expansão em áreas de pastagens, e não sobre florestas e vegetação nativa. As grandes “tradings” estimam que 95% da soja produzida no Brasil não têm qualquer relação com desmatamento.

Segundo a FAO-Leap (Food and Agriculture Organization - Livestock Environmental Assessment and Performance Partnership), se não estiver associada a desmatamento, a soja brasileira é a que tem as menores emissões diretas no ciclo produtivo, quase 30% inferiores às dos EUA. Contribui para isso a prática generalizada do plantio direto na palha.

Banir o Brasil do mercado internacional, como sugere Macron, terá como consequência a expansão do cultivo de soja em regiões de menor produtividade e qualidade e maior pegada ambiental, piorando a situação, ao invés de melhorá-la.

A solução é o monitoramento, e não o banimento. Em vez da exclusão, promover a inclusão de soja brasileira sustentável e responsável, descolada de desmatamento ilegal, que gere renda no Brasil e contribua para a segurança alimentar do planeta.

Folha de São Paulo, Seção Tendências/Debates, 20/01/2021

(*) Marcos S. Jank - Professor de Agronegócio Global do Insper.

Bernardo Capistrano Camargo

Sócio na Laranjeiras Agropecuária

3 a

A hipocrisia dos países desenvolvidos é criminosa e ninguém parece entender isso. Condenar estados brasileiros da fronteira agrícola à marginalidade da cadeia agrícola internacional é condenar à morte e a fome seus habitantes. Piauí e Maranhão tem os piores IDH’s do país e tem na agricultura a única saída para esse triste destino. Recém admitidos no clube do agronegócio precisam ampliar as areas de plantio. É um crime Oq se faz com o nosso país.

Cassiano Bühler da Silva

Diplomata - Ministério das Relações Exteriores

3 a

Professor, tenho a impressão de que o plano de proteínas vegetais da França é mais uma medida para se tentar estabilizar/reduzir o custo da ração para os produtores de carnes locais do que qualquer outra coisa. Para se ter uma ideia, o custo de produção de 1kg de carne de novilho está em cerca de EUR 4,75 atualmente (de acordo com a FNB francesa) e o preço de venda atual está em EUR 3,80. Mesmo com subsídios da PAC, esse pessoal está com a corda no pescoço! Não surpreende a oposição visceral ao acordo Mercosul-UE... Acho que os produtores de carne franceses adorariam comprar mais soja brasileira, mas não conseguem em função do prêmio que a demanda chinesa está colocando no nosso produto (de maneira mais intensa do que na soja americana).

Helder Rodrigues

Advogado, Mestre em Ciência Jurídica

3 a

Belíssimo artigo. Penso que o Brasil, historicamente, sempre foi anunciado no exterior de maneira prejudicial à nossa imagem e valor. Não é de hoje que a imprensa foca em alardear um País de defeitos e não de feitos. No geral, noriciam violência, putaria, favelas, pobreza, futebol e problemas nas florestas que "servem ao mundo", sem sequer receber turismo. Pirataria? Agora, não tem sido diferente, embora alguns vídeos institucionais tem tentado demostrar ao Mundo um País que, em muitos campos, vem dando certo. No agronegócio, não é diferente. Somos Campeões, em vários aspectos, embora a concorrência internacional invista na demonstração oposta, com a autoridade de quem fala em seu próprio país. Mas, aqui, no Brasil, conglomerados franceses liderarem as vendas, no varejo, aos brasileiros. Franceses vem comprando terras brasileiras (associados aos brasileiros). Na minha opinião, temos que respeitar mais o nosso País, industrializando e diversificando nossa produção primária, para que possa ser oferecida já diversificada e transformada. Ao que suponho, o mundo precisa da nossa produção. Vamos continuar produzindo e mostrando ao Mundo que esse continente chamado Brasil tem saídas comerciais, oportunidades induistriais e mercado.

Antonio Pires

avaliações e negócios corporativos

3 a

Meu caro professor, não seria o caso de verificar de fato se a Europa nao poderá em curto espaço de tempo as mesmas eficiências que temos hoje? Se sim temos como prever consequências?

Carol Silvestre

Especialista em Comunicação Estratégica, Reputação e Branding | Fortalecimento de Marca, Prevenção e Gestão de Crise | ESG | Engajamento de funcionários e Eventos

3 a

Importantes esclarecimentos! Muito obrigada por compartilhar conosco.

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