Mercado Corporativo: você pode ser antirracista assumindo sua parcela de responsabilidade no enfrentamento do racismo estrutural
As últimas duas semanas foram marcadas por intensas manifestações nos Estados Unidos, em reação ao assassinato por um policial branco de um cidadão negro chamado George Floyd. Já no Brasil após a morte dos meninos João Pedro, baleado dentro de casa após uma operação desastrosa da polícia e Miguel - que caiu de um prédio de Luxo no Recife, após ser deixado sozinho em um Elevador pela empregadora de sua mãe - o movimento negro saiu à rua em protesto.
Como de costume as redes sociais refletiram essa indignação levantando as hashtags #blacklivesmatter e #vidasnegrasimporta e promovendo o movimento blackout, no qual muitas marcas e empresas se posicionaram em apoio a luta antirracista, expressando pela primeira vez apoio generalizado ao movimento negro que a anos denuncia o racismo e seus desdobramentos no Brasil e no mundo.
Eu não sei você, mas todos os meus amigos negros essa semana foram consultados ou convidados a se expressar em ambientes de trabalho, redes de networking em relação a “sua opinião ao racismo”. Eu, em uma dessas “aberturas de espaço”, fui convidada por uma porta voz de um projeto a gravar um vídeo, pois eles estavam “abrindo espaço em suas redes em apoio ao movimento #vidasnegrasimportam” sem nem antes perguntar como eu estava e como poderiam de forma efetiva contribuir para nossa luta.
É difícil enquanto mulher negra que sofre os efeitos do racismo estrutural na pele a gerações ver pessoas e marcas de repente despertarem para uma pauta que levantamos a séculos e que é urgente como se fosse algo que surgiu hoje. Muito mais diferenciar quais ações são genuínas e comprometidas e não passam de agenda ou posicionamento de mídia.
Porém, acho importante que estejamos discutindo esse tema amplamente, principalmente entre pessoas não-negras presentes em espaço de poder. Então, após passar por essas semanas intensas, marcadas pela repetição e reprodução de forma explícita da violência contra pessoas negras pela mídia, que mexeram muito com meu emocional, resolvi escrever sobre o assunto focado no papel do mercado corporativo e seus atores de decisão no combate ao racismo estrutural
Para começar a entender racismo estrutural.
Quando a comunidade negra refere-se a racismo estrutural está falando de uma série de práticas originárias desde o período pós-escravidão legitimadas por práticas do Estado e reproduzidas pela sociedade que discrimina a população negra e lhe nega acessos favorecendo por outro lado pessoas não-negras. Mas Nathália, como o Estado pode legitimar essas práticas quando o mesmo diz que “todos são iguais perante a lei”?
Se revisitarmos a história Brasil veremos um série de práticas eugenistas que favoreceram a população branca em detrimento da população negra. O Estado que financiou a vinda de europeus para garantir o clareamento da nação e mais tarde assegurava por cotas acesso ao ensino formal a filhos de fazendeiros brancos (em sua maioria descendentes desses europeus), é o mesmo que “alforriou” sem nenhuma assistência a população negra, lhes negou educação e acesso a infraestrutura e a empurrou para os guetos e vielas a própria sorte.
O resultado disso pode ser observado nas favelas que se formaram no país, nas taxas de desemprego, encarceramento em massa dessa população e incidência de violência policial que nos atinge, pois é da nossa cor o estereótipo de suspeito alvo das batidas policiais. Até hoje essas ações refletem no mercado de trabalho e níveis de escolaridade desse grupo étnico, que embora represente a maior parte da população ainda é a minoria entre profissionais com ensino superior e ainda possui a maior taxa de analfabetismo do país.
O que o mercado de trabalho tem a ver com isso?
Ano passado tive a oportunidade de palestrar em um evento, levantando enquanto mulher negra e de origem periférica, como algumas fronteiras invisíveis determinam os espaços que pessoas negras ocupam e as oportunidades que elas têm acesso no mercado de trabalho. Pois, ainda hoje o acesso à instrução formal para essa população que é a maioria entre os 78% mais pobres faz com que a pobreza no Brasil tenha cor e o mercado de trabalho vem colaborando para a manutenção dessa disparidade.
Ano passado o IBGE demonstrou que “analisado o aspecto cor ou raça, mantêm-se presentes em todos os níveis de instrução, inclusive no mais elevado: as pessoas brancas ganham cerca de 45% a mais do que as de cor ou raça preta ou parda”. Sendo assim, a força de trabalho da população negra ou encontra-se em uma posição de falta de formação e é condicionada a postos de trabalho mal remunerados em funções braçais ou operacionais ou mesmo em posição de igualdade de formação com pessoas não-negras segue sendo desvalorizada
“analisado o aspecto cor ou raça, mantêm-se presentes em todos os níveis de instrução, inclusive no mais elevado: as pessoas brancas ganham cerca de 45% a mais do que as de cor ou raça preta ou parda”.
Pois é, o mercado de trabalho tem um problema gritante de racismo que subjuga e desprestigia profissionais pretos e a responsabilidade de cobrar e executar ações estratégicas para mudar esse cenário é coletiva e deve ser abraçada principalmente por aqueles que estão em espaços de decisão de poder em instituições públicas ou privadas , para que possamos evoluir enquanto sociedade.
Enfrentamento do racismo estrutural para além de hashtag
Fiz uma provocação na semana passada no Linkedin sobre formas de o mercado ser antirracista, baseada em situações que enfrentei nas redes após o despertar de muitas de minhas conexões sobre o racismo. É engraçado que muitas dessas pessoas escolheram como forma de combate ao racismo pedir para uma mulher negra disponibilizar sua produção intelectual de forma gratuita em seus canais, sem nem me questionar primeiro se era isso que eu precisava no momento.
Entendam que não será mudando a foto de perfil para preto e branco, subindo hashtag ou abrindo espaço de forma gratuita em seus meios de comunicação que iremos combater o racismo estrutural no brasil. Precisamos de representatividade e visibilidade para negras e negros e nossas pautas no mercado corporativo, mas isso deve ser só o começo de algo maior. Precisamos estar em espaços de decisão em empresas e instituições para buscar equidade, pois existimos nos 365 dias do ano.
Enquanto instituições que compõem o mundo corporativo, empresas precisam questionar-se sobre quais ações podem ser postas em prática para viabilizar, a essa população que até hoje sofre na pele os reflexos do período escravagista, seu ingresso e valorização no mercado formal? Quais meios e iniciativas podem ser postas em prática para sua ascensão socioeconômica e de carreira?
Você pode ser antirracista primeiramente entendendo o perfil dos colaboradores da sua instituição.Não adianta nada ter diversidade enquanto pilar de cultura em sua empresa, se o seu RH nunca mapeou onde estão seus funcionários negros.
Você pode ser antirracista primeiramente entendendo o perfil dos colaboradores da sua instituição.Não adianta nada ter diversidade enquanto pilar de cultura em sua empresa, se o seu RH nunca mapeou onde estão seus funcionários negros, (se há) quantos são e quais seus planos de carreira e porquê eles não estão progredindo.Digo isso pois em um país que tem 56% de sua população composta de pretos e pretas, onde a maior parte da força de trabalho é negra ter apenas 29 % dos mesmos em cargos de gestão demonstra que temos alguma inconsistência.
Não há como questionar e fazer um plano de ação para pensar as particularidades da população preta, sem a população preta. Será que seu ambiente de trabalho é seguro para essas pessoas se manifestarem sobre as pequenas micro agressões que sofrem em relação a raça diariamente? Sua empresa está mesmo comprometida a combater o racismo para além de posicionamento de mídia, mas sim com ações estratégicas?O combate ao racismo no ambiente de trabalho e ao racismo estrutural faz parte do seu planejamento anual? Já mapeou orçamento e desenhou um plano de ação para sair do mundo das ideias e ir para a prática?
E se você acha que todo esse texto é extremista e alarmista eu te convido fazer o teste do pescoço. Olhe aos seu redor e reflita sobre quantas pessoas pretas estão no seu entorno em posição de igualdade de poder nos espaços que você frequenta e não te servindo? Se chegar a conclusão de que há uma ou ninguém e não achar nenhum absurdo nisso, não se ofenda: ser conivente com a forma discriminatória que a nossa sociedade se organiza também te faz racista.
#racismo #mercadodetrabalho #racismoestrutural #corporativoparapretoseperiféricos #rh
Account Executive at Ogilvy
4 aArrasou demais parceira!!!
Product Marketing Manager | Marketing Digital | Product Owner
4 aComo sempre, uma reflexão cheia de lições e verdades. Obrigada por esse artigo incrível.
CEO da AGC | Professora FDC, Aberje | Palestrante | LinkedIn Top Voice | Autora Cultura Sã, Equipe Forte | Liderança, Desenvolvimento Humano, Diversidade | Prêmio Feedz 🏆🏆🏆 (20/22/24) | @arlanegoncalvesoficial
4 aExcelente reflexão, Nathalia!