A Matemática e a Soldagem
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A Matemática e a Soldagem

Quais as vantagens de saber Matemática na Soldagem? Por que o conhecimento de Cálculo é fundamental quando se quer ir mais além à busca por conhecimentos na Soldagem? Como a Matemática pode nos ajudar a entender um problema e propor soluções?

Eu escuto muitas vezes no meu ambiente de trabalho, tanto de colegas como de estagiários eles dizendo que simplesmente não sabem onde e quando aplicar os conhecimentos de Matemática adquiridos nos bancos escolares, desde o ensino médio até o ensino superior. É verdade: não são raras as vezes que nos questionamos onde podemos aplicar todos aqueles conhecimentos de Cálculo adquiridos na escola. Afinal de contas, onde os conceitos de Limites, Derivadas, Integrais, Equações Diferenciais, Cálculo Numérico entre outras disciplinas podem ser utilizados no âmbito da Soldagem?

Certamente, a grande maioria dos cálculos que fazemos no dia-a-dia está relacionada com as operações aritméticas, algébricas, trigonométricas, logaritmos, cálculo de área, volumes e vez por outra uma regressão linear ou algo do tipo, e olhe lá! Mas e o que aprendemos na Escola de Engenharia ou na Faculdade de Tecnologia? O que fazemos com tudo aquilo?

Sejamos sinceros: exceto se você é pesquisador ou algo parecido, poucas serão as oportunidades, para que tais conceitos sejam aplicados diretamente no cotidiano profissional. A verdade é que, no nosso dia-a-dia não temos muito tempo para ficarmos resolvendo equações ou coisas do tipo. Um vaso de pressão não será projetado passo a passo, com contas feitas na calculadora: será utilizado um software dedicado para tal fim. Fazer contas complicadas em uma análise por Elementos Finitos? Nem pensar, o software existe justamente para esse propósito!

Parece que então não sobram mesmo muitas oportunidades para aplicar os nossos valiosos conhecimentos matemáticos, não é mesmo? Bom, não é bem assim e eu vou dar alguns exemplos. Vamos lá!

Há uns anos atrás, eu criei um dispositivo bastante simples que consistia em manter os tubos de aço-carbono que eram revestidos internamente por soldagem com ligas de níquel pelo processo GTAW Overlay dentro da temperatura de interpasse exigida. Essa manutenção era feita por meio do sopro de ar comprimido no lado externo do tubo e oposto à tocha. De uma maneira empírica eu consegui regular a vazão para que esta temperatura fosse mantida. Mas, haveria uma forma de calcular qual deveria ser a vazão do gás para que a troca de calor fosse suficiente para manter a temperatura de interpasse dentro de certo limite? Afinal de contas, os parâmetros de soldagem poderiam variar, assim como diâmetro do tubo, o material de base do tubo, o metal de adição, entre outros. Certamente que apenas com os conhecimentos da Matemática Elementar ensinada no ensino médio isto não seria possível: era necessário possuir bons conhecimentos de Transferência de Calor e algum traquejo com equações diferenciais para modelar o problema. Conhecimentos de Cálculo Numérico também seriam bem-vindos nesse caso, pois nos ajudaria a criar um programa na linguagem C++, por exemplo, o que facilitaria a determinação da vazão em outras situações. Esse é um exemplo prático de uma possível aplicação.

Agora vamos supor que você está lendo uma norma de soldagem, digamos que seja a DIN EN 1011-2, intitulada Recommendations for Welding of Metallic Materials. Lá na página 41 você se depara com uma equação que permite calcular o famoso “tempo de resfriamento t8/5”, para situações onde o escoamento do calor é tridimensional, ou seja, na soldagem de chapas grossas. 

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Você sendo um bom Engenheiro ou Tecnólogo de Soldagem sabe que essa equação é especialmente útil quando se pretende prever a formação de certas microestruturas durante o resfriamento do metal de solda e da zona afetada pelo calor. Pois bem, a fórmula está lá, pronta para uso, mas neste dia você por algum motivo que saber de onde veio aquilo. Afinal, como se chegou naquela fórmula para se determinar o tempo de resfriamento da junta? E se você quisesse saber, por exemplo, qual seria o tempo para a junta resfriar de 500°C a 200°C? Como você faria? Aí você consulta o livro de algum autor renomado, por exemplo o Welding Metallurgy do Lancaster, e descobre que tudo nasceu da seguinte equação:

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E que, com algumas hipóteses simplificadoras, a equação acima se torna:

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E que por fim, uma das soluções, proposta por Rosenthal para chapas grossa é a seguinte:

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E que, baseada nesta solução, a norma DIN chegou na equação simplificada.

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Onde é necessário apenas substituir os valores das variáveis para se obter o tempo de resfriamento. Pois é, mas para entender todo esse desenvolvimento é necessário possuir alguns conhecimento de Cálculo, não é verdade?

Agora digamos que você se interessou pelo tema e quer aprender mais sobre a transferência de calor na soldagem e resolva ler um livro sobre o assunto. Pois bem, presume-se que o leitor nesse caso já possua conhecimentos prévios sobre termodinâmica, transferência de calor e, claro, conhecimentos de cálculo e equações diferenciais.

Neste momento pode ser que você perceba que não lembra mais nada a respeito de tais matérias, pois seu único objetivo durante a graduação, era passar na disciplina, porque você no fundo nunca deu importância para aquilo. Talvez você não tivesse a mínima idéia (e ninguém lhe explicou) onde tudo aquilo seria aplicado na sua vida profissional. Pois é, aí você se sente frustrado, pois percebe que não irá conseguir ir adiante na leitura. O mesmo sentimento de frustração viria à tona durante a leitura da grande maioria dos artigos científicos publicados em revistas especializadas (por exemplo o Welding Journal, da AWS) onde são apresentados diversos modelos matemáticos para abordar e resolver os mais diversos problemas de soldagem.

Não vou me prolongar mais com outros exemplos, mas começa a ficar claro que saber Cálculo nessas horas é uma grande vantagem, não é mesmo? Pois é. Pena que talvez não tenhamos dado a importância merecida a esta cadeira nos nossos cursos de graduação. Mas será que a a culpa é só nossa? Qual é a parcela de responsabilidade das instituições de ensino superior nesse cenário?

De fato, há uma grande dificuldade das Escolas de Engenharia e Faculdades de Tecnologia em mostrar ao aluno, com clareza, a aplicação de tudo aquilo que se ensina nas disciplinas de cálculo, estatística, cálculo numérico com as outras disciplinas e também na vida profissional. Ora, os conhecimentos não devem ser estanques, muito pelo contrário, deveria haver uma perfeita harmonia entre as disciplinas do ciclo básico e do ciclo profissionalizante, que no final das contas devem se completar. Isso é ruim, pois desanima o aluno e coloca um fardo pesado nas costas deste logo nos primeiros anos de ciclo básico.

Por fim eu diria, com base no que foi exposto aqui nestes pequenos exemplos, que a Matemática permite que você adquira novos conhecimentos, aprimore os já existentes e torne o seu embasamento teórico mais sólido para que os fenômenos sejam compreendidos com mais clareza. Assim será possível tomar melhores decisões e propor soluções com mais propriedade, com mais segurança e com mais profissionalismo. Lembre-se também que o exercício matemático melhora o nosso raciocínio lógico e fortalece a nossa capacidade de concentração .

Vamos revisar ou reaprender a matéria? Garanto que o seu olhar e a sua percepção das coisas, não apenas aquelas relacionadas à engenharia, irá mudar bastante e isto irá trazer muita satisfação pessoal.

Sucesso a todos nós!

Grande abraço.

Marcello Ferrari, Eng.° MSc.

Sidnei dos Anjos

Assistente Técnico - voestalpine Böhler Welding Brasil

3 a

Muito bom, artigo recomendado para quem é da área de soldagem, a famosa equação de Rosenthal.

Esse é o tipo de artigo que os alunos de engenharia deveriam ler no primeiro dia de aula. Otimo texto .

Marcelo Feijó Godoi

Especialista de soldagem / Engenheiro mecânico

5 a

Muito Bom! Parabéns...

James Machado

Supervisor de Produção (Fundição)

5 a

Os calculos matemáticos aplicados em áreas da engenharia, ainda que não sejam aplicados na íntegra no dia a dia do profissional, desenvolve empiricamente no profissional, a capacidade de raciocínios rapidos, facilidade na interpretação de problemas, possibilidade de prever situaçoes inéditas, aplicação de raciocinio lógico dentre outras aplicações, todas sem um campo ou area de conhecimento específico. Portanto aproveitem suas aulas de cálculo, fisica, geometria analítica, termodinâmica, resistencia dos materiais, mecanica dos fluidos, etc. Mesmo que não visualizem uma aplicação direta no futuro.

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