Mas e a bateria?
O que os biscoitos de água e sal tem a ver com as baterias de lítio dos carros elétricos?
Sim, é inevitável! Ao compartilhar meu dia a dia com os veículos elétricos, é praticamente impossível terminar uma sentença sem que alguém imediatamente traga o bordão “O problema do carro elétrico .... “ seguido de uma pergunta relacionada à bateria.
O bordão-interjeição geralmente é seguido do desenrolar de um discurso cirurgicamente formatado. Nem mesmo na Apple fui confrontado com tamanha padronização e elaborada oposição à uma nova tecnologia. Por este motivo escrevo este post.
Sim, é compreensível que tenhamos dúvidas em relação às baterias. Aprendemos durante toda nossa vida que baterias duram pouco, logo é natural um elevado grau de preocupação com a longevidade das baterias, tema que abordarei futuramente.
Aqui porém o assunto será a padronização de um discurso comum em relação aos elétricos, discurso que extrapola a mera coincidência.
Exemplo:
- Nossa Clemente, pelo que você conta, os carros elétricos são incríveis! Mas e a bateria?
Dentro então do capítulo das baterias, temos novamente algumas variantes prováveis e bem formatadas de outras opções de combate aos elétricos.
Se a pessoa for mais inclinada ao economics da coisa, a temática será relativa ao envelhecimento e substituição do pack de baterias, com suposto impacto no valor residual do veículo.
Os mais preocupados, eventualmente trarão à tona os raríssimos casos onde elétricos pegaram fogo diante das câmeras, um total histórico de 490 casos globais, número próximo a quantidade de veículos a combustão que pegam fogo todos os dias nos EUA. Estatisticamente falando, 25,1 em cada 100mil veículos elétricos pegaram fogo até o final de 2023 vs 1529,9 em cada 100mil veículos a combustão)
Continuando…
Se o interlocutor for mais sensível em relação ao meio-ambiente e ao impacto social, estes por sorte geralmente mais numerosos, chegará a pergunta que abordarei hoje:
- Mas e a bateria? E a mineração do lítio?
Esta pergunta virá seguida de:
- E depois, o que se faz com as baterias quando estragarem?
E então finalmente eu lhes apresento o biscoito de água e sal.
Biscoitos de água e sal são realmente feitos apenas de “água” e “sal”? Baterias de lítio são realmente feitas apenas de “lítio”?
Não!
Biscoitos de água e sal, apesar de seu nome, são feitos de farinha, sal e em algum momento da fabricação, água. Já as baterias de lítio, apesar de seu do nome, são feitas de cobre, alumínio, grafite, manganês, níquel e para surpresa de muitos, apenas um pouco de lítio, muito pouco.
Para ser preciso, o lítio representa apenas de 1 a 3% do total de uma bateria de íons de lítio. Foco aqui nos “íons”, espécies químicas que possuem carga elétrica e são formados por átomos, isso já nos dá uma dica da dimensão da coisa.
Observe que nessa lista, não se encontra nenhum metal pesado contaminante como o chumbo, metal danoso, poluidor e presente em proporções avantajadas em todas as baterias, de todos os veículos a combustão à venda e circulando há mais de um século, por todo o planeta e possivelmente até fora dele. As baterias dos carros a combustão apesar de seu peso, literalmente de chumbo e com baixíssima longevidade, jamais sofreram qualquer tipo escrutínio, mesmo sendo feitas 100% de metal pesado e poluente e demandando constantes substituições.
Vou além! As mesmas baterias dos veículos elétricos, as de íons de lítio, presentes há décadas também nos celulares e notebooks, sequer tiveram equivalente relevância e preocupação quanto a sua mineração. Não me lembro de ter escutado “Ahh, e a mineração da bateria?", "De onde vem o lítio” ou “Como devo descartar a bateria do meu iPhone depois dela estragar?”.
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Pior! As baterias dos nossos gadgets ainda são do tipo NMC, onde o C representa o cobalto, um polêmico mineral de conflito geralmente extraído no Congo. Por sua vez, as baterias da maioria dos carros elétricos em território nacional, não possuem sequer um grama deste conflito em forma de mineral, são livres de cobalto e de sua problemática extração. Estas são conhecidas como LFP, ou fosfato de ferro-lítio.
Alegar-se-á sobre a proporcionalidade das comparações que trago, mas convenhamos, se você tem uns 40 anos como eu, provavelmente seu consumo de lítio e possivelmente também de cobalto, já beiram algumas centenas de gramas. Aquele controle sem fio do Play ou Apple e Samsung bacana que você aqui me lê, tem lítio e até cobalto! Ou até mesmo aquele PowerBook 5300s dos anos 90, que era literalmente “blazing fast”. Todos tem mais cobalto em suas baterias que todo um BYD Dolphin ou GWM Ora Skin.
Mas fique tranquilo, a mineração do lítio e até do cobalto, ainda que bastante danosa ao meio ambiente e sua população, como todo mineral diga-se, jamais se comparará ao impacto dos combustíveis fósseis e de todas as atrocidades que foram cometidas mundo afora pela obtenção do petróleo.
Vale assistir:
Ainda assim…
Os Koch brothers (hoje no singular) e outros barões do petróleo foram geniais! Estes investiram pesado em uma conhecida campanha de FUD, ou “fear, uncertainty, and doubt”, tudo muito bem narrado no artigo do CleanTechnica e também abordado pela equipe do Transport Evolved:
Sim, é FUD, aquela estratégia de meter medo, muita incerteza e todas as dúvidas possíveis em relação a uma novidade. Similar ao que se fez com o inovador Ford Corcel que só tinha três parafusos nas rodas e arrefecimento líquido do motor. Dizem que no caso do estreante da Ford, a concorrência aproveitou a deixa e nasceram os bordões: “A roda vai cair viu! Pega o Fusca que tem 5 parafusos…” ou “Ihh, isso aí vai ferver…Já o Fusca não ferve, porque ele é a ar”. Mas por sorte apareceu o Passat e tudo se pacificou.
Contra os elétricos a campanha dos Kochs voltou sua metralhadora de FUD para as baterias e também para origem da energia. O último ponto por sorte é pacificado no Brasil, apesar por vezes eu ainda escutar “Mas de onde vem a energia?”. Aqui nossa energia é limpa e renovável e mesmo que suja fosse, as termelétricas costumam ficar longe dos centros urbanos e também são mais eficientes na conversão de energia fóssil em eletricidade que veículos a combustão. Mas o estrago está feito.
Foi justamente dos Koch, que hoje temos um discurso formatado pró petróleo, lamentavelmente disfarçado de anti-elétricos sendo ecoado tanto por ambientalistas e também negacionistas do clima.
A vida para os elétricos não está fácil!
Mas é importante dizer que se o assunto for o ESG e mobilidade, ideal seria primeiro investir no transporte coletivo sobre trilhos, coletivos sobre pneus, políticas habitacionais, ciclovias e se possível, também escolher opções de menor impacto para o modal de transporte individual. Se tudo der errado, que ao menos os carros, na medida do possível, sejam zero emissões nos centros urbanos, como os elétricos que aqui defendo.
Como subsídio ao que trago, temos o profundo estudo do ICCT, um abrangente relatório que aborda toda problemática das emissões totais, não só do combustível ou do veículo, mas também das emissões da logística da monocultura da cana de açúcar, o impacto das plataformas de petróleo e também da mineração das baterias dos elétricos. Os elétricos, ainda que tenham impacto, como todo e qualquer produto, oferecem hoje um caminho consideravelmente melhor, até mesmo em relação aos híbridos movidos com etanol, que em sua unânime maioria, também rodam com gasolina por serem invariavelmente flex.
E finalmente a reciclagem das baterias.
Quando sua hora chegar, após uma longa vida nos elétricos, por volta 15 anos ou de 320 mil a 1milhão Km, e outra vida mais como armazenamento de energia solar, uma bateria de lítio poderá ser totalmente reciclada.
Este processo é feito de forma integral por empresas brasileiras como a Energy Source, GM&C e outras tantas também já instaladas em nossas terras…
Sim, este processo sempre ocorreu com as baterias dos celulares, notebooks e até mesmo com as imundas baterias de chumbo dos Fuscas 1968 ou dos Hondas 2024, ambos com 5 parafusos nas rodas mas até hoje com uma bateria de metal pesado em comum, bateria esta, que por mais imunda que seja, jamais esteve sob a mira das metralhadoras do FUD da indústria do petróleo. Afinal, para queimar o combustível, alguém terá que fornecer a eletricidade para dar partida à velha máquina térmica ao se apertar o “Start”, inevitavelmente uma bateria, geralmente de chumbo e um motor de partida, este elétrico, vejam só...
Clemente Gauer 18 de Janeiro de 2024
Professor de Educação Física
11 mComentei essa semana sobre isso, a indústria petrolífera é muito poderosa
Engenheiro Eletricista | Especialista em Gestão de Projetos | Sustentabilidade | PMO | Gestão de Manutenção | Certificação Green Belt | Imobiliário | Planejamento Estratégico em Engenharia
11 mAdorei seu texto no qual esclarece que as baterias de carros elétricos têm uma composição diversificada, com lítio representando apenas uma pequena porcentagem. Também destaca a reciclabilidade dessas baterias, contrapondo-se a preocupações ambientais, e critica campanhas negativas contra os veículos elétricos! Muito bem embasado!
Mercado Automotivo | Mobilidade | Gestão Comercial | Varejo
11 mExcelente!! 👏👏👏
Jornalista / Editor / Produtor de conteúdo / Repórter / Youtuber
11 mBelíssimo artigo. Informação é poder e também chave opara mudanças de hábitos e discursos. Sobre as baterias de celular, ninguém no Brasil prega contra, porque por aqui pouquíssima gente realmente se preocupa com descarte. Quem for mais bem informado deixa numa bandeja ou coletor (que muita gente ainda acha ser uma outra lata de lixo), seja no condomínio residencial ou empresarial, seja em lojas e assistências e nem pensa muito mais no assunto; quem não for, ou deixa no fundo da gaveta ou manda pro lixo, infelizmente. Sobre o carro, até pelo tamanho da coisa e por legislação, as pessoas acabam pensando um pouco mais e... e aí não têm argumento para qualificar suas palavras. Daí o nível de informação nesse seu texto, que aborda todas essas etapas de produção, uso e fim de vida útil ser tão fundamental.