A marca da humanidade

A marca da humanidade

“Só se pode engajar uma pessoa, não uma função.”

Edgar Schein e Peter Schein, em Humble Leadership

Basta passar os olhos pelos termos que se tornaram recorrentes nos discursos empresariais nos últimos anos para se chegar a uma conclusão: não é apenas o mundo das transformações tecnológicas que está girando em velocidade exponencial. Vulnerabilidade, soft skills, segurança psicológica, saúde mental, liderança evolutiva... o vocabulário organizacional, enriquecido por necessários e bem-vindos termos, evidencia um movimento no sentido de se juntar novamente o que nunca deveria ter sido separado: as dimensões pessoal e profissional de quem faz tudo isso acontecer.

Se imaginarmos, no entanto, uma espécie de disputa mental semelhante à que se passa entre as emoções no cérebro da pré-adolescente Riley, da genial animação “Divertidamente”, podemos ver, nos corredores das organizações, velhos hábitos em redobrados esforços de sobrevivência – “negando as aparências, disfarçando as evidências”, distraídos do fato de que o futuro certamente os relegará ao total esquecimento. Nossos discursos ainda mudam a uma velocidade muito mais rápida que nossos comportamentos.

Líderes têm papel crucial na transformação das organizações. Afirmação óbvia, mas vamos além. Não falo aqui da definição de estratégias, diretrizes e metas, nem da seleção dos times ou da condução de negociações decisivas. Não falo, sequer, da liderança formalmente constituída, demarcada por uma caixinha no organograma ou um título no crachá. Falo do líder forjado em atitude. O que lidera com título ou sem ele, simplesmente porque entende, aceita e exerce a sua responsabilidade em cada situação. Diferente de tantos que estão sempre apontando o que precisa mudar além do próprio círculo de atuação, mas se ocupam tanto de criticar que não lhes sobra tempo ou energia para fazer a sua parte. Afinal, somos todos responsáveis, mas divididos, basicamente, em duas grandes categorias: os que assumem a responsabilidade e os que tentam se esquivar dela.

Os da primeira categoria têm trabalho de sobra pela frente. Reforçar o pratinho das atitudes na balança, para que ele se equilibre com o dos discursos. Transformar as organizações pela prática das relações, dando vida à letra impressa nos compromissos, propósitos, missões, valores e afins. Sair das caixinhas e transbordar em potência e colaboração. Olhar as pessoas para além das funções. Colocar o desejo de aprender acima da necessidade de reafirmar as próprias certezas.

Mas como? No recém-lançado podcast “Metadoxos”, Marcelo Lopes Cardoso, presidente do Instituto Integral Brasil, fala sobre um modelo de organização que, “ao invés de tratar a pessoa como recurso, passa a ser uma escola, que convida ao aprendizado, suporta e desafia o desenvolvimento”. A ideia é uma das bases do movimento teal, que se popularizou a partir do livro “Reinventando as organizações: Um guia para criar organizações inspiradas no próximo estágio da consciência humana”, de Frederic Laloux. Usando como base a Teoria Integral, do psicólogo Ken Wilber, o autor traça paradigmas sobre diferentes estágios de desenvolvimento das organizações. Deixando para trás hierarquias, cadeias de comando, burocracia e a falta de conexão com as humanidades que as constituem, as organizações do estágio denominado teal se caracterizam por propósitos vivos, estruturas autogeridas e ambientes integrais – ou seja, aqueles que acolhem os participantes em sua inteireza, como quem são, e não como as funções que desempenham. Uma longa jornada. E que, como o próprio Marcelo ressalta, exige de quem se dispõe a percorrê-la o exercício do desapego em relação aos resultados, pois a transformação de que falamos raramente caberá em uma vida.

Há, no entanto, uma transformação latente, aguardando, em cada organização, por aqueles que a liderem. A lógica mecânica da produtividade que ainda rege boa parte das organizações não mais dá conta da complexidade em que estamos mergulhados. Imersos num mar de incertezas, aferramo-nos a velhos padrões e modelos como tábuas de salvação, mas é em relações cada vez mais fluidas que nossas realidades se transmutam. Precisamos cuidar delas. As relações.

É aqui que enxergo parte do que cabe à Comunicação nesse processo. Ao falarmos do papel da Comunicação para a liderança, é comum elencarmos temas como engajamento dos times, construção de marca e reputação, tempestividade e transparência na prestação de informações, atuação no gerenciamento de crises, preparo para o relacionamento com a imprensa, definição e compartilhamento de propósito, discurso inspirador, entre tantos outros, essencialmente voltados às ferramentas, práticas e processos que a área gerencia.

Antes de tudo isso, no entanto, e para além, está o essencial: é por meio da comunicação que as relações humanas se estabelecem. Se queremos transformar o modo como nos relacionamos e, consequentemente, os ambientes que esses relacionamentos engendram, precisamos, antes de tudo, estar atentos à forma como nos comunicamos. Daí que promover a comunicação consciente está, talvez, entre as mais importantes missões que a Comunicação pode assumir no interior das organizações atualmente.

Isso inclui sensibilizar para a importância da humanização das relações. No livro “Humble Leadership”, os autores da frase que abre este artigo descrevem quatro estágios de relações, indo do mais superficial, caracterizado por interações mecânicas e “sem rosto”, ao mais profundo, onde acontecem as trocas transformadoras. Boa parte das nossas relações profissionais se dá, em geral, no segundo nível, onde as interações são baseadas nas funções. Mas, como “só se pode engajar uma pessoa, não uma função”, cabe-nos o esforço para evoluir aos dois próximos níveis, onde a profundidade das relações começa a possibilitar a manifestação da humanidade em toda a sua potência.

Isso inclui, ainda, sensibilizar para a responsabilização. A forma como escolhemos nos comunicar tem papel decisivo na cultura que será construída dentro de nossas organizações. Daí que somos todos líderes, para o bem ou para o mal, ainda que não nos demos conta disso. Lideramos quando nos manifestamos ou nos calamos. Quando ouvimos o outro ou o interrompemos. Quando deixamos alguém sem resposta. Quando moldamos o nosso discurso de acordo com o lugar do interlocutor na escala hierárquica. Quando evitamos a negociação, escudando-nos nas “ordens superiores”. Quando evitamos o desconforto das verdades que precisam ser ditas. Tudo isso é comunicação. Consistência, clareza, empatia, escuta genuína.

Não é porque as pessoas à nossa volta ainda não se comportam do modo como gostaríamos de ser tratados que vamos reproduzir as atitudes nocivas, perpetuando um ciclo de desconsideração e desrespeito. Comunicação consciente é pausa, reflexão e ação deliberada. Receber o que vem de fora e devolver não o que o impulso dita, reflexo do exterior. Mas sim o que dita a alma, reflexo do que vem de dentro. É ser fluxo. E, assim, parte da transformação que se deseja.



Luís L'Aiglon Martins

Gerente da Divisão Regional de Operação de Instalações de Fortaleza | CHESF

3 a

Empresas mais humanas, farão com que nossos valores permaneçam na história das organizações.

Alfredo Laufer

Consultor e Diretor do Ceu

3 a

Renata mais uma vez ' cutuca com vara curta" e mostra o fluxo objetivo de como realizar a interação entre a comunicação e o desenvolvimento organizacional para que o engajamento pessoal e copertencimento possam humanizar e sensibilizar a responsabilização para o atingimento de todos os colaboradores, independente de suas funções ou importância no organograma. Estas transformações só serão possíveis quando mesclarmos o avanço tecnológico das plataformas digitais com o que dita a alma no respeito consideração e comunicação com qualquer cidadão que pertença a esta organização. Parabéns pelo tema.

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