Mental coach numa comissão técnica: desafios de um bom gerenciamento de grupo
As equipes de ponta do futebol brasileiro se preparam para as reapresentações de seus elencos, com caras novas e os desafios propostos para este ano de 2024, com um fator complicador para àquelas com mais destaques: a Copa América na metade do ano que irá desfalcar bastante os elencos, ainda mais com essa gama de jogadores sul-americanos disputando o Brasileirão.
Nestas reapresentações de agora, muitos sonhos e boas intenções. A comissão técnica vai palestrar, os atletas irão ouvir, os departamentos irão interagir e opa... cadê um mental coach contratado diretamente pelo clube? Muitos afirmarão que estou puxando a brasa para o meu churrasco e é isso mesmo: quero a minha carne bem assada e passada. Senão vejamos: fora as questões táticas, técnicas e físicas, as comissões técnicas serão competentes para gerirem grupos com personalidades, histórias e status diferentes? Quantos jogadores foram descartados oriundos de uma má gestão de pessoas? Diretor de futebol, vou ser papo reto contigo: aceita passivamente que um técnico descarte um ativo do grupo, sem mais nem menos, não compreendendo que este mesmo atleta treina bem e sempre foi destaque em outras equipes, alguns inclusive sendo convocados para suas respectivas seleções? Não valeria uma conversa?
Num plantel, brincamos que um treinador conta com 22 descontentes e 11 mal-agradecidos. É da natureza humana este personalismo, mas quem sabe um mental coach possa ir inoculando neste grupo de reservas metas pessoais, espalhando-a em pequenos grupos para que, quando pinte a oportunidade, o descontente (agora contente) esteja tinindo nos cascos? Do mesmo modo que alguns clubes contam com técnicos permanentes, deveriam contar também com mentais coach permanentes. Isso não exclui a necessidade de psicólogos e em alguns casos, até psiquiatras, por que não? Nós, das Ciências Humanas, temos um olhar diferente para avaliar as coisas. Sou filósofo.
Como me vejo numa comissão técnica? Contratado para um grupo. Passada certa etapa da vida, cresce na gente o desejo genuíno de ajudar o meio. Realizando um treinamento para um atleta de ponta do futebol brasileiro, posso obter o meu meio milhão, mas isso apenas (o dinheiro) não me satisfaz. Sei que o salário para o plantel será menor, mas o oferecimento das ferramentas irá mudar o mindset de não apenas um, mas de um grupo.
Quando falo que o meu trabalho exige discrição, explico o porquê: não posso ficar me promovendo em cima dos atletas atendidos. Estrelas são eles, não eu. Além de ser antiético, revela algumas futricas bobinhas que no afã de querer promover os serviços de um colega, vejo ele relatar que um atleta profissional ligou para ele para saber se poderia comer um pastel. Que coisa mais ridícula!
Nesta minha função, não serei leva e traz, garoto de recados. Ouvirei atentamente as demandas, traçaremos em conjunto metas possíveis e seguindo-as, alcançaremos o impossível. Não faço questão nenhuma de aparecer para a imprensa. Chamado para conversar pelo auxiliar do treinador ou pelo próprio, não irei citar confidências, mas poderei atestar que determinado atleta está preparado para performar (adoro este novo verbo!, valeu Tite) com foco. Horas de crises, pressão da torcida, entrevistas coletivas após derrotas, estarei a postos colocando algodão nas peças de cristais.
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Para exercer a minha função no futebol, tem que gostar de gente, de relações interpessoais e amar o futebol. Daí a minha exclusividade: sinto muito atleta de judô, de basquete, de vôlei, de cuspe à distância, não me envolvo pois não conheço as suas modalidades. No futebol é diferente. Entendo do riscado até devido ao fato de ter sido um goleiro no futebol varzeano.
Presidentes, diretores de futebol, querem criar estardalhaços com contratações bombásticas? Cuidado! Pode se tornar uma bomba ali na frente. Milhões de euros, de dólares, milhões, milhões e milhões. Tudo bem, cara pálida, mas cadê o flanelinha para ajudar a estacionar estes carrões todos? O flanelinha é o mental coach, assim como já me designaram como motivador, apoiador, incentivador, aplicador do método “faca na caveira”, ajudador, desenvolvendo carreiras para que eles alcancem o topo e antes de mais nada, não farão favor nenhum em me contratarem. Eu é quem farei um favor a vocês!
Arrogância? Não me interpretem mal. Apenas tenho em mim a confiança e a certeza de que com pouco podemos (e devemos) fazer muito. Que na gestão de grupo a confiança (e a autoconfiança) são fundamentais como espelho para incentivar àqueles que estão meio borocoxôs. Uma coisa que me cobro muito é ser coerente com aquilo que exerço: “casa de ferreiro, espeto de ferro mesmo”.
Aprendi com Gérson (não o Canhotinha de Ouro, mas sim o do Flamengo atual) o exercer o meu ofício com a cabeça erguida, correr e lutar pelos meus objetivos correndo o tempo inteiro e deixando o meu sangue no campo (nem tão dramático assim!) e, se alguém vier me encher a paciência com o meu jeito de ser, bradar em alto e bom som: “Chupou laranja com quem, irmão?!”.
Tenho a faca. Dirigentes de clubes têm as caveiras. Vamos compor algo?