Mecanismos de Punição nos Esports: Efetividade e Desafios Jurídicos no Caso Loud e Team Solid na Esports World Cup'24
Governança Corporativa, Transparência nos Regulamentos e Avaliação de Condutas nos Esportes Eletrônicos
O crescimento exponencial dos esportes eletrônicos transformou esta modalidade em um fenômeno global, trazendo desafios regulatórios e jurídicos únicos. Recentemente, as equipes brasileiras Loud e Team Solid enfrentaram uma punição significativa na final da Esports World Cup, destacando a necessidade de uma análise profunda dos mecanismos de punição e governança nos esports.
As equipes brasileiras de Free Fire foram punidas com base no item 15.11.4 “Teaming Up” do Regulamento da competição que trata sobre a associação de equipes durante a competição com o objetivo de obter vantagem (conluio).
O termo “Teaming Up” nas competições de Battle Royale, pode ser caracterizado quando duas ou mais equipes realizam atitudes de colaboração para obter uma vantagem. Em competições internacionais, o agrupamento geralmente ocorre entre equipes da mesma região ou país.
Há vários cenários em que isso pode acontecer. Por exemplo, uma equipe pode favorecer “kills” mortes gratuitas para outra equipe do mesmo país para lhes dar uma vantagem.
Outra situação é quando equipes da mesma região ou país concordam em não se matar, mesmo quando se encontram acidentalmente dentro do mapa, ou, há uma combinação de ataques coordenados contra outra equipe.
Compreendo o fundamento da punição, se faz agora necessário compreender como funcionam os regulamentos e as formas de avaliação de condutas dentro dos eventos de Esports.
As competições de esportes eletrônicos são disputas entre equipes ou participantes, que utilizam um jogo (software) como base de suas competições. O desenvolvimento dessa prática vem se aperfeiçoando cada vez mais durante os anos, ganhando o status e reconhecimento por muitos órgãos e através de construções jurídicas-jurisprudencial, de pratica esportiva, considerado um esporte e seus praticantes atletas.
Os esports, diferentemente dos esportes tradicionais, possuem um ingrediente específico que é a necessidade de um jogo (software) para o desenvolvimento de sua prática e competições. Aqui reside uma grande diferença do esporte eletrônico para os demais esportes, pois nele há a interferência direta de um terceiro, proprietário do software necessário para o desenvolvimento da competição, que é a desenvolvedora.
A desenvolvedora não atua somente como proprietária do jogo, uma vez que, por deter a sua propriedade, poderá autorizar ou não uma competição, restringir a participação de jogadores ou equipes e definir, inclusive, alterações dentro da estrutura e dinâmica dos jogos (meta) sem qualquer consulta prévia e inclusive durante um torneio.
Há nos esports um duplo regimento: 1) que deve ser observado para a própria participação do atleta (aqui consumidor) ao utilizar o jogo, obedecendo os termos e usos, 2) o regulamento das competições organizadas ou não pelas desenvolvedoras.
No caso da EWC ela é uma competição privada, desenvolvida através de um grupo organizador do evento, que em parceria com organizações internacionais e as desenvolvedoras dos jogos, criou uma competição de nível internacional com premiação significativa.
Por se tratar de uma competição privadas, suas regas e procedimentos são estabelecidas pela própria organizadora do torneio, que também estabelece, dentro desse guia de regras, os procedimentos de avaliação de condutas, integridade, comportamento e os níveis de punição, que podem ser desde uma advertência até o banimento das competições por eles gerenciados.
Os times e os atletas, ao ingressarem nessas competições aderem ao regulamento, concretizando um negócio jurídico de validade vinculada e condicional, onde as regras, procedimentos e formas de disputa são aceitas pelas partes.
Assim, alguns pontos de destaque devem ser observados nesse caso:
1) As regras e procedimentos são estabelecidos pelos organizadores do evento que podem ou não terem a participação da desenvolvedora;
2) Os torneios possuem regras e procedimentos compostos, ou seja, além das regras do torneio é necessário a obediência dos termos de uso do jogo, condicional ao uso do software e a plataforma;
3) Os procedimentos disciplinares também são dispostos nos regulamentos, assim como as punições de advertência, perda de pontos, eliminação da competição e banimento;
4) Os times ao se inscreverem aderem ao regulamento (contrato) e devem seguir as normas.
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O avanço dos esports trazem em sua bagagem uma necessidade jurídica de garantia dos elementos competitivos, onde cada vez mais são presentes na medida em que os patrocinadores, marcas e investidores estão cada vez mais integrados na divulgação da modalidade esportiva.
Assim, preocupações jurídicas já fazem parte dos esports, tais como regras de governança corporativa, aplicáveis à administração das competições de esports, enfatizando a necessidade de transparência, responsabilidade e equidade na gestão dos torneios e na aplicação de punições através de estruturas organizacionais robustas que possam lidar com as complexidades regulatórias desta indústria em rápido crescimento, e métodos transparentes e ágeis de solução de conflitos, e aqui podemos citar as ADR e ODR, aplicáveis nas competições de esportes eletrônicos.
ADR - Alternative Dispute Resolution são meios de resolução de conflitos alternativos, que antecedem à via judicial, tais como a mediação, a conciliação e a arbitragem.
Já as ODR – Online Dispute Resolution, busca meios de solução de conflitos de forma online, através de automatização de etapas, precedentes e busca de uma decisão justa, transparente, participativa e célere, o que parece bem natural dos esports, que dentro das devidas proporções, alguns torneios nacionais utilizam por meio dos comunicados e atos nos servidores específicos “discord”.
Já temos exemplos de como os esports avançam para esses mecanismos de solução de disputas. A ESIC (Esports Integrity Commission) [https://esic.gg] anunciou uma parceria com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual WIPO (World Intellectual Property Organization) [https://www.wipo.int] onde as duas entidades desenvolverão mecanismos para resolver disputas que surgem dentro das indústrias de Esports e jogos digitais.
Através do Centro de Arbitragem e Mediação da WIPO, os impasses gerados pelas entidades que compõem a ESIC serão solucionados com a colaboração da entidade internacional, que possui experiência prática de métodos rápidos de resolução de litígios.
O caso Loud e Team Solid abre uma discussão não apenas pelo ato de punição em si, mas também sobre todo o sistema de resolução de disputas nos esports e a necessidade de implementação de métodos de governança nos esportes eletrônicos.
A análise dessas punições e formas de avaliação de condutas devem compor a agenda das equipes de esports, que precisam evoluir para uma melhor compreensão das regras dos torneios, maior participação e intervenção nos processos de punição, e avanços representativos junto aos organizadores dos eventos nacionais e internacionais, atuando como verdadeiros agentes de construção regulatória na indústria e não meros espectadores do mercado, uma vez que seus faturamentos e sustentabilidade financeira dependem significativamente de sua exposição e premiação em torneios.
À medida que os esports continuam a se expandir globalmente, a implementação de métodos robustos de governança e resolução de disputas será essencial para manter a integridade e a transparência das competições. As iniciativas como a parceria entre ESIC e WIPO representam passos significativos nessa direção, mas ainda há muito a ser feito.
No horizonte, vemos a possibilidade de uma maior padronização dos regulamentos e uma integração mais profunda entre os diversos agentes envolvidos nos esports, desde desenvolvedores até organizadores de torneios, equipes e jogadores. Esse movimento não apenas fortalecerá a credibilidade das competições, mas também atrairá mais investimentos e patrocínios, solidificando os esports como uma modalidade profissionalizada e minimamente regulamentada no cenário esportivo global.
Em tempos de Olimpíadas dos Esports já noticiadas pelo COI (Comitê Olímpico Internacional), o ocorrido com Loud e Team Solid abre um leque de questionamentos sobre diversos assuntos como sistema confederativo, representatividade internacional, papel de cada uma das organizações, representatividade de atletas e o atendimento aos princípios olímpicos.
Estes temas necessitam de um tratamento detalhado em artigos específicos, mas é inegável que a evolução da governança nos esports terá um impacto profundo e duradouro no futuro desta indústria disruptiva e em rápido crescimento.
Antonio Bratefixe
Advogado | Linkedin Esports Top Voice | Sócio de Có Crivelli Advogados | trabalhista | consultivo | contencioso | desportivo | Games e Esports | Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Processo Civil pela PUC/SP | Especialista em Administração de Empresas pela FGV | Professor, Palestrante e Autor do livro "Introdução ao Estudo do Esports Law: Direito do Esporte Eletrônico" 2021. Editora Mizuno
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Vice-Presidente de Games e Esports na ASSESPRO - RJ | Pós-graduação Lato Sensu - MBA em Gestão do Esporte
5 mMuito explicativo.