MENTORIA ESG. Quer trabalhar com sustentabilidade Empresarial? Pratique valores e atitudes ESG
Aos profissionais que me consultam sobre trabalhar com ESG, animados com as possibilidades de uma carreira de impacto positivo, costumo fazer recomendações de natureza comportamental. No primeiro artigo, para essa série de Mentoria ESG, sugeri ser intelectualmente honesto. Neste, vou tratar da importância de praticar valores ESG. Também vou indicar sete reflexões necessárias.
Anote, para o começo da conversa: valores representam princípios que definem de que forma indivíduos e empresas agem e interagem. Formados ao longo de uma vida, nas relações com diferentes grupos, os valores pessoais orientam comportamentos e influenciam condutas. Os valores empresariais, por sua vez, são tão importantes para as corporações quanto os valores éticos e morais são para os indivíduos. Moldam atitudes, hábitos, decisões e políticas internas. Norteiam o negócio, servindo como uma espécie de guia para atitudes e mentalidades.
Quando comecei minha carreira profissional, os valores pessoais eram pouco estimados no mundo empresarial. Havia um acordo tácito entre empregadores e empregados: da porta para dentro, a empresa definia o que era certo e errado, e isso não estava em discussão. O colaborador que lutasse. Lembro do alerta constrangido do meu primeiro empregador: se eu quisesse “vencer” na empresa, deveria deixar os meus valores do lado de fora. Zeloso, ele queria, no fundo, proteger-me de frustrações em relação a atitudes nem sempre muito éticas que a empresa, segundo ele, era “forçada” a tomar para se “manter no mercado.” Recomendou que eu aceitasse as “regras” sem julgá-las, ou não esquentaria cadeira na organização. Não esquentei mesmo. Meus valores éticos nãos se afinavam com os daquela companhia. E ela não fazia nenhum esforço para criar afinidade. Outros tempos. Tempos inglórios.
Corte rápido: três décadas depois, as empresas me contratam na Ideia Sustentável para dizer aos seus jovens líderes que não só respeitam os seus valores pessoais como desejam ser um veículo para convertê-los em propósito, melhores vínculos, relações e negócios. Hoje, mais do que em épocas passadas, escolhem os seus colaboradores conforme a compatibilidade com os seus valores, não por acaso, cada vez mais permeados por crenças do universo ESG. Parece ao mesmo tempo ingênuo e calculista. Prefiro enxergar como uma evolução na ordem das coisas.
Uma cultura orientada por valores ESG reconhece e estimula a empatia, o cuidado, a cooperação. Incentiva a diversidade, inclusão e equidade, o diálogo horizontal. Encoraja a ética, a transparência e o walk the talk. Considera o respeito ao outro e ao meio ambiente, uma visão positiva que concilia propósito com lucro e a ideia de ser melhor para o mundo. Ao incorporar esses valores à sua cultura, as empresas nada mais fazem do que responder aos desejos, expectativas e aspirações das novas gerações. Desejam se manter relevantes com o marcas empregadoras. E isso me parece, no mínimo, inteligente.
UM CASO PARA PENSAR
Conto uma história para mostrar como o respeito aos valores evoluiu no mundo empresarial. Ocorreu há duas décadas. No intervalo de uma aula de MBA, um colega de turma discorreu, com requintes de crueldade desconcertante, sobre o modo como “buscava maximizar a eficácia na negociação com pequenos fornecedores.” O procedimento do qual se orgulhava (na verdade, uma modalidade de tortura sem masmorra) consistia em expor o “parceiro” a situações de estresse psicológico (longas esperas, sem água e café, silêncios programados, rispidez no trato) para destruir os seus nervos, minar a sua auto-estima e pressioná-lo a aceitar o preço imposto pela empresa.
O episódio, vale lembrar, não só não foi condenado como recebeu elogios calorosos dos executivos estudantes. Eu era uma perplexa exceção. Quando hoje o apresento em grupos de mentoria a reação é, como deveria ser para humanos mentalmente sãos, de reprovação imediata. A conversa deriva para um debate sobre valores. E, invariavelmente, os mentorados alegam que prefeririam sair da empresa a conviver com uma situação tão degradante.
Uma das características dos valores é que eles evoluem (ou, pelo menos, deveriam evoluir) em conjunto com os hábitos e costumes da sociedade. Há 20 anos, a tortura psicológica de fornecedores era moralmente aceitável segundo uma ética da “porta para dentro.” Hoje pouca gente a admitiria em público sem parecer insana. Há duas décadas, o racismo, a homofobia, a gordofobia, a misoginia, o autoritarismo patológico, o bullying, a chefia tóxica, o desrespeito a direitos humanos, o assédio moral e sexual eram socialmente tolerados em empresas movidas a comando-controle. Hoje repelem gente saudável. Afastam indivíduos que não aceitam práticas corporativas contrárias aos seus valores.
Outros tempos, menos bastardos. Há dois meses, um mentorado trocou a empresa onde era vice-presidente por discordar do “modo desumano” com que o CEO tratou um acidente com mortes na comunidade. Você teria feito o mesmo? Uma jovem formada em Física deixou o cobiçado programa de trainee de uma grande empresa brasileira por não enxergar correspondência entre o discurso de diversidade e a efetiva inclusão das pessoas diversas. Teria agido igual? Uma comunicadora retirou-se de um processo de seleção depois de a empresa se envolver num escândalo de prática de trabalho análogo ao escravo. Teria levado esse tema em conta? Um consultor, em fase de transição, “demitiu” um cliente após o diretor de sustentabilidade assediar moralmente uma de suas colaboradoras. Cada vez mais pessoas parecem menos tolerantes com desvios de caráter das empresas.
Portanto, se quiser trabalhar com ESG, pratique valores e atitudes ESG.
(1) Aproprie-se da sua consciência.
Não coloque uma venda em sua consciência. Não deixe os seus valores pessoais fora do jogo. Nunca. Ninguém é obrigado a trabalhar numa (ou para uma) empresa que não estimula a empatia e o cuidado, a diversidade e a inclusão, o respeito ao outro e ao planeta. Mesmo que essa empresa esteja bem colocada num dos muitos ratings de ESG. Parte deles, como se sabe, precisa melhorar muito. Lição aprendida nos últimos 25 anos, depois de atender mais de 350 companhias brasileiras no tema: o que define a potência ESG de uma empresa não é a sua prontidão em responder questionários de ratings mas o quanto os valores ESG estão incorporados á cultura da organização, impactam positivamente os stakeholders e mudam efetivamente a maneira de pensar e fazer negócios.
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(2) Saiba que nenhuma decisão ESG é neutra.
Anote aí: escrevi no meu livro Vamos Falar de ESG? (Voo, 2022) que decisões de negócios não são atos meramente técnicos. São atos sobretudo humanos, porque podem melhorar ou piorar a vida de pessoas e meio ambiente. A dimensão “técnica” não deve servir como um salvo-conduto para a prática de pequenas e grandes iniquidades. Quando você empresta o seu conhecimento, sem crítica, sem colocar na mesa objeções necessárias, para uma decisão que pode prejudicar comunidades e meio ambiente, está aceitando o ônus moral da conivência. Cedo ou tarde, terá que lidar com o peso do travesseiro.
(3) Questione o walk the talk.
Não consinta, sem crítica, com as famosas contradições entre o discurso e a prática. O walk the talk é um valor ESG, como ficou claro para mim depois de entrevistar mais de 300 líderes brasileiros para a Plataforma Liderança com Valores . É seu papel, sim, questionar clientes e superiores sempre que perceber incoerências desconfortáveis, sempre que notar que as conveniências do negócio estão sendo colocadas acima de/ou contra os interesses da sociedade e do meio ambiente. Conteste, argumente, defenda posições com serenidade. O confronto educado é uma maneira de promover revisões de consciência.
(4) Entenda que intolerância em doses seguras pode ser necessária e pedagógica.
Não tolere, em nenhuma hipótese, o racismo, a homofobia, o bullying, o assédio moral e sexual, o desrespeito a direitos humanos na cadeia de valor. São práticas com valores essencialmente contrários aos valores ESG. Também não tolere situações, muitas vezes dissimuladas, que coloquem em risco a sua saúde mental, a segurança emocional dos que trabalham com você e o equilíbrio trabalho-tempo livre.
(5) Seja transparente sempre.
Se você é consultor ESG, seja transparente em relação às suas posições e valores pessoais. E exija também transparência dos clientes. Demonstrar vulnerabilidade é uma força que aproxima e cria vínculos justos e honestos. Apesar de nem sempre tão simples, uma relação aberta, em que as partes se conhecem e se respeitam, traz ganhos para todo mundo. A transparência é um valor ESG.
(6) Exercite a empatia.
Se você é colaborador ESG de uma empresa, cobre dos seus superiores a realização prática cotidiana daquela máxima cristã de não fazer ao outro o que não gostaria que lhe fosse feito: não aceite que uma colega seja demitida logo após a licença-maternidade, não normalize a comunicação violenta, não peça a consultores detalhamento de projetos sem pagar por isso, discuta os prazos longos de pagamento que podem asfixiar pequenos fornecedores.
(7) Compreenda por quê e para quem trabalhamos.
Cobre dos clientes e superiores uma adequação da estratégia da empresa aos 17 ODS propostos pelo Pacto Global - Rede Brasil . Não de forma protocolar. Mas por convicção e propósito. A agenda 2030 nos faz lembrar por quê (superar os desafios que ameaçam a sustentabilidade da vida no planeta) e para quem (as pessoas mais vulneráveis, as futuras gerações) trabalhamos. Atue também para acionar a chave necessária na mudança de consciência dos líderes de negócios para os seus desafios humanos. Seremos julgados no futuro pelo que fizemos ou deixamos de fazer hoje.
Ricardo Voltolini é CEO da Ideia Sustentável , fundador da Plataforma Liderança com Valores , mentor, conselheiro, professor, coordenador do curso de pós-graduação ESG, Liderança e Inovação da FAAP (SP) e autor, entre outros, do livro "Vamos falar de ESG. Provocações de um pioneiro em sustentabilidade empresarial" (Voo, 2022)
Base Industrial de Defesa, Comunicação Corporativa e CPESG
11 mFantástico, Prof Ricardo Voltolini!!! A autenticidade certamente irá conferir maior credibilidade ao profissional de ESG.
Especialista Social - ESG e Gestão Estratégica de Sustentabilidade | Responsabilidade e Impacto Social | Comunicação Social | Cidadania, Inclusão, Equidade, Diversidade e Governança Corporativa | Secretária Executiva
12 mPerfeito!!! Um artigo melhor que o outro... e todos, um grande presente para nós!!
Sócio fundador e presidente do conselho consultivo da Foco Inteligência / Diretor de Comunicação & Marketing / Professor universitário (graduação e pós-graduação/MBA)
1 aVerdadeira aula! 👏👏👏👏
Engenheiro Ambiental |Sustentabilidade| ESG | Construções Sustentáveis | Perito Ambiental | Auditor Interno e Externo | Sistema de Gestão Ambiental| Licenciamento Ambiental | Consultor Ambiental e ESG , NR's, ISO 14001
1 aPrezado Ricardo Voltolini, Expresso meus sinceros agradecimentos por sua dedicação à orientação de profissionais ambientais em direção ao ESG. Suas palavras destacam a importância técnica e a crucial necessidade de valores sólidos nesse contexto. Ao absorver suas orientações, percebo a evolução na valorização de princípios éticos no mundo empresarial. Como profissional em Engenharia Ambiental, estou entusiasmado em me preparar para ingressar ativamente nesse cenário desafiador, integrando os valores ESG em minha carreira. Agradeço por compartilhar sua experiência. Estou ansioso para contribuir na construção de um futuro empresarial mais ético, sustentável e alinhado com valores humanos.
Strategy | Agile and Digital Transformation | PMO | Executive MBA - IESE Business School ‘25
1 aLiza Freitas