Malfeitos, greves e nacos de privilégios
O Brasil chegou a ter uma das maiores malhas ferroviárias do mundo. Dispõe de uma das maiores redes fluviais do planeta e uma faixa costeira gigantesca, o que permitiria um intenso transporte aquaviário fluvial e de cabotagem. Há aeroportos subutilizados e uma lamentável concentração em dois ou três grupos econômicos no transporte aéreo nacional, majoritariamente de passageiros. O modal dutoviário é ainda mais incipiente e enfrenta enormes desafios de regulamentação para ser expandido.
É fácil perceber, então, que o verdadeiro nó não está nos “caminhoneiros”, mas na matriz de transporte do país, extremamente concentrada no modal rodoviário. A origem histórica dessa concentração remonta aos interesses da indústria automobilística em suas mais diversas ramificações, desde siderurgia até autopeças. Soma-se também um forte viés de influência da cultura norte americana, centrada no automóvel, num país de dimensões igualmente continentais. Mas o surpreendente mesmo é que, durante décadas, pouco foi feito para mudar esta realidade.
Greves são decorrentes de impasse e, por vezes, muito válidas para manifestar situações de desequilíbrio, com propostas justas de solução. Mas, outras vezes, podem servir a interesses completamente diferentes dos que as deram origem ou ainda a interesses muito localizados.
Todos se identificaram, inicialmente, com os “caminhoneiros” em seu papel de vingadores. Mas, depois de muitos transtornos e algum tempo para refletir, a pergunta é a quem os resultados realmente beneficiam e se não acabam por evidenciar que todos querem seu naco de privilégios. Assim como os “caminhoneiros” com diesel subsidiado e os taxistas, que não pagam imposto integral na compra de seus automóveis, outros profissionais poderiam também reivindicar o mesmo nos insumos e equipamentos necessários ao seu ofício.
O que aconteceria se outras categorias se (des)mobilizassem reivindicando sua parcela de privilégios? Agricultores clamando por subsídios em sementes, defensivos e implementos agrícolas, professores por livros, cursos de atualização e equipamentos de apoio a novas metodologias de ensino, e até Gerentes de Projeto reivindicando alíquotas reduzidas de impostos e remuneração por percentual do valor dos projetos, como fazem, para defender muitas das causas, os advogados!
Passada a crise aguda e continuando a crise crônica, as greves impactaram as mais diversas áreas da economia brasileira já tão combalida com os sucessivos “malfeitos”.
Greves e “malfeitos” prejudicam igualmente os projetos. Ficou claro para todos, que na triste realidade de concentração no modal rodoviário, é mesmo verdade que, sem caminhões o Brasil realmente para. Talvez o que não esteja tão claro é que sem projetos não há futuro!
Onevair Ferrari, DSc, MSc, PMP é professor, consultor, palestrante, coach em Gerenciamento de Projetos e diretor da Nexor Consultoria.
CEO | Gerenciamento de Riscos | Gestão Logística | Inteligência | Negócios
6 aTenho mesmo pensamento. É impressionante também como as pessoas possuem uma visão limitada da situação, acreditando que a expansão para outros modais vai prejudicar o caminhoneiro, fazendo-o perder o seu sustento e jogando diversas famílias na lama. Mentira. A expansão para outros modais vai na verdade retirar famílias da lama, já que será necessário mão de obra para operar os outros modais (e alguns deles de alta especialização, como o pilotos e tripulações da marinha mercante). O que precisa ser mostrado é a integração entre os modais, nenhum trem, avião ou navio vai entregar o produto no shopping ou na porta da casa, isto ainda vai ficar a critério dos caminhoneiros! Eles serão os maiores privilegiados, pois ao invés de terem que ficar 1 mês fora de casa terão a chance de no final do dia estarem com seus familiares, já que as pernas mais longas da viagem seriam executadas por modais com maior poder de locomoção, deixando os caminhoneiros mais regionalizados, melhorando a qualidade de vida deles e até mesmo a segurança nas estradas! Esta na hora de todos aceitarmos que o modelo atual não funciona e que uma mudança em nossa matriz de transportes é urgente!